VUCA, BANI, PSIC, pós verdade e poder

Autor: Maj Filipe da Silva Araujo

Quarta, 19 Abril 2023
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O artigo postado neste EBlog, pelo Gen Ex Richard, no dia 1º de fevereiro de 2023, sobre o mundo PSIC e a ética militar, definiu o complexo papel do Exército Brasileiro diante da realidade informacional moderna. Complexidade é justamente a penúltima letra de outro acrônimo, o VUCA: vulnerabilidade, incerteza (uncertainty), complexidade e ambiguidade, um esforço considerável em compreender a caótica realidade atual, definindo-a em apenas quatro palavras.

Em outro esforço semelhante, surgiu a sigla BANI: frágil (brittle), ansioso, não-linear e incompreensível. Todos esses adjetivos propostos para definir ou rotular nossa realidade são tão diversos e majoritariamente ligados às consequências, ao contrário das causas, que quase nos afastam de compreender as origens desse ambiente incrivelmente entrópico e mutável.

Reputo essa entropia, basicamente, a uma mudança principal: o modo como as modernas tecnologias da informação transformaram nossa forma de viver. O simples aumento, em volume e fluxo, das informações que nos são apresentadas todos os dias é capaz de justificar alguns dos adjetivos de realidade propostos. Ou seja, daí surge boa parte da complexidade e da superficialidade, causadas pela incapacidade humana de processar adequadamente tantas informações. A superficialidade, aliás, advém da sigla PSIC, que também propõe as características: precipitação, imediatismo e conturbação.

Outro componente fundamental, igualmente afetado pelas mudanças trazidas pelas tecnologias da informação é o tempo. De fato, o tempo segue em sua dinâmica de progresso contínuo, segundo as leis naturais vigentes. Contudo, no que tange à sua percepção por parte da sociedade moderna, houve um achatamento do tempo. Um minuto hoje não significa mais o mesmo “um minuto” de 50 anos atrás. Mudaram a percepção, o valor e o significado do tempo.

Quando adjetivamos a realidade com palavras como “precipitada”, “imediata” e “ansiosa”, a mudança da percepção de tempo tem grande parcela de responsabilidade. Outra ontologia necessária à compreensão mais profunda dessas siglas é entender a quem seus adjetivos afetam. Basicamente, afetam duas dimensões: a informacional e, também, a humana. Afinal, o adjetivo “ansioso” é próprio de pessoas, não de informações.

O que há, de fato, é um emaranhado de interseções entre a dimensão humana e a informacional, em uma trama que já não é fácil de ser entendida, afinal o mundo atual também é incompreensível e ambíguo.

Com efeito, o grande volume e fluxo informacional que nos são apresentados não necessariamente permitem que tenhamos mais conhecimento, uma vez que ele necessita de construção, de pensamento crítico e, não menos importante, de tempo. A superficialidade e a ambiguidade indicadas nos acrônimos são originadas neste nó onde o tempo já não se alia com o pensamento humano crítico para gerar conhecimento válido e rico de significado.

Ora, o que vale mais? O processamento e a reflexão de uma ou duas informações por 30 minutos, ou usar esse mesmo tempo para obter 30 outras informações, desconexas e superficiais?

É a partir dessa simples pergunta apresentada acima, e nesse contexto de achatamento de tempo e crescimento acelerado das tecnologias, que surge o solo fértil para o conceito de pós verdade.

E isso também tem tudo a ver com as mudanças nas dinâmicas de poder. Mas vamos com calma. O que seria essa tal pós verdade? Bem, as definições são várias, tomemos uma que se adeque a essa resumida análise: pós verdade é um conceito atribuído às informações e conhecimentos cuja integridade e autenticidade são negadas ou distorcidas, geralmente, com apelo emocional ou hedonista.

E como tais informações com integridade e autenticidade duvidosas são tão facilmente aceitas pela sociedade? A resposta está na primeira pergunta: hoje a maior parte das pessoas prefere digerir 30 informações sem pensar; do que processar apenas uma com aprofundamento e crítica.

É nesse habitat hostil que as dinâmicas de poder se encontram em acelerada mudança. Contudo, o conceito de poder não mudou. Ele ainda é a capacidade de fazer com que outras pessoas façam ou deixem de fazer algo que desejo que elas façam ou deixem de fazer. A dinâmica mudou nas ferramentas disponíveis para exercer tal poder.

Seguramente, os atores políticos se adaptaram à nova realidade VUCA, BANI e PSIC, usando a informação como o insumo de poder mais rico e abrangente em seus efeitos. A informação sempre foi o insumo de poder mais importante da política, pois política é, sobretudo, comunicação de informações.

O mundo da pós verdade, contudo, conferiu aos atores políticos o condão de exercer influência política nos sistemas humanos sem que esses se deem conta, resistam ou mesmo argumentem.

E como sair desse impasse afinal? “Desachatar” o tempo? Desacelerar o progresso tecnológico? Essas não parecem alternativas factíveis ou desejáveis.

O ponto de partida, certamente, está na consciência situacional coletiva de tudo isso que foi dito.

Comentarios

Comentarios
Leitura fundamental para a compreessão da realidade atual!
A força tá com vcs! Sei que em algum momento as coisas mudarão! Avante!
São mesmo, muitas informações a ser analisadas, e conforme a fonte, se pode dar credibilidade ou não, é um jogo político. Tento filtrar e só acompanho canais onde vejo relações com a realidade, não às narrativas. Grata pela oportunidade de dizer essas poucas palavras e saliento a confiança que tenho nas FFAA.
Estamos juntos, ainda existe seres pensantes que não se deixam influenciar pela manipulação desta guerra de informação.
Parabéns , Major Felipe , simples mas profundo , claro e atual, seu artigo lembra a todos que o "Poder" não muda seu objetivo, mas aproveita todas as novidades para subjugar e , se nós pretendemos continuar livres , temos de criar uma "Consciência Coletiva" atuante e urgente !
Uma das estratégias informacionais são às transmissões de dados,diretamente para cérebro e,nesse contexto à China atua procurando recrutar espiões com habilidades informáticas,mas existe planos para à informação,ser transmitida para o cérebro,por meio de dispositivo na cabeça,de forma que garanta à confiabilidade e,confidencialidade da informação.
A imprensa não pode ser tão poderosa.

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