Um esperado acordo de paz foi assinado, em 6 de fevereiro, na cidade de Bangui, capital da República Centro-Africana (RCA), entre o governo e os líderes de 14 grupos armados envolvidos na turbulenta história do país.
As negociações que levaram à assinatura desse acordo começaram em janeiro, em Cartum, capital do Sudão, e contaram com a mediação da Organização das Nações Unidas (ONU), da União Africana (UA) e da Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC). Entretanto, após a assinatura do documento, interlocutores afirmam que os entendimentos prévios para essas negociações estenderam-se por três anos.
O teor completo do acordo ainda não foi apresentado. Isso alimenta desesperança em sua efetividade, pois é grande o histórico de acordos de paz não cumpridos no país – desde 2013, já foram oito.
No entanto, esse caso tem gerado expectativas positivas quanto à sua implementação, devido ao envolvimento de organismos internacionais e conforme alguns termos revelados pela imprensa mundial. A União Africana e o Secretariado Geral da ONU chegaram a emitir declarações favoráveis ao acordo e sinalizaram o acompanhamento de sua execução, cujo ponto de partida é a interrupção imediata de toda violência contra civis.
Outro ponto relevante é a ausência da palavra “anistia” no documento. Tal fato é comemorado por instituições de defesa dos direitos humanos, pois, em tese, evitará a impunidade por atos de violência cometidos no país, alguns considerados crimes contra a humanidade.
A concessão de anistia sempre se revelou como ponto de maior complexidade nos acordos de paz firmados, pois comprometeria a punição de criminosos, o que incentivaria violências e arbitrariedades em vasto território onde se constata pouquíssima presença do Estado.
A questão parece equacionada com o estabelecimento da Comissão da Verdade e Justiça que, atuando com o já existente Tribunal Penal Especial, buscará a reconciliação nacional.
Há outros pontos significativos: intenção de montar governo de união nacional, com representação de integrantes dos grupos armados; criação de fundo de indenização para vítimas e estabelecimento de forças-tarefas para patrulhar o interior, compostas por integrantes das embrionárias Forças Armadas Centro-Africanas (FACA). Essa tropa encontra-se em formação, após sua dissolução no conflito de 2013. Está sendo treinada por uma missão militar da União Europeia e pela Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para Estabilização da República Centro-Africana (MINUSCA).
Com a experiência de um ano como Chefe da Seção de Operações do Setor Leste da MINUSCA, percebo que os principais fatores que fomentam a luta armada naquele país foram abrangidos pelos pontos do acordo de paz até agora revelados. Há razões para o otimismo quanto ao fim do atual ciclo de violências no país, a médio e longo prazo.
O atual conflito na República Centro-Africana, por vezes interpretado equivocadamente como uma luta religiosa ou étnica, na realidade foi desencadeado fundamentalmente por três fatores: sensação de abandono e de não representatividade nos postos dirigentes do país por expressivos segmentos da população centro-africana; ausência de qualquer aparato estatal na maior parte do território do país, criando vazios de poder ocupados pelos grupos armados e extrema pobreza da maioria da população.
As soluções para esses pontos, a partir do sucesso do acordo de paz, aliadas aos êxitos parciais da MINUSCA e das organizações humanitárias atuantes no país, podem efetivamente iniciar um novo curso na história da RCA. Oportunidades serão criadas para o desenvolvimento doméstico e para uma maior inserção do jovem Estado centro-africano no concerto das nações.
O Brasil participa do esforço internacional para pacificar o atual conflito. Militares foram enviados para integrar a MINUSCA e fazem parte da Missão de Treinamento Militar da União Europeia. Essa participação é facilitada pelas diversas similaridades fisiográficas e climáticas entre os dois países. Além disso, existem afinidades culturais e grande simpatia do povo centro-africano com os brasileiros.
Por fim, considero que a atuação brasileira na RCA é significativa, pois traduz ações concretas para salvar milhares de vidas humanas, nas piores condições de vulnerabilidade do mundo, representando um aumento da inserção internacional do Brasil.
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