O blockchain é uma inovação disruptiva que, junto com a Inteligência Artificial (IA), big data, computação em nuvem (cloud computing), internet das coisas (Internet of Things – IoT), robótica, dentre outras tecnologias, compõe o que é denominado de Indústria 4.0 ou 4ª Revolução Industrial. Considerado um livro-razão distribuído que promove a integridade nas transações, o blockchain inicialmente se tornou célebre nas finanças pelo lançamento da criptomoeda bitcoin em 2008, por obra de Satoshi Nakamoto.
O blockchain teve sua origem no ramo das finanças e pelo modo como tem sido empregado, há diversos estudos focando outros domínios, como cadeias de suprimentos, contratos inteligentes (smart contracts), energia, proteção aos direitos autorais, publicidade, saúde, seguros, sistemas de informação, votação eletrônica, dentre outros casos na esfera privada e serviços governamentais. Neste sentido, cabe destacar que o blockchain é um livro-razão descentralizado e distribuído, imutável e que fornece transparência em suas transações.
Embora a tecnologia blockchain esteja sendo largamente empregada nas finanças, mais notadamente na infinidade de criptoativos que se seguiram ao citado bitcoin, nos últimos anos têm sido desenvolvidas pesquisas com direcionamento ao setor de defesa. Assim sendo, este artigo visa discutir de forma sintética as principais aplicações endereçadas ao setor de defesa, como interessante oportunidade de estudos futuros para diversos pesquisadores que se interessam por ciência, tecnologia e inovação.
O blockchain é uma tecnologia promissora e emergente que possui elevado potencial para fornecer confiança descentralizada, segurança e integridade de dados, rastreabilidade, transparência, visibilidade e auditabilidade em diversas áreas das indústrias aeroespacial e de defesa (Ahmad, Hasan, Yaqoob, Salah, Jayaraman & Omar, 2021). Tais características do blockchain podem ser utilizadas em proveito do gerenciamento das cadeias de suprimentos militares (Rahayu, Kamarudin & Azahari, 2019; Saadiah & Rahayu, 2021).
Cabe ressaltar que recentemente os países têm investido na Defesa Cibernética, no que o blockchain pode se mostrar como alternativa para garantir a integridade do processamento de dados, em razão da sua natureza descentralizada (Lee & Kim, 2021). A segurança do blockchain também foi pesquisada na interface do sistema de Comando, Controle, Comunicações e Inteligência - C3I, cujos resultados indicaram que o modelo de Akter, Bhardwaj, Lee e Kim (2019) foi positivo em termos de alta acessibilidade, rendimento e segurança frente aos ataques cibernéticos.
Interessante raciocinar que a ciência militar tem enfrentado novos desafios desde o advento da internet, especialmente com as ameaças pelos ataques cibernéticos, o que trouxe uma transformação da Tecnologia da Informação – TI (Huszár, 2020). Dessa forma, inovações como a tecnologia do registro distribuído (Distributed Ledger Technology – DLT) e o blockchain, complementado pela IA e a visão de máquina, representam uma infinidade de desafios técnico-científicos militares (Huszár, 2020).
Tal desafio, frente à ameaça dos ataques cibernéticos, tem sido objeto de constante preocupação dos líderes contemporâneos, em virtude dos potenciais riscos às redes de infraestruturas civis e militares (Krichen, Ammi, Mihoub & Almutiq, 2022). A tecnologia blockchain, por seu turno, possui a capacidade de alterar as vulnerabilidades de segurança de alguns sistemas cibernéticos no qual um indivíduo mal-intencionado não poderá explorar um único ponto de falha (Krichen, Ammi, Mihoub & Almutiq, 2022).
Dessa forma, para Krichen, Ammi, Mihoub e Almutiq (2022), a adoção da tecnologia blockchain no setor de defesa militar pode abranger os seguintes aspectos: (1) detecção de intrusão; (2) monitoramento de infraestrutura; (3) gestão de batalhas; (4) gerenciamento de drones; (5) gestão das cadeias de suprimentos; e (6) comunicações criptografadas. Além desses aspectos, Krichen, Ammi, Mihoub e Almutiq (2022) citam Lilly e Lilly (2021) para divulgar uma comparação sobre o uso da tecnologia blockchain pelas forças armadas mais poderosas do planeta:
Estados Unidos da América: tecnologia utilizada para a melhoria da resiliência dos dados, na premissa de que podem eliminar o comprometimento e a corrupção dos dados. Nesse caso, o blockchain é utilizado como um escudo de segurança cibernética;
Rússia: criação do laboratório de pesquisa encarregado de formular um sistema blockchain para detectar e mitigar ataques cibernéticos; e
China: voltado para a administração de equipamentos, aprendizagem profissional, logística e conversão de TI comercial em programas de defesa.
O blockchain é claramente uma tecnologia disruptiva que muda a forma como o mundo se desenvolve em termos econômicos, jurídicos e de segurança da informação (Huszár, 2020). As áreas de defesa para aplicações e soluções baseadas em blockchain levantam uma ampla gama de questões científicas, no sentido que essa tecnologia permite que redes voluntárias e distribuídas para fins militares cooperem através de um processo criptográfico sem controle central e estatal (Huszár, 2020).
Assim sendo, a tecnologia blockchain resulta numa mudança de paradigma digital, caracterizada pela descentralização (Huszár, 2020). A tecnologia blockchain pode ser um campo de investigação revolucionário para a ciência militar, mas ainda há espaço para uma melhor compreensão das vantagens e desvantagens da descentralização, através do estudo das aplicações internacionais que já foram implementadas ou estão em desenvolvimento no setor de defesa nacional (Huszár, 2020).
Além da segurança cibernética, essa tecnologia pode ser utilizada no gerenciamento das cadeias de suprimentos (supply chain management – SCM), que semelhante às outras indústrias, o SCM militar é complexo (Rahayu, Kamarudin & Azahari, 2019). Em SCM militar, elencaram-se 07 (sete) situações de uso do blockchain: (1) rastreamento de remessas; (2) mensagens no campo de batalha; (3) preparação para a Guerra Cibernética; (4) prevenção do roubo de dados; (5) aplicações da Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN; (6) proteção de sistemas de armas; e (7) fabricação aditiva militar.
Para Rahayu, Kamarudin e Azahari (2019), a integração da tecnologia blockchain no gerenciamento dos suprimentos facilita o rastreamento das transações de peças de reposição genuínas, pois o uso de criptografia nesta estrutura protegerá toda a cadeia contra qualquer adulteração. Na visão desses pesquisadores, a tecnologia blockchain promove uma cadeia de abastecimentos eficiente e transparente para os militares, que reduzirá as fraudes e os preços excessivos das peças sobressalentes.
O blockchain é uma tecnologia atraente que fornece os registros de dados únicos, sincronizados, seguros e imutáveis, bem como se torna uma opção econômica por eliminar a necessidade de delegação de autoridade para executar transações (Ahmad, Hasan, Yaqoob, Salah, Jayaraman & Omar, 2021). Fora os casos citados de Segurança Cibernética e cadeias de suprimentos, essa tecnologia admite o emprego em situações envolvendo a proteção de fronteiras, operações de resgate, assim como as oportunidades e desafios na indústria aeroespacial.
O processo baseado em blockchain para aplicações aeroespaciais e de defesa pode ajudar a registrar todas as entidades no campo de batalha (Ahmad, Hasan, Yaqoob, Salah, Jayaraman & Omar, 2021). Nesta seara, se incluem as informações de armas, combatentes, drones, sensores e veículos, juntamente com o seu papel numa operação militar. Por esse lado, o blockchain usa contratos inteligentes no processo de registro em que apenas membros registrados possam ler os dados armazenados no livro-razão (Ahmad, Hasan, Yaqoob, Salah, Jayaraman & Omar, 2021).
Por fim, as potencialidades da tecnologia blockchain no setor de defesa são contundentes em 4 (quatro) casos citados nesta revisão: comando, controle, comunicações e inteligência; defesa/ segurança cibernética; gerenciamento da cadeia de suprimentos militares; e indústria aeroespacial. Em apertada síntese, as características do blockchain como a auditabilidade, confiança, descentralização, eficiência, imutabilidade, objetividade, rastreabilidade, redução de custos e transparência, tornam o livro-razão distribuído uma oportunidade interessante de ser empregado nas Forças Armadas de todo o planeta.
Referências
Ahmad, R. W., Hasan, H., Yaqoob, I., Salah, K., Jayaraman, R., & Omar, M. (2021). Blockchain for aerospace and defense: Opportunities and open research challenges. Computers & Industrial Engineering, 151, 106982.
Akter, R., Bhardwaj, S., Lee, J. M., & Kim, D. S. (2019). Highly secured C3I communication network based on blockchain technology for military system. In 2019 International Conference on Information and Communication Technology Convergence (ICTC) (pp. 780-783). IEEE.
Huszár, V. (2020). Application possibilities of decentralization and blockchain technology using computer vision and artificial intelligence in defense management, military and police organizations. HONVÉDSÉGI SZEMLE: A MAGYAR HONVÉDSÉG KÖZPONTI FOLYÓIRATA, 148 (1), 4-14.
Krichen, M., Ammi, M., Mihoub, A., & Almutiq, M. (2022). Blockchain for modern applications: A survey. Sensors, 22 (14), 5274.
Lee, S., & Kim, S. (2021). Blockchain as a cyber defense: opportunities, applications, and challenges. IEEE Access, 10, 2602-2618.
Rahayu, S. B., Kamarudin, N. D., & Azahari, A. M. (2019). Military blockchain for supply chain management. Journal of Education and Social Sciences, 13 (1), 353-361.
Saadiah, S., & Rahayu, S. B. (2021). Consortium blockchain for military supply chain. Turkish Journal of Computer and Mathematics Education (TURCOMAT), 12 (3), 1825-1831.
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