Você assistiu ao jornal ontem?

Autores: Cel Ricardo de Castro Trovizo
Quinta, 26 Outubro 2017
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Caso não tenha assistido ao jornal ontem, peço não mais do que cinco minutos de sua atenção para informar-lhe do ocorrido, afinal, o homem moderno tem que se manter atualizado. A imprensa noticiou uma guerra entre facções. Um grupo fortemente armado com artefatos bélicos, destes que não se podem portar na cintura, em bolsas ou mesmo em mochilas. Destes que são destinados ao uso ostensivo e que disparam munição de "alta velocidade", famosos por sua letalidade.

Houve mortos. Creio que não mostraram os ferimentos em rede nacional em razão da impropriedade do horário. Certamente, teriam que pedir para retirar crianças e pessoas impressionáveis da sala. O que apresentaram foram os impactos nas casas, as marcas nas paredes, nos eletrodomésticos, carros, vidros; as pessoas deitadas e buscando, desesperada e inutilmente, abrigo. Foram horas de terror!

Todas as imagens ficaram registradas pelas nesgas das janelas e cortinas, por cidadãos aprisionados em suas "cobertas" (nas comunidades, não existe abrigo contra tiros de fuzil). Livres mesmo só estavam os "combatentes". Estes, sim, andavam em grupos, eram os donos do "teatro de operações". Seria mentira afirmar que esses atores se locomoviam "livremente" pela rua. Não o faziam porque, nitidamente, utilizavam técnicas de progressão "aproveitando o terreno" e "os meios de fortuna" (os carros dos moradores).

Assistindo à televisão, veio-me, de imediato, uma antiga canção do período básico do soldado: cobertas e abrigos... assim faço meu avanço! Afinal, os pretensos delinquentes, ou melhor, "combatentes", sabiam que estavam em confronto e que poderiam ser alvejados pelo inimigo. Entre os "aprisionados" espectadores da refrega, que enriqueceram a reportagem com suas imagens de celular, cobertos por detrás das cortinas e janelas, estavam os agentes dos órgãos de segurança pública (OSP).

Por ocasião das filmagens, foram captados os dizeres "se abaixa aí!" ou "se esconde aí!", tornando patente a falta da condição de enfrentamento por parte das forças policiais. Não poderia ser diferente, porque o jornal mostrou que os malfeitores utilizavam equipamentos, técnicas, táticas e procedimentos definidos, que os qualificavam como combatentes para impor o domínio de sua facção em uma área definida.

Tal situação deixou de ser segurança pública há muito tempo. Tornou-se conflito armado entre grupos claramente identificáveis, não por uniformes, mas por procedimentos e equipamentos. Inclusive, a matéria mostrou, praticamente, uma companhia de fuzileiros, que constitui um grupo armado, organizado sob um comando capaz de desferir hostilidades de alta intensidade. Desse modo, a notícia culminou com algumas perguntas e diferentes comentários dos profissionais da mídia: por que as forças policiais não atuaram para defender a população? Por que as Forças Armadas não estão apoiando essas operações?

Sem ter pretensão de esgotar o assunto, uma vez que tão complexo tema paira acima da minha competência ou do meu completo conhecimento, trago à colação ideias que, certamente, comporiam alguma tentativa de explicação: os OSP não atuaram porque, pela natureza e pelos efeitos, a circunstância retratada não foi uma ocorrência de segurança pública. Simples assim.

Lembro-me de entrevista de notório Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, na qual explicava que uma operação de segurança pública bem planejada e bem conduzida seria aquela levada a efeito sem a necessidade de disparo de armas de fogo. Pois bem, sob essa ótica, não há força regular de segurança pública capaz de prestar o socorro que a comunidade conflagrada necessita, mesmo porque ações de segurança pública não podem ser reativas. Pelo contrário, em realidade, segurança pública é uma percepção possibilitada pelas ações rotineiras e comunitárias de uma plêiade de atores, que proporcionam a condição de tranquilidade para o desempenho das atividades econômicas e sociais da população. Não seria isso?

Para as Forças Armadas - ente estatal destinado, primordialmente, à defesa, cujo emprego em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) tem sido convocado diante do crescente desespero social provocado pela situação descrita no noticiário -, de fato, encontra-se ambiente jurídico definido, basicamente, pelo Artigo 142 da Constituição Federal, pela Lei Complementar 97/99, especificamente em seus artigos do 13º ao 19º, e pelo decreto 3897/01, que fornecem amparo suficiente para o emprego de tropa federal no contexto previsto, de acordo com o Artigo 144 da CF (Insuficiência dos Órgãos de Segurança Pública).

No entanto, como reportado no jornal, que pode não ter sido visto, ainda, por muita gente, a dinâmica recente do clamor social pelo emprego das forças militares parece apontar para uma nova necessidade: a de ações militares não mais, apenas, por sua natureza, mas, efetivamente, por seus efeitos. Isso quer dizer que o emprego das Forças Armadas (FA) no ambiente jurídico posto, conduziria, provavelmente, a resultados parecidos, uma vez que seu emprego ocorre em adição aos OSP. Não retrata, pois, mudança de atitude ante o oponente, por ser remédio que não cura a doença. É um paliativo, por sinal, muito caro.

As próprias ações nas comunidades do Alemão e da Maré ensinaram às FA brasileiras algo que já existe como lema entre os jurídicos colombianos: "A operação militar só termina quando não houver mais nenhum soldado com problemas na justiça, em virtude de enfrentamentos regulares com oponentes". Essa preocupação fica clara quando o Comandante do Exército expressa a necessidade do estabelecimento da segurança jurídica para a perfeita execução da ação militar e de tudo o que ela pode acarretar.

Portanto, assim como outras sociedades que decidiram enfrentar realmente esse problema, a exemplo da Colômbia e do Peru, há que se reconhecer que, em nossa conjuntura, estão, sim, presentes os requisitos para amadurecer uma possível configuração de conflito armado (que já se prolonga), conforme exigem a doutrina e a jurisprudência internacionais, com destaque para a previsão do Artigo 8º, 2., f), do Estatuto de Roma, internalizado no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse cenário, as forças militares teriam condição de eleger os integrantes da força oponente como legítimos alvos militares.

Ainda nesse enfoque e como exemplo, detalho alguns ditames do Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra (1949), que tutelariam a ação das forças militares federais em conflitos internacionais, os quais transmitem bem a ideia das cautelas devidas à população:

Art 48. "A fim de garantir respeito e proteção à população civil e aos bens de caráter civil, as partes em conflito deverão sempre fazer distinção entre a população civil e os combatentes, entre bens de caráter civil e os objetivos militares e, em consequência, dirigirão suas
operações unicamente contra os objetivos militares.

Art 49. "Entendem-se por ataques os atos de violência contra o adversário,
sejam ofensivos, sejam defensivos.

Art 52. "Os ataques limitar-se-ão estritamente aos objetivos militares. [...] os objetivos militares se limitam àqueles que, por sua natureza e localização, finalidade ou utilização, contribuam, eficazmente, para a ação militar ou cuja destruição total e parcial, captura ou neutralização ofereçam uma vantagem militar definida".

Conforme visto, existe farta e consolidada jurisdição no contexto da Lei do Direito Internacional Humanitário (DIH). Notadamente, para o cenário reportado, teríamos o Artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra e o Protocolo Adicional II (conflitos não internacionais). Esses preceitos, uma vez recepcionados pela normatização que regule as ações das tropas federais em áreas conflagradas sob a égide do Direito Operacional, contribuiriam para o fornecimento da segurança jurídica necessária ao desencadeamento de operações tipicamente militares em ambiente de conflito armado não internacional (CANI).

Por oportuno, destaca-se que, doutrinariamente, as operações militares já são reguladas e conduzidas por diversos mecanismos, como as Ordens de Operações, as Normas de Engajamento e os Centros de Operações. Todos eles garantem a aplicação dos citados ditames em seu alcance exato para a consecução dos efeitos clamados pela opinião pública. Claro que essa não é medida simples, pois implica discussão e amadurecimento, que conduzam a uma decisão da sociedade, caso esta pretenda, realmente, "curar a doença". O remédio é amargo, mas, talvez, seja a única alternativa realista para livrar a atual e as próximas gerações do quadro que situa o Brasil na posição de um dos países mais violentos do mundo, apesar de nossas tradições culturais e psicossociais de cordialidade e humanismo.

Quanto à reportagem? Se você não pôde assistir, não se preocupe. Basta ligar a TV em qualquer dia, em qualquer canal, a qualquer hora, quando, com certeza, passarão outras parecidas.

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Geral Defesa

Comentarios

Comentarios
Excelente análise e muita bem embasada.
Excelente abordagem!
Então coronel Castro, como você mesmo disse, quem não assistiu ao jornal ontem era só assistir qualquer outro dia. Infelizmente hoje foi o outro dia, mais dois policiais tombaram, um o próprio comandante de polícia do RJ. Fico a pensar no caso da turista espanhola morta por policiais. Quem em sã consciência gostaria de passear num local onde nem os próprios moradores ousam a fazer isso? Se por acaso tivesse sido um soldado das forças armadas, as manchetes seriam: de volta aos anos de chumbo, nem turismo mais é permitido no Brasil, “abaixo a ditadura”! Com relação às notícias, houve um tiroteio terrível hoje, mas sem armas de fogo e sim de armas de línguas. Gilmar Mendes e Luiz Roberto Barroso deram um espetáculo e o JorNal mais assistido no país nem divulgou. Ainda bem, os ouvidos do povão não são pinicos e nem bate boca de marmanjos vai resolver os seus problemas, pelo contrário vai é produzir mais problemas. Nessa guerra entre facções de colarinho branco e as facções do colorido branco, a sociedade de bem só serve para trincheira. Na verdade o Brasil está em estado de “luto” e de “loop”, luto pelas mortes de civis e militares nessa guerra sem fim e “loop” por ter-se enveredado por um caminho e não saber mais como voltar para o seu ponto de origem que é a “ORDEM E PROGRESSO”.
Não assisti ao jornal ontem, mas concordo com a análise realizada pelo Trovizo. Há necessidade de se constituir urgentemente uma Força-Tarefa com membros do judiciário, Ministério Público, Forças Armadas e OSP para o enfrentamento do Crime Organizado nas melhores condições possíveis.
Bom, a realidade de nossa Nação, é totalmente desanimadora, pois a impunidade corre a solta no meio dos bandidos que se utiliza de forma errônea a politica brasileira para cometer atrocidades conta o cidadão. A única forma de acabar com a safadeza dos corruptos políticos é a intervenção militar, pois deveria o comando militar , digo , (FORÇAS ARMADAS), ASSUMIR toda a ADMINISTRAÇÃO brasileira, e arruar a bagunça, colocar todos (políticos) sem exceção, em um chilindró, sequestrar seu bens, e valores em real. Com essa atitude ,trazer ao cidadão o desejo de realmente de orgulhar de ser um brasileiro. e que terá liberdade de viver com dignidade. EX COMBATENTE,1991 A 1995.
Esse país virou ZONA, CASA DA MÃE JOANA, politicos roubam bilhões e cadeia que é bom nada, violência nem se fala, resumindo, não dá mais , Alguém tem que tomar providências, e eu acho que vocês militares tem que fazer alguma coisa, intervenção, golpe militar seja lá o que for, ninguém aguenta mais tanta calamidade,a bandidagem perderam o respeito....Façam alguma coisa , porque estamos em queda livre !!!!!!
Infelizmente retrato de muitos anos de total descaso e roubalheira do estado do RJ ( é outros na mesma linha). Só resta o remédio amargo oara cura. O resto, é enxugar gelo...emprego político da Força sem propósito definido. Nos falta competência política para resolver. Por enquanto, vamos nos contentando com análises do quadro cada vez mais complexo da situação. Ótimo artigo. Lúcido e corajoso.
General Castro, não apenas ontem, mas, diariamente assistimos atônicos a bandidagem de colarinho branco, ou não, tomando conta do país. A população acuada, não sai mais nas calçadas em frente suas casas para conversar com familiares ou vizinho. Mesmo em casa, com altos muros, grades nas portas, janelas, tem receio de algum tipo de ação por bandidos. Nos meios de comunicação, vemos os três poderes podres, falidos. Compra de votos, com dinheiro público, tornou-se normal, enquanto os trabalhadores, que pagam seus impostos, não tem nenhum retorno em saúde, educação, segurança, infra-estrutura,...Precisamos de colocar ordem no país, só ima Intervenção Militar pode tirar o país desse lamaçal !! O que estão fazendo com nossas crianças ??? A inversão de valores tomou conta de toda nação. Gostaria muito de perguntar ao general Villas Boas, o que funciona no Brasil ??? Só se for a corrupção !!!
Assisti ao jornal hoje e as exibições de armas possantes na comunidade da Maré abrilhantaram o jornalismo. Enquanto isso, na terra do nunca, Alice ainda acha que está no país das maravilhas. Ela reclama do seu trabalho escravo e de seu vencimento que mal dá para ir a um salão de beleza, pobre dela. Quando aquele honrado patriota que jurou lutar até a morte em defesa do Brasil disse apenas palavras óbvias, foi aquela repercussão. Lembrando que o citado patriota jamais se queixou de seu salário, diga-se de passagem, bem abaixo do salário de Alice, mesmo sem nenhum aumento dado a ela. Nunca na terra do nunca deste país, as maravilhas foram tão horrendas e dignas de um dia das bruxas ou: “Halloween” tupiniquim como for pior.
BOA NOITE, GOSTARIA DE SOLICITAR AUTORIZAÇÃO EM CITAR ESTE ARTIGO EM MEU TCC DO CHQAO, DESDE JÁ OBRIGADO PELA ATENÇÃO.

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