TECNOLOGIA BIG DATA E A CONSCIÊNCIA SITUACIONAL NAS OPERAÇÕES

Autores: S Ten Julio Cezar Rodrigues Eloi
Segunda, 02 Junho 2025
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A revolução digital transformou, substancialmente, o mundo em que vivemos, proporcionando oportunidades, mas tornando as sociedades vulneráveis. O avanço tecnológico torna as interferências rápidas e abrangentes, de forma que os cidadãos se tornam alvos diretos da guerra de informação (Lucarelli, Marrone & Moro, 2021).

De armamento avançado a comando e controle, os domínios relacionados à segurança passam por profundas transformações à medida que a disponibilidade e a transmissão de dados aumentam exponencialmente (Lucarelli, Marrone & Moro, 2021). Neste contexto, como forma de buscar acompanhar as mudanças tecnológicas, este artigo se propõe a discutir como a tecnologia de big data pode contribuir para a consciência situacional nas operações militares.

Big data é uma tecnologia de informação emergente que descobre conhecimento a partir de enormes quantidades de dados para dar suporte à tomada de decisões. “Big” implica que o conjunto de dados resultante é de grandes dimensões para ser manipulado com métodos tradicionais (Song et al., 2015).

O termo implica a tendência de explosão dos dados e seu valor para a sociedade atual . Cientistas de dados adotam as dimensões n-V’s ou 5 V’s (volume, velocidade, variedade, valor, veracidade, etc) para contabilizar big data (Song et al., 2015).

Quadro 1 – As dimensões da tecnologia big data

Dimensão

Conceituação

Volume

O tamanho do big data não é exatamente definido. Varia de acordo com diferentes campos e se expande ao longo do tempo. Muitas empresas contemporâneas de Internet podem gerar terabytes de novos dados todos os dias e o banco de dados ativo em uso pode exceder petabytes. Por exemplo, o Facebook armazenou 250 bilhões de fotos e acessou mais de 30 petabytes de dados de usuários por dia; a Alibaba, a maior empresa de comércio eletrônico do mundo, armazenou mais de 100 petabytes de dados comerciais. O grande volume é a característica básica do big data. De acordo com a International Data Corporation (IDC), o volume de dados digitais no mundo atinge zetabytes (1 zetabyte = 230 terabytes) em 2013; além disso, quase dobrou a cada dois anos antes de 2020.

Velocidade

A explosão de dados também significa que a velocidade de geração de dados é muito rápida e eles devem ser processados em tempo hábil. No Facebook, por exemplo, milhões de itens de conteúdo são compartilhados e centenas de milhares de fotos são carregadas a cada minuto do dia. Para atender um bilhão de usuários globais, mais de 100 terabytes de dados são escaneados a cada 30 minutos. Velocidade é um conceito relativo e depende de aplicação prática. Para muitas aplicações de comércio na internet, as informações processadas devem estar disponíveis em poucos segundos; caso contrário, o valor dos dados diminuirá ou será perdido.

Variedade

Big data possui diversos tipos e formatos. Dados estruturados tradicionais salvos em banco de dados possuem formato regular, ou seja, data, hora, quantidade e string, enquanto dados não estruturados como texto, áudio, vídeo e imagem são os principais estilos de big data. Os dados não estruturados podem ser página da web, blog, foto, comentário sobre mercadoria, questionário, log de aplicativo, dados de sensor e assim por diante. Muitos dados expressam conteúdos legíveis por humanos, mas podem não ser compreensíveis para máquinas. Variedade também significa que big data tem várias fontes. Por exemplo, os dados para análise de tráfego podem vir de câmeras, sensores de ônibus, táxi ou metrô.

Valor

Big data pode produzir insights valiosos. O insight ajuda a prever o futuro, criar novas chances e reduzir riscos ou custos. Como resultado, o big data pode mudar ou melhorar a vida das pessoas. Um exemplo famoso de mineração de big data é que o Google previu com sucesso a gripe de acordo com 50 milhões de registros de pesquisa. Outro exemplo é que a recomendação de compras pode ser encontrada em todos os lugares quando navegamos na internet. Essas recomendações são geradas conforme grandes quantidades de registros sobre o acesso do usuário. Observe que o valor do big data é de baixa densidade e deve ser extraído de seu enorme volume.

Veracidade

Veracidade significa apenas que os dados confiáveis devem ser usados; caso contrário, o tomador de decisão pode obter conhecimento falso e tomar decisões erradas. Por exemplo, a revisão do cliente é importante para o sistema de classificação de mercadorias, e se fizerem comentários falsos ou pontuarem enganosamente para obter lucro, o resultado influenciará negativamente a classificação e a escolha do cliente. A veracidade exige que esses dados falsos sejam detectados e eliminados antes da análise.

Fonte: Song et al. (2015).

O big data surgiu, não apenas da mídia social ou do comércio da internet, mas também do governo, varejo, pesquisa científica, defesa nacional e outros domínios. Atualmente, estão envolvidos no processamento de dados massivos (Song et al., 2015).

O florescimento do big data impulsiona o desenvolvimento de novas tecnologias da informação, como a infraestrutura de processamento de dados, o gerenciamento de dados e o método de análise de dados. A tendência recente nas organizações que possuem grandes conjuntos de dados no data center está se tornando uma parte essencial da arquitetura da informação, em que a estrutura de processamento de dados escalável e de alto desempenho está sendo executada (Song et al., 2015).

No campo militar, a tecnologia de big data teve um rápido crescimento no século XXI. Recentemente, as mudanças qualitativas do comando operacional e as operações de combate inteligentes estão se tornando possíveis por meio de simulações em larga escala (Thomas et al., 2022).

Na atualidade, dados militares são um recurso estratégico importante para o suporte à defesa nacional. Sendo assim, a capacidade de big data militar se tornou o novo foco do jogo das grandes potências depois do poder terrestre, do poder marítimo e do poder aéreo (Ma, Yao & Li, 2023).

Além disso, o big data militar ainda está em sua infância, com uma lacuna da aplicação completa do big data. O sistema de aquisição, armazenamento, computação e visualização de big data não é específico o suficiente, no que a maioria dos meios e medidas de controle em cada estágio não entrou no nível operacional real (Ma, Yao & Li, 2023).

Nesse contexto, vários estudos mostraram que a experiência e intuição dos tomadores de decisão pode se alterar para o processo baseado em dados. O processo tradicional da tomada de decisão militar (análise lógica, descoberta de causalidade e tomada de decisões) pode incluir big data (mineração de dados, descoberta de relevância e assistência à tomada de decisão), conforme explicam Ma, Yao e Li (2023).

A tecnologia de big data no auxílio da tomada de decisões se reflete, especificamente, em vários aspectos (Ma, Yao & Li, 2023). Na pesquisa desses mesmos autores, destacam-se 4 (quatro) aspectos:

1) fornecimento de suporte preciso para a tomada de decisões de combate, analisando dados de inteligência, como condições inimigas, terreno e clima. Tal tecnologia pode prever as ações do inimigo e formular o melhor plano de combate;

2) auxílio na compreensão da situação de combate em tempo real, analisando dados de várias fontes, com informações precisas e abrangentes para o comando de combate;

3) análise e gerenciamento de dados de logística para a melhoria da eficiência; e

4) fortalecimento do suporte à tomada de decisões e melhoria da eficiência/precisão.

Dessa maneira, a tecnologia de big data pode prever as necessidades de proteção de equipamentos, reduzir os custos de manutenção e melhorar a confiabilidade e a sua vida útil . Assim, tal tecnologia pode desempenhar um papel importante nas operações em tempos de paz e garantias em tempos de guerra (Ma, Yao & Li, 2023).

Dadas as potencialidades da tecnologia de big data no setor de defesa, é oportuno trazer as contribuições focadas na consciência situacional. Ziemke, Schaefer e Endsley (2017) citam o trabalho seminal de Endsley (1988) em que a consciência situacional é definida como a percepção dos elementos ambientais com relação ao tempo ou espaço, a compreensão do seu significado e a projeção do seu comportamento futuro.

Franke e Brynielsson (2014) complementam que, conforme sugerido por Endsley (1995), as palavras “percepção”, “compreensão” e “projeção” podem ser tomadas para denotar níveis de consciência progressivamente crescentes que variam de:

  1. percepção básica de dados importantes;

  2. interpretação e combinação de dados em conhecimento; e

  3. capacidade de prever eventos futuros e suas implicações.

Conforme descrito anteriormente, sintetiza-se a consciência situacional como um estado mental que pode ser alcançado em um grau variável (Franke & Brynielsson, 2014). Dentro do escopo deste artigo, pesquisa-se como a tecnologia de big data pode ser empregada na aquisição da consciência situacional para as operações militares.

Para Low (2018), o big data pode fornecer maior consciência situacional, produzir inteligência acionável em tempo real, filtrar dados irrelevantes que podem prejudicar a tomada de decisão, fornecer insights sobre onde não focar e oferecer análises preditivas e indicadores de conflitos potenciais. Por outro lado, os principais desafios a serem enfrentados pela inteligência militar frente aos conflitos de 4ª geração serão a normatização de uma doutrina para o emprego do big data em prol das operações militares e a capacitação de pessoal especializado (Gonçalves, 2023).

No entanto, os líderes devem lembrar que, embora o big data possa aumentar a consciência situacional, ele não deve ser a única justificativa para a tomada de decisão. Anthony Townsend, em Smart Cities: Big Data, Civic Hackers, and the Quest for a New Utopia, alerta que, embora os dados esclareçam a visibilidade de um problema, é preciso ter cautela sobre dados insuficientes e não se apressar em ações e decisões (Low, 2018).

Os tomadores de decisão precisam verificar informações com outras fontes (por exemplo, imagens de satélite, drones ou observação pessoal) porque o componente de big data é apenas uma peça do quebra-cabeça de coleta de inteligência (Low, 2018). Para ilustrar, o Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos usou a Célula de Inteligência Econômica e Política no Iraque, para aprimorar seu conhecimento sobre relacionamentos políticos, econômicos e tribais - não confiando em apenas um único componente para a inteligência (Rabasa, 2011 apud Low, 2018).

Na guerra modernizada, com maior volume de dados e tecnologia de processamento de dados aprimorada, as operações militares podem ser desenvolvidas com base em dados precisos para descrição e análise. Atualmente, entende-se que os recursos humanos possam estar familiarizados com a programação de hardware e gerenciamento de informações de software, e são proficientes em mineração e agrupamento de dados (Ma, Yao & Li, 2023).

Entretanto, há uma escassez relativa de talentos aplicados que podem fazer análises e julgamentos de big data combinados ao histórico objetivo da tomada de decisão militar (Ma, Yao & Li, 2023). Nessa seara, para Gonçalves (2023), a implementação do big data demanda conhecimentos computacionais específicos, como: Application Programming Interfaces (API), crawler, banco de dados não relacional, processamento distribuído, machine learning, data visualization, além de outros relacionados à ciência de dados.

Dados relacionados à segurança nacional, gerados por várias fontes terão que ser totalmente analisados para a tomada de decisão, operações militares e melhor consciência situacional no futuro, especialmente nos níveis nacional e de serviços conjuntos . Atualmente, dados são gerados pelo movimento de navios, aeronaves e veículos, satélites no espaço, drones, aeronaves de reconhecimento, sensores e radares de vigilância (Haridas, 2015).

A análise de big data não aumenta somente a consciência situacional atual, mas permite entender o passado, fornecendo suporte para o presente (Çintiriz, Buhur & Şensoy, 2015). Por outro lado, desafio considerável reside na capacitação de pessoal especializado (Gonçalves, 2023; Ma, Yao & Li, 2023). Para finalizar, o emprego de ferramentas de big data, sensores instalados em satélites, veículos e outras plataformas eleva a consciência situacional dos líderes militares (Çintiriz, Buhur & Şensoy, 2015; Haridas, 2015; Low, 2018).

REFERÊNCIAS

Çintiriz, H., Buhur, M. N., & Şensoy, E. (2015). Military implications of big data. Military and Security Studies, 55. Recuperado de https://www.researchgate.net/profile/Kerim-Goztepe/publication/331312917_International_Conference_on_Military_and_Security_Studies_2015_ICMSS_Proceedings/links/5c72a031a6fdcc47159767e6/International-Conference-on-Military-and-Security-Studies-2015-ICMSS-Proceedings.pdf#page=76 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Franke, U., & Brynielsson, J. (2014). Cyber situational awareness–a systematic review of the literature. Computers & Security46, 18 - 31. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.cose.2014.06.008 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Gonçalves, T. S. (2023). Inteligência Militar: o emprego do big data na obtenção e manutenção da consciência situacional nas operações militares do século XXI. Especialização em Inteligência Cibernética. Escola de Inteligência Militar do Exército – EsIMEx. Recuperado de https://bdex.eb.mil.br/jspui/handle/123456789/13767 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Haridas, M. (2015). Redefining military intelligence using big data analytics. Scholar Warrior, 72-78. Recuperado de https://citeseerx.ist.psu.edu/document?repid=rep1&type=pdf&doi=bc96e572a19593d948d67565e5d7f07357e5ca06 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Low, T. (2018). Exploitation of Big Data for Special Operations Forces. Joint Special Operations University, Center for Special Operations Studies and Research, JSOU Press. Recuperado de https://www.jsou.edu/Press/PublicationDashboard/40 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Lucarelli, S., Marrone, A., & Moro, F. N. (2021). NATO decision-making in the age of big data and artificial intelligence. Brussels: NATO. Recuperado de https://www.act.nato.int/wp-content/uploads/2024/07/20210301_AC-2020_Final-Report.pdf . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Ma, X., & Yao, J. (2023). A Study of the Need for Data Capabilities in Military Academies. 7th International Seminar on Education, Management and Social Sciences - ISEMSS, pp. 1930-1936. Atlantis Press. Recuperado de https://www.atlantis-press.com/proceedings/isemss-23/125993441 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Thomas, E.; Manusankar, C.; Ambili, M. S. & Prathibba, P. H. (2022). Big Data analysis for better Military Intelligence. IJNRD - International Journal of Novel Research and Development, Vol.7, Issue 8, pp.426-431. Recuperado de :https://ijnrd.org/papers/IJNRD2208047.pdf . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Song, X., Wu, Y., Ma, Y., Cui, Y., & Gong, G. (2015). Military simulation big data: background, state of the art, and challenges. Mathematical Problems in Engineering, (1). Recuperado de https://doi.org/10.1155/2015/298356 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

Ziemke, T., Schaefer, K. E., & Endsley, M. (2017). Situation awareness in human-machine interactive systems. Cognitive Systems Research46, 1 - 2. Recuperado de https://doi.org/10.1016/j.cogsys.2017.06.004 . Acesso em: 15 Mar. 2025.

CATEGORIAS:
Ciência e Tecnologia

Comentarios

Comentarios

artigo excelente 

Excelente artigo, acompanho sempre os seus texto. Feliz de ver o exérciito falando sobre tantos assutos de tecnologia.

Fantástica a colocação , sempre uma explanação melhor que a outra. Parabéns Júlio .

Excelente trabalho. Assunto interessante e enriquecedor. Parabéns!!

Ótimo conteúdo, Júlio! Muito obrigado por compartilhar conosco uma parte de seu vasto conhecimento. Parabéns!

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