Valores, deveres e ética militar: a ordem em meio ao caos

Autor: Coronel Maurício Gröhs

Segunda, 16 Outubro 2023
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Sim, nós pintamos o meio-fio! E também engraxamos nossos coturnos. Sim, nós cortamos a grama! E também temos nossos cabelos cortados. Nós prezamos pela ordem em desfavor do caos. “Deixe sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo”, defende o pensador canadense Jordan B. Peterson 1.

O belo está se perdendo na sociedade contemporânea, em todos os aspectos da cultura. Nas esculturas, na música, na arquitetura, na aparência e na comunicação. Na conduta, princípios basilares de convivência social são constantemente relativizados.

O Exército Brasileiro é uma instituição conservadora. Mas isso não significa que seja rígida ao ponto de ser estática. A instituição moderniza-se constantemente; como por exemplo: o Projeto Estratégico Cobra, com substituição dos Fuzis 7,62 M964 pelos Fuzis IMBEL IA2; o Programa Estratégico Forças Blindadas, com aquisição de viaturas blindadas (VBTP GUARANI e LMV, da Iveco Veículos de Defesa), equipadas com tecnológicos sistemas de comando e controle e de armas remotamente controladas (torres REMAX). Ambos fomentam a inovação no país e contribuem para o fortalecimento da dissuasão.

Há evolução também na dimensão humana. Neste aspecto, merece destaque o recente ingresso das mulheres na linha de ensino militar bélico do Exército Brasileiro. Em 2018, a Escola de Sargentos de Logística formou as primeiras Sargentos de carreira de Intendência e de Material Bélico. Em 2021, a Academia Militar das Agulhas Negras formou as primeiras Aspirantes a Oficial dessas especialidades.

Há sempre aquelas regras que mudam. Pense na seguinte imagem: um militar fardado, de guarda-chuva e mochila (preta) nas costas. Uma transgressão disciplinar clara nos anos 2000, mas não nos dias atuais.

Estes exemplos servem para ilustrar que ser conservador não significa ser contra mudanças. Significa, sim, conservar “um conjunto de valores, deveres e princípios de ética que são referenciais fixos, imutáveis e universais” 2, em meio às mudanças necessárias face a evoluções de cenários do mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo 3 que vivemos.

Os valores, os deveres e a ética militar devem constituir uma base imutável, ou seja, não podem ser relativizados. O Vade-Mécum 10 de Cerimonial Militar do Exército é claro quanto a isso e reforça o argumento, lembrando que estes elementos basilares devem pautar a vida do militar, como cidadão e como soldado 4. Não pode haver uma dupla personalidade!

Integridade. Palavra com muito significado. Tomando como referência Stephen R. Covey, integridade pode ser definida como a capacidade de assumir compromissos e honrá-los, vivendo com base em princípios imutáveis e universais 5.

Todos nós, militares, devemos honrar o compromisso do soldado 6. Devemos optar pela ordem, devemos voltar nossas ações para manutenção da integridade pessoal, da instituição e da Pátria. E trabalhamos diariamente para que o caos de valores não se transforme em nosso “novo normal”, para que não haja relativização de valores.

Imagine a seguinte situação hipotética: “Ah, mas o militar pegou uma farda que não era dele. Ele será excluído ‘a bem da disciplina’ por isso?” Poderiam ser descritos aqui, longamente, os fundamentos dessa decisão que, para alguns “desatentos”, poderia parecer drástica.

Mas foquemos apenas em algo escrito há muito tempo e ainda válido: “Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito. Quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito” (Lucas 16:10-11) 7. Não pode haver relativização!

É dever militar zelar pelo patrimônio público de que dispomos para cumprir nossa missão. Mas, além disso, o meio-fio pintado e a grama cortada fazem parte do nosso "deixar a casa em perfeita ordem", visto que transmitem “significados e valores que nos são relevantes e que desejamos conscientemente expressar” 8.

Assim como cuidamos de nosso patrimônio, devemos sempre fortalecer a dimensão humana da Força Terrestre. É nosso dever prezar pela ordem, prezar por valores centenários, historicamente defendidos por nossos heróis, representados principalmente pelos patronos (estando Duque de Caxias no pináculo desta nobre galeria).

É assim que tem que ser. Precisamos ser a ordem em meio ao caos.

 

1 PETERSON, Jordan B. 12 regras para a vida: um antídoto para o caos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.

2 Plano de Integridade do Exército Brasileiro. 1ª Ed. Brasília/DF, 2018.

3 Ver: O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército. Disponível em: https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito.html#:~:text=A%20prop%C3%B3sito%20do%20uso%20deste,disponibilizado%20na%20Era%20do%20Conhecimento. Acesso em 17 Maio 23.

4 Vade-Mécum de Cerimonial Militar do Exército - Valores, Deveres e Ética Militares. 2ª Ed. Brasília/DF, 2016.

5 COVEY, Stephen R. Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes. 99ª Ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2022.

6 Descrito no Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas. Brasília/DF, 2022.

7 BÍBLIA. Bíblia King James 1611. 5ª Edição. Niterói: BV Books, 2021

8 SCRUTON, Roger. Beleza. São Paulo: É Realizações, 2013.

 

 

 

Comentarios

Comentarios
Caro Ten Cel, Muito pertinentes suas posições sobre mudanças e espírito conservador e sobre os princípios éticos que nos regem e que não podem ser relativizados, embora muitos os tenham recentemente relativizado. Meu comentário trata de um detalhe irrelevante em suas ideias, dado nelas apenas como exemplo: o uso de guarda-chuvas não era propriamente uma transgressão, não havia no RDE nada que o proibisse claramente. Tratava-se, creio eu, apenas de um costume antigo, advindo do zelo excessivo de não se cometer a transgressão, essa sim arrolada no regulamento, de não sobrepor nada à cobertura (entenda-se imediatamente sobre ela, como cobri-la com qualquer coisa à guisa de capa para protegê-la da chuva ou da poeira), se assim fosse realmente, não seria transgressão também pôr-se sob um toldo para fugir da chuva? No entanto, como velho soldado reformado, não deixarei de achar estranha a visão de um militar fardado e com guarda-chuvas, assim como estranho outras coisas: militares sem cobertura na rua e um certo relaxamento na regra, antigamente rígida, de a tropa usar o mesmo uniforme numa mesma mesma atividade em execução. Meus cumprimentos!
Parabéns Grohs!
Guarda-chuva e mochila. Anexo I RDE – Transgressão: 68. Usar o militar da ativa, em via pública, uniforme inadequado, contrariando o Regulamento de Uniformes do Exército ou normas a respeito; Sobre a mochila, Portaria nº 1.424, de 8 de outubro de 2015, Art. 237, inciso XV - bolsa, mochila, pasta, valise e maleta: permitido, desde que seja de cor discreta (preta, marrom, verde ou camuflada) e que não seja pendurada ao ombro, cruzada à frente do peito ou apoiada nas costas, quando trajando uniforme; Portaria – C Ex nº 1.569, de 11 de agosto de 2021, Art. 237, XV. a), 3 - bolsa, mochila, pasta, valise e maleta: é permitido o uso, desde que seja de cor preta, verde-escura ou camuflada, de mochila nas costas (a) quando o militar estiver trajando o 9º Uniforme; ou (b) quando deslocando-se de motocicleta ou de bicicleta. Sobre o guarda-chuva, também data de 2015 a autorização de uso com o uniforme (não apenas o camuflado, neste caso), texto que foi incorporado ao RUE, 3ª Edição, Portaria nº 1.424, de 8 de outubro de 2015, Art. 237, XVI, 1) - guarda-chuva: é permitido o uso: (a) de qualquer marca ou modelo, na cor preta, desde que não tenha detalhes ou inscrições; e (b) em deslocamentos individuais.
Prezado Tenente-Coronel, o texto é excelente e pertinente. Agora um ponto importante e que seja bem discutido, o uso dos soldados para a conservação do patrimônio público e viável, mas realmente é um ano em que o soldado em determinadas unidades só aprendem a "capinar"; por isso na minha opinião a profissionalização do serviço militar é um caminho a ser pensado; chega de serviço obrigatório; em um ano não se aprende nada . Abs !
Ótimo texto, estamos vendo mudanças abruptas na sociedade e ter uma instituição com valores morais e cívicos, reforça nosso patriotismo e nos afasta do caos. Como diz a canção do Exército Brasileiro: "Porém, se a Pátria amada. For um dia ultrajada. Lutaremos sem temor."
Com certeza Coronel Marcelo. Nosso período de Caserna era aquele que tinhamos dos fardamentos. Retornando dos acampamentos, na sexta-feira, íamos ao tanque, preparar e deixar aquela farda que ralamos em condições de estar apresentável, inclusive gomada, para que estivéssemos em condições. Quanto à guarda-chuvas, eram poucos que usavam, pois além do nosso fardamento de brim não ser de tecido impermeável como o atual, comprávamos as capas de chuva, na cor verde oliva. Mas como o Senhor cita a cobertura era dispensada somente para educação física, sendo pertinente o uso se trajando o uniforme físico estivesse em outra atividade. Modernizou-se tanto, na época éramos capacitados e todos serviços de guarda eram tirados com FAL. E abaixo da cobertura existia um Soldado vestindo sua farda, que poderia ser comparada com qualquer outro aquartelado era do mesmo padrão. Hoje pra baixo da cobertura existe um ser de artesanato, que se em situação de guerra, o inimigo bater no ombro, ele já grita em quantas moitas e quantas trincheiras o GC, o Pelotão, a Companhia e o Batalhão dele está camuflado. Perdeu-se o comprometimento com a Pátria, o Exército virou uma Instituição de concurseiros.
Que orgulho, pertencer ao EB... Maior orgulho é ler um texto de um grande irmão, que renova a chama da vibração e do comprometimento com suas frases de impacto e inteligência. Só se ama aquilo que se conhece... falar sem saber ou viver é fácil... difícil, só quem é para saber! Parabéns pelo texto!!!
Correção de texto: Tenente-Coronel Maurício Gröhs, o senhor poderia descrever para nós, qual foi o desfavor que o exército proporcionou ao caos em que se encontra o Brasil atualmente?
Tenente-Coronel Maurício Gröhs, o senhor poderia descrever para nós, qual foi o desfavor que o exército proporcionol ao caos em que se encontra o Brasil atualmente?
Todas as coisas se fazem necessárias, observados os seus limites eticos e a proporcionalidade das ações realizadas. Ainda acredito que por razões multidisciplinares e sobretudo económicas o nosso exercito não está atuando com mais ênfase e vigor em campos de pesquisa e inovação, desenvolvimento em áreas estratégicas para a segurança nacional como Defesa Cibernética, guerra química e BACTERIOLOGICA, como também atuando mais fortemente na área de envolvendo a logística de desenvolvimento e a fabricação de drones e ainda pesquisas voltadas para o Eletromagnetismo pois são conhecimentos determinantes para a Defesa Nacional.
Valores q se aprendia no EB, levamos para a vida toda. Tanto maus, quanto, e em escala muito maior ,os bons. Hoje, infelizmente, tem muitos indivíduos de caráter duvidoso ou com intenções de denegrir a imagem do EB, infiltrados e trabalhando contra esses princípios tão importantes.
Boa tarde. Sd.308-Bettiol-1a.Cia.-34BIMtz(34BIMec, hoje)Foz do Iguaçu-PR. Atualmente, moro em Cuiabá-MT. Ainda temos a mesma vibração de quando servimos em 1984. Estamos à postos. Aguardamos as ordens. Selva!
Ta bommmm faltam apenas munda duas coisa primeiro colocar as pessoas no seu devido lugar
EB selva
As Forças Armadas em geral estão ficando pra trás quando o assunto é segurança nacional, estão ficando encurralados em seus quartéis enquanto a sociedade clama por segurança de ir e vir conforme nossa CF. Claro que o EB não é treinado para tal, mas poderia, uma vez que nosso país nao tem conflitos com outros países, poderia sim preparar uma boa parcela de soldados e assumir papel de polícia....quando solicitado. Enquanto isso nós sociedade observamos um simples soldadinho na rua de farda com guarda chuva e mochila nas costas...sem feito algum, será?
"Sim, nós pintamos o meio-fio! E também engraxamos nossos coturnos. Sim, nós cortamos a grama! E também temos nossos cabelos cortados. Nós prezamos pela ordem em desfavor do caos. “Deixe sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo”, defende o pensador canadense Jordan B. Peterson 1.", mas para quem? O belo está se perdendo, e poderia até dizer já está perdido, porque não o conhecemos. Em sua definição ontológica, belo é todo ato agradável aos sentidos e o percebemos ao identificar na coisa contemplada a harmonia, a integralidade, a proporção e a clareza, mas quem saberia defini-lo assim? A coisa não pode ser bela em si mesma, pois se assim fosse esta coisa seria perfeitamente bela e o perfeitamente belo é tudo que é belo no próprio ser e a coisa só pode ser bela por participação naquele que é o Ser em si mesmo. Dostoievski, apresenta duas percepções do belo, em que, na primeira impressão, nos parecem paradoxais, mas, em verdade, na sua genialidade, ele aprofunda a questão da beleza. Ele afirma que “o Belo salvará o mundo” na medida que sejam referências a harmonia para a Ordem, a integralidade para a completude, a proporção para a justiça e a clareza para a transcendência, mas, por outro lado, a beleza, no seu aspecto mais materialista e imanente, pode se tornar uma capa que esconde a feiura da alma, sendo a arma do ímpio em uma luta contra o verdadeiramente belo dentro do mais importante campo de batalha entre o Bem e o Mal, que é o coração do homem. Então, para referenciar qualquer coisa como bela é preciso que ela esteja configurada com o Perfeitamente Belo, ou seja, comungando com a perfeição em si. Prezado Comandante, você afirma que "O Exército Brasileiro é uma instituição conservadora. Mas isso não significa que seja rígida ao ponto de ser estática. A instituição moderniza-se constantemente; como por exemplo: o Projeto Estratégico Cobra, com substituição dos Fuzis 7,62 M964 pelos Fuzis IMBEL IA2; o Programa Estratégico Forças Blindadas, com aquisição de viaturas blindadas (VBTP GUARANI e LMV, da Iveco Veículos de Defesa), equipadas com tecnológicos sistemas de comando e controle e de armas remotamente controladas (torres REMAX). Ambos fomentam a inovação no país e contribuem para o fortalecimento da dissuasão...”, mas só conheço uma definição de conservador, que é estar configurado ao nosso Senhor Jesus Cristo e, nesta senda, modernizar-se significa estar mais próximo da verdade, portanto mantenho a coerência ao dizer que todas essas inovações são bem-vindas, desde que sirvam à Verdade. Aqui eu gostaria de refletir sobre a Verdade. Nosso Senhor Jesus Cristo disse "Eu sou o caminho, a verdade e a vida", então ela não pode ser outra coisa senão o caráter manifesto da realidade. Mas a verdade nem sempre está tão aparente, a ponto de ser contemplada diretamente. Ora, então como poderíamos chegar até ela? Pela ciência, correto? A ciência, e aqui eu me refiro à verdadeira ciência, tem uma tecnologia própria para se chegar à verdade. Ela passa pelos campos das possibilidades, das verossimilhanças e, após uma dialética entre estas, chega à certeza, que é a possibilidade mais provável. Para esta possibilidade ser uma verdade é preciso que o discurso seja coerente com a realidade, o que pode ser conferido por um exercício de lógica. Repare que defino certeza como possibilidade mais provável e não como verdade em si, portanto concordo que a evolução é necessária, mas ela só pode seguir um caminho. O da Verdade. A mudança aqui não pode ser a questão central. A verdadeira questão é: a quem servem estas mudanças? Quando o senhor diz "Os valores, os deveres e a ética militar devem constituir uma base imutável, ou seja, não podem ser relativizados. O Vade-Mécum de Cerimonial Militar do Exército é claro quanto a isso e reforça o argumento, lembrando que estes elementos basilares devem pautar a vida do militar, como cidadão e como soldado.... Não pode haver uma dupla personalidade!...Todos nós, militares, devemos honrar o compromisso do soldado. Devemos optar pela ordem, devemos voltar nossas ações para manutenção da integridade pessoal, da instituição e da Pátria…É assim que tem que ser. Precisamos ser a ordem em meio ao caos." o senhor negligencia que a verdade é e sempre será, pelos séculos dos séculos, a base imutável. Ela é a ordem em meio ao caos e devemos sempre a servir. Por isso não importa se estamos pintando o meio fio, mas, sim, o fato de, quando fazemos, a quem estamos, realmente, nos curvando? " Porém, respondendo, Pedro e os apóstolos disseram: Mais importa obedecer a Deus que aos homens" Atos 5:29
Direto e reto. Texto que nos representa. Baita referência.
Excelente texto, valores básicos são a base para o crescimento e fortalecimento.
Interessantes colocações! Como estudante de filosofia, defendo, como o senhor, a busca da verdade como uma das linhas mestras da vida. Como religioso, defendo, como o senhor, que somos todos meios da vontade de Deus. Sugiro envio de artigo ao Blog como forma de enriquecer tão valoroso debate de ideias!
Interessante questionamento. Sugiro que você visite alguma organização militar para conhecer nossas atividades! Outra alternativa é ler conteúdo de revistas militares e outros meios que abordem conteúdos sobre a atividade militar no país. Para início dessa jornada, recomendo o próprio site do Exército Brasileiro e outras midias oficiais! Seja muito bem-vinda a essa jornada do conhecimento!

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