Redes sociais no Exército: normatizando para permitir

Autor: Cel R1 Carlos Frederico Gomes Cinelli

Quarta, 07 Agosto 2019
Compartilhar

Na batalha entre percepção e realidade, a percepção sempre vence”. (Steven Fink)

O Comando do Exército publicou recentemente uma Portaria destinada a orientar a criação e o gerenciamento das mídias sociais no âmbito da Força. A iniciativa ganhou relevância, sobretudo porque virou notícia, repercutindo em diversos veículos de comunicação de forma positiva.

Uma das razões para a criação da medida foi o entendimento de que o uso indiscriminado das redes sociais por militares da ativa gera a falsa sensação de mistura entre a opinião pessoal do usuário e aquela consolidada pela Instituição, o que, em alguns casos, fere os basilares princípios da hierarquia e da disciplina.

A situação não poderia ficar sem resposta, sob o risco de a própria representatividade da Instituição perder consistência e ser diluída em meio a falsos entendimentos sobre os limites entre o foro pessoal e o corporativo. Em última análise, a normatização visa proteger e fortalecer a imagem do Exército Brasileiro como um ente monolítico, visto que qualquer instituição é percebida pelo somatório das condutas individuais de seus membros.

Os exemplos mais visíveis de utilização inapropriada das redes são aqueles nos quais o militar da ativa, identificando-se em seu perfil por meio de sua patente, exterioriza apoio ou tece críticas a autoridades, ou mesmo engaja-se publicamente em discussões com superiores hierárquicos. Porém, outras disfunções identificadas também serão detidas pela norma, tais como: perfis de organizações militares sem padronização da nomenclatura ou sem autorização oficial; perfis de pessoas físicas (comandantes, chefes, diretores) sendo utilizados como se fossem institucionais; mídias sociais que, vocacionadas a determinada finalidade, são utilizadas fora de seus propósitos.

Ao contrário do que possa parecer, a Portaria, de forma clara, transparente e orientadora, objetiva que os militares possam fazer o uso livre e consciente de suas redes sem ferir os preceitos da Força. Podemos aqui lembrar que a maioria das empresas mundo afora não emite sequer uma cartilha sobre o tema, o que acaba por deixar seus empregados bem mais expostos a críticas e julgamentos – cujo ponto de partida, por vezes, é o escrutínio de seus perfis pessoais pelo próprio empregador.

A bem da verdade, as empresas não mantêm em seus quadros pessoas que se utilizem de seus cargos institucionais para emitir pareceres públicos que aparentem emanar de seus patrões. Muito menos veremos, por exemplo, um funcionário de certa marca usar suas redes para fazer propaganda de uma concorrente. Há que se manter um mínimo de coerência e de observância aos princípios e valores organizacionais. Não é nada, além disso, o que se exige no mundo corporativo. Por que, afinal, seria diferente no Exército Brasileiro, Instituição reiteradamente apontada como uma das mais confiáveis do País?

Além de dar conta de um campo prático e objetivo, outro propósito da normatização situa-se na esfera da percepção subjetiva, que por sua vez correlaciona-se aos padrões de organização do pensamento e de comunicação de cada uma das diferentes gerações de indivíduos (X, Y, Z, Alfa). Nesse sentido, não é anormal que distintas visões de mundo produzam interpretações diferentes de conceitos que, em suas origens, foram moldados sob uma perspectiva de imutabilidade – como é o caso dos pilares da hierarquia e da disciplina.

Segundo sociólogos, a Geração X (os nascidos entre os anos 1960-80) encara a hierarquia como total obediência. Já os pertencentes à Geração Y (entre 1980-1995, aproximadamente) veem a hierarquia como algo a ser respeitado, embora não necessariamente merecido. Já para os nativos da Geração Z (1995 até 2010), hierarquia pressupõe legitimação. É justamente a Geração Z que compõe o estrato mais numeroso da estrutura de pessoal do Exército, graças ao massivo ingresso por intermédio do serviço militar obrigatório e à recente expansão da admissão de jovens por meio de contratos temporários. Além de serem nativos digitais, outras características dos “Z” são o pensamento não linear, a distração constante e a mentalidade de curto prazo, ou seja, traços catalisadores de conflitos internos (dissonâncias cognitivas) entre opiniões pessoais e posicionamentos da corporação. Ora, o militar da ativa sabe que manifestar-se publicamente sobre assuntos de natureza político-partidária é transgressão à disciplina. Talvez o dado novo, para além da discussão sobre o propósito de uma rede social, seja o que se entende por “publicamente”. Mas essa é uma outra questão.

Atento às rápidas transformações do nosso tempo, e motivado pela genuína preocupação em operar adequadamente, como ente uno e indivisível, num ambiente informacional inerentemente fragmentado, o Exército Brasileiro mostra que compreende o ciberespaço e sua função socializadora: ao mesmo tempo em que fortalece a noção de “instituição de Estado” — a propósito, uma das principais diretrizes do atual Comandante do Exército —, mostra o caminho para promover a coletivização e o fortalecimento dos laços entre a corporação e as identidades individuais que a compõem. De um lado, impede o mau uso da sua própria imagem. De outro, escolhe deliberadamente qual será o fluxo de produção e de construção de sua memória como entidade coletiva.

Hierarquia e disciplina são constructos conceituais (e não factuais) alicerçados no acatamento espontâneo, na aceitação não conflituosa e no pressuposto do seu exercício por meio de uma cadeia de comando claramente definida. Se a importância do respeito à hierarquia e à disciplina por parte de um exército nacional pode soar como figura de retórica, nunca é demais recordar que sua finalidade é bastante concreta, e sobre ela repousa uma das características legitimadoras dos Estados modernos: o monopólio do uso da força e do emprego organizado dos meios violentos. Daí resulta que nem a volatilidade dos ambientes digitais, nem a tendência de um “pensamento em rede” podem subverter conceitos que, embora cunhados ainda na era pré-industrial, permanecem válidos.

A Portaria, portanto, vem em excelente hora para atenuar a anomia que parecia querer expandir-se perigosamente em um ambiente de polarização política. Não limita qualquer direito que já não fosse vedado pelos meios analógicos, sendo a Constituição Federal e o Estatuto dos Militares os melhores exemplos. Faz, isso sim, o que uma corporação atenta à conjuntura que a cerca faz: de modo prudente, antecipa-se. Também dialoga com os mais jovens, tacitamente sinalizando-lhes que certos valores e princípios devem permanecer imutáveis, sob pena de que, ao perecerem, perece com eles a própria Instituição. Em suma, ao defender a realidade contra as percepções difusas, assegura-lhe mais combatividade nessa continuada batalha.

Comentarios

Comentarios
Gostaria que o nosso Presidente da República, viesse criar uma escola militar em Santarém município do Estado do Pará. Para dar uma melhor formação de disciplina e moral, pois a região norte ficou muito desprezada ao longo de anos.
As mídias sociais como instrumento Cidadão no Comando, unem cidadania e patriotismo sincronizado numa mudança positiva no mundo, e com este enfoque as forças armadas permitem isso com propriedade e excelência dentro mundo, povo brasileiro.
Excelente noticia! As redes sociais fazem parte intensa do dia a dia de todas as pessoas e grupos sociais, não podendo deixar de ter a participação de uma instituição de tão alta relevância como o Exercito Brasileiro e suas noticias/atividades. Já divulgando em nossa página SAEB - Sociedade Amigos do Exercito Brasileiro.. Aparecido Cruz Superintendente SAEB Sociedade Brasileira de Proteção Humana - SOBRAPH
Eu me chamo Samuel MATIAS. Servi em 86 e acho que alguns reservistas, com essa nova previdência, deveriam ser aproveitados para retornar para a ativa, sem a política de idades, já que há muitos formados e outros com nível técnico, podendo servir ainda mas ao nosso pais.
Ao cumprir nossa missão constitucional Fortaleza Espiritual.
Eu conheci o pai do Cel Cinelli que foi comandante do 1o Batalhao de Engenharia Escola. Tenho amigo que foi contemporâneo de Aman dele. Este meu amigo ainda é vivo. Ficamos na dúvida de que turma foi a do seu pai. Eu, de memória falei em 1948. O Cel Frederico Cinelli poderia me falar algo? Ficarei grato pela informação. PS:Conheci o Cel Cinelli quando servia como Ten R2 no DCMun de Paracambi.
Caro amigo, sou da turma de 1991 da AMAN, atualmente Coronel, Chefe do Estado-Maior da Operação Acolhida, em Roraima. O Coronel Cinelli ao qual o senhor se refere é o Coronel Engenheiro Militar Léo Frederico Cinelli, que já está há bastante tempo na reserva e reside em Brasília. Somos amigos e carinhosamente nos tratamos como primos, até por causa da coincidência dos nomes, porém não pudemos identificar vínculo familiar direto. Meu pai é servidor público civil, também aposentado (Antônio Cinelli), e reside no Rio de Janeiro. Tenho grande carinho pelo Coronel Cinelli, que foi meu paraninfo em cursos militares e com quem ainda mantenho contato até hoje. Saudações!
Sou oficial temporário - TEN REIS (já na reserva não remunerada) e tive a honra e privilégio de servir com o Coronel Cinelli quando ele ainda era Aspirante e Tenente no 24º BIB, no Rio de janeiro. Sempre que falo do tempo em que estive na ativa se,pre cito, com muito orgulho o Coronel Cinelli. Aprendi muito com ele. Obrigado, Coronel. É uma alegria imensa poder escrever essas palavras e poder expressar publicamente o quão competente, quão diferenciado sempre foi. Parabéns ao Exercito Brasileiro por ter em suas fileiras oficial tão distinto e de cultura e capacidade muito, mas muito acima da média.
Caro amigo Reis, agradeço, sensibilizado, a generosidade das suas palavras. Tenha certeza de que o aprendizado foi recíproco, naqueles intensos anos do saudoso 24º BIB. Grande abraço.
Caro amigo Reis, obrigado pela convivência fraterna nos nossos saudosos tempos de tenentes no 24º BIB. O aprendizado foi, sem dúvida, recíproco. Satisfação em interagir com o amigo. Forte abraço!!
Estou com o Exército Brasileiro e não abro.
Tive a oportunidade de ser seu subordinado durante a Intervenção no RJ. Foi um período de muita aprendizagem e responsabilidade. Sou grato por ter colaborado com a Nação sob a batuta desse grande Chefe e Mestre.
Boa noite! 2 grandes aspirantes a Tenentes Reis e Cinelli, aos quais tive a oportunidade de ser subordinado, na 2° CIA ENCOURAÇADA do 24°BIB. Acompanho a vencedora e inspiradora carreira desse que hoje e um dos Coroneis mais respeitados e admirados do nosso Exercito. Forte a braço. SD 686 RAFAEL turma 1992

Navegação de Categorias

Artigos Relacionados