Ser humano 5G - novos desafios, diferentes soluções

Autor: Coronel Luciano Hickert

Sexta, 05 Abril 2024
Compartilhar

As mudanças provocadas pela introdução de novas tecnologias acarretaram grandes modificações nas organizações humanas através da história. A revolução digital provoca transformações que atinge desde nações até o relacionamento interpessoal, com maior impacto sobre os jovens.

A crise de saúde que atingiu o mundo no ano 2020 acelerou diversas mudanças, ainda em assimilação pelas sociedades. O isolamento forçado das pessoas mudou radicalmente os processos de comunicação, modificou até mesmo a constituição dos relacionamentos familiares e evidenciou o poder da comunicação de massas. Essas mudanças têm potencial para provocar crises de ansiedade, ou outros problemas de saúde que impactam pais, mães e todos os membros das comunidades (OPAS 2023).

 O campo militar também vem buscando adaptar-se às novas realidades introduzidas pelas mudanças das capacidades tecnológicas e pelos seus reflexos nas pessoas. Os desafios dos militares não ficam adstritos à tecnologia empregada em combate ou na letalidade das armas, e se estendem até o contato pessoal e a liderança. Além de metas da administração cada vez mais exigentes, que visam aumentar a eficácia dos recursos investidos pelos Estados, a estrutura militar tem buscado melhorar a qualificação das pessoas, tornando-se mais apta para fazer frente aos novos desafios. Essa busca natural de evolução e melhoria, com busca de redução de efetivos e gastos, representa um desafio para todos que lideram equipes, formadas em sua maioria por pessoas jovens.

As equipes militares são constituídas de pessoas que integram núcleos familiares, em meio a um novo ambiente, novas formas de interação e uma nova cultura. Além dos desafios econômicos, sempre existentes na história, cada vez mais as mulheres são demandadas e os homens cada vez mais são compelidos a ajudar com tarefas múltiplas, em um cenário de pessoas sobrecarregadas por tarefas e informações. Além disso, todos parecem felizes nas redes sociais, criando necessidades que impõem metas impossíveis para a grande maioria das pessoas.

Diante das diversas novidades, a criação dos filhos tem sido um desafio para todas as famílias. O excesso de informação, a pressa, os novos paradigmas e a ausência de limites têm apresentado nos quartéis jovens com 19 anos com sintomas de insegurança, ansiedade e imaturidade. Extremamente protegidos em um seio familiar em que todos querem ser heróis para suprir a falta de tempo, os jovens demonstram dificuldade de reação aos desafios impostos pela vida militar.

Como proceder diante de pessoas que receberam poucos limites ou cobranças, que estiveram protegidas no quarto de casa, interagindo apenas nos jogos online, e com pouca capacidade de relacionamento pessoal? Como fortalecer as pessoas a ponto de torná-las  produtivas e responsáveis? Essas questões são desafios, não somente para os membros do Exército, mas são ainda mais importantes para quem pretende formar pessoas que manejem armas e trabalhem em situações de crise.

Algumas sugestões podem ser oferecidas pelas boas práticas no Comando de Organização Militar. A seleção inicial é o primeiro passo para identificar problemas mais graves de saúde, como ansiedade severa ou depressão. Nesse processo prévio, que pode envolver visita aos selecionados, integração inicial com as famílias e identificação de rendimento escolar, evitam-se grandes problemas futuros.

A primeira sugestão, já no ambiente militar, é o desenvolvimento de um ambiente de apoio mútuo, no grupo em que o jovem está inserido. Talvez esse seja um ponto forte dos brasileiros, com melhor vocação para participar do que para competir. Esse ambiente deve integrar as famílias, evitando desalinhamento de discursos no trabalho e no lar.

A Ação de Comando constante, para identificar condutas erradas e a correção de atitudes, será importante para evitar deserções ou mesmo comportamentos errados dos grupos. Desenvolver um ambiente saudável, com agenda completa de atividades produtivas e socializadoras são uma parte importante para o fortalecimento do nosso pessoal.

Uma terceira sugestão está na formação de pessoas para diversos objetivos, de modo a evitar desilusão. Preparar para a vida e abrir horizontes, desenvolvendo capacidades e uma educação que descubra capacidades, não focada nas deficiências, pode criar um círculo de crescimento individual e coletivo, motivando todos.

Como última sugestão, manter comandantes sensíveis ao que ocorre com os indivíduos pode ser a cereja do bolo. Apenas um clima de confiança mútua pode abrir o espaço de comunicação para nossos jovens, no sentido de que sejam evitadas as doenças da modernidade. Nossos comandantes de fração, sobretudo os mais jovens, precisam dedicar tempo para escutar os camaradas e transmitir experiências, deixando de lado também os computadores.

Ações como as da Diretoria de Assistência ao Pessoal (DAP), que desenvolveu a capacitação “Pergunte, Escute e Leve (PEL)”, buscam uma nova abordagem para o enfrentamento de transtornos, com ênfase nas ações proativas visando à prevenção ao suicídio. Adicionalmente, o caderno de orientação “Meu Canga” estabelece uma estratégia para o fortalecimento dos laços de camaradagem.

 

             

            Considerações finais

            Diante do exposto, as Forças Armadas possuem a missão de defender a Pátria e, para tanto, precisa de recursos humanos à altura dessa nobre missão. Para atingir esse objetivo, não pode descuidar da formação do cidadão que a integra, capacitando jovens para a vida adulta, visando torná-los capazes a enfrentar situações de crise.

Assim, pode-se destacar que a formação dos indivíduos é também uma missão do Exército Brasileiro, uma instituição baseada em pessoas que pode fortalecer indivíduos e deve contar também com o trabalho conjunto com as famílias.

            Entender o jovem que entra no serviço militar inicial e traz consigo uma bagagem escolar e familiar é o primeiro passo para promover o amadurecimento e crescimento pessoal destes. Nesse sentido, o desenvolvimento dos nossos jovens promove um ciclo de crescimento e evolução, que é benéfico para todos.

            Apesar dos inúmeros desafios, que podem ser evidenciados no trato com os nascidos nos anos 2003, em diante, diversas qualidades podem ser aproveitadas em benefício dos instrutores e líderes, de modo a reduzir as fraquezas dos grupos etários. Se lhes falta experiência ou tenacidade, lhes sobra sensibilidade e flexibilidade para que, com calma, formemos o Soldado do futuro, com os mesmos valores.

            A ação de comando, a empatia e a parceria família-quartel são essenciais para que façamos um Exército de fortes, de pessoas maduras, unidas e capazes de superar os desafios do combate no futuro. Também no campo das pessoas é preciso estabelecer novas estratégias para conquistar os objetivos perenes, ensinados por Caxias e outros heróis de nossa história.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Caderno de Orientação DAP – 05.006 – Prevenção ao Suicídio e à Automutilação (disponível em https://www.dap.eb.mil.br/index.php/pt/ultimas-noticias/60-institucional/336-prevencao-ao-suicidio-2); 
  2. Caderno de Orientação DAP – 05.002 – Capacitação Pergunte, Escute e Leve (PEL) (disponível em https://www.dap.eb.mil.br/index.php/pt/ultimas-noticias/60-institucional/363-capacitacao-pel); e
  3. Caderno de Orientação DAP– Meu Canga (disponível em https://www.dap.eb.mil.br/index.php/pt/ultimas-noticias/60-institucional/364-meu-canga-prevencao-ao-suicidio).

      - GUAMEIRO, Nathalia. Depressão, ansiedade e estresse aumentam durante a pandemia. https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/depressao-ansiedade-e-estresse-aumentam-durante-a-pandemia/ 2020.

    - OPAS; 2023. Organização Pan-Americana da Saúde. Nova Agenda de Saúde Mental para as Américas: Relatório da Comissão de Alto Nível sobre Saúde Mental. Washington, D.C.:  Disponível em: https://doi.org/10.37774/9789275727225

Comentarios

Comentarios

Navegação de Categorias

Artigos Relacionados