Quaderna: símbolo da capacitação das praças do Exército

Autor: 1º Sgt Julio Cezar Rodrigues Eloi

Quarta, 03 Julho 2024
Compartilhar

Anualmente, inúmeros jovens ingressam às fileiras da Força Terrestre, sejam pelo Serviço Militar Obrigatório ou pelos diversos concursos de admissão às escolas de formação. Seja qual o círculo a que venha pertencer, o(a) militar recém-incorporado(a) se deparará em algum momento com distintivos semelhantes a um trevo de quatro folhas, que na terminologia castrense é designado como “quaderna”.

Nesse sentido, este artigo se propõe a trazer aos leitores uma síntese do que é e como se apresenta a quaderna na instituição castrense. Para atingir tal objetivo, adotou-se uma pesquisa bibliográfica em bases de dados científicas e na Biblioteca Digital do Exército, a BDEx.

A quaderna é envergada nos uniformes das praças, de carreira ou temporárias, da Força Terrestre brasileira. Tal segmento utiliza tal distintivo em razão da conclusão exitosa das capacitações constantes no Quadro 1, a seguir:

Quadro 1 – capacitações das praças que possuem a quaderna em seus distintivos

Capacitação

Distintivo

Curso de Formação de Cabos (CFC)

Curso de Formação de Sargentos Temporários (CFST)


 

Antigo Curso de Formação de Sargentos (CFS), atual Curso de Formação e Graduação de Sargentos (CFGS)

Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS)

Curso de Capacitação Administrativa para Subtenentes (CCAS)

Curso de Adjunto de Comando

(C Adj Cmdo)

Fonte: Regulamento de Uniformes do Exército (RUE), versão online.

 

Dada a sua importância heráldica, a quaderna, composta por quatro crescentes, é encontrada nos distintivos de algumas Organizações Militares (OM) do Exército Brasileiro (EB). Essa breve relação pode ser visualizada no Quadro 2:

Quadro 2 – OM que possuem a quaderna em seus distintivos

Organização Militar

Distintivo

Escola de Sargentos das Armas (ESA), em Três Corações/ MG

Batalhão de Comando e Serviço da Escola de Sargentos das Armas (BCSv/ ESA), em Três Corações/ MG


 

Escola de Sargentos de Logística (EsSLog), no Rio de Janeiro/ RJ


 

Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA), em Cruz Alta/ RS

Fonte: portais das OM na internet.

 

Por outro lado, cabe destacar que, além de constar no distintivo das OM citadas anteriormente, a quaderna também se encontra no estandarte histórico do 3º Batalhão de Engenharia de Construção (3º BEC). Em outros casos, o símbolo se encontra no brasão da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Sargentos da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul (EsFAS) e nos distintivos dos Cursos de Aperfeiçoamento de Sargentos das Polícias Militares dos Estados de São Paulo (CAS/ PMESP) e Pernambuco (CAS/ PMEPE). No outro lado do Atlântico, cita-se o Distrito de Recrutamento e Mobilização de Beja, do Exército Português (Alexandre, 2009). 

O símbolo da quaderna é originário de Portugal, adotado pela casa de Sousa, que assumiu a forma preferencial cristalizada nas armas dessa nobre linhagem: a figura de quatro crescentes voltados uns para os outros e unidos pelas pontas, que evoca uma cruz (de Seixas & Portugal, 2012). Assim, se ressignificou o sinal adversário, no que os crescentes muçulmanos, apropriados pela poderosa linhagem portucalense, vergavam eles próprios ao sinal característico da cristandade.

A casa dos Sousas ou Sousões, pelo enorme prestígio, ocupou destacado espaço na nobreza portucalense (de Seixas e Galvão-Telles (2002). Houve dois ramos dessa família, os Prados (Chichorros) e o que nos interessa mais especificamente, os Arronches. Abaixo visualizamos as Figuras 1 e 2, que revelam os respectivos brasões d’armas:

Figuras 1 e 2 – Brasão de Armas dos Sousas de Chichorros e Arronches

Fonte: de Seixas e Galvão-Telles (2002).

 

Quaderna, denominada também como caderna, é uma figura heráldica que une quatro peças idênticas, simetricamente em torno de um eixo que, quando vistas de cima, são representadas por quatro colunas estilizadas (Freitas, 2023). No caso brasileiro, o entrelaçamento das quatro luas crescentes expressam que o sargento é o elo entre o comando e a tropa (de Oliveira Lunardi & de Carvalho, 2020).

O símbolo da quaderna foi adotado pelo EB em 30 de março de 1946, um ano após a criação da ESA no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro (RJ), para associar o sargento à perfeita ligação entre o comando e a tropa, bem como referenciar os pilares da instituição: a hierarquia e a disciplina (Freitas, 2023). Com base no referencial da heráldica lusitana, é possível relacionar o espírito de luta da Reconquista cristã, que alinhado às características da função do sargento, se amoldam às diversas capacitações em vigor na Força Terrestre.

O Brasil foi influenciado, significativamente, pelo legado do império colonial português, o qual herdou a arte e cultura dos mouros, visigodos, suevos, celtas e romanos. É natural que símbolos sejam transmitidos por esses intercâmbios ao longo dos séculos. Isso se traduz na heráldica, em que temos o desenvolvimento dos distintivos dos cursos de formação, especialização, extensão e aperfeiçoamento para praças do EB. Recentemente, com a criação do 1º uniforme escolar das escolas de formação de sargentos de carreira, foi reafirmada a quaderna “representando a formação profissional dos praças” (Brasil, 2017).

Sendo assim, com base na bibliografia selecionada, em que pesquisadores brasileiros e portugueses discutem o significado da quaderna, comprova-se o valor militar de tal símbolo, registrado nas páginas da história militar ibérica no episódio da Reconquista. Pelo rol das funções que podem ser atribuídas às praças, seja na seara administrativa, técnica, de ensino ou operacional, os quatro crescentes se traduzem na vocação para servir, no respeito aos pilares da instituição, aliados à contínua capacitação.

 

Referências

Alexandre, P. J. M. (2009). A heráldica do Exército na República Portuguesa no século XX (Tese de Doutorado em Letras). Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Disponível em https://hdl.handle.net/10316/12166

Brasil .(2017). Portaria do Comandante do Exército nº 1.660, de 28 de novembro de 2017. Inclui dispositivos no Regulamento de Uniformes do Exército - RUE (EB10-R-12.004).

Freitas, I. C. (2023). A quaderna: das origens à representação da formação do sargento do Exército Brasileiro. A Quaderna, (1), 1. Disponível em https://www.ebrevistas.eb.mil.br/quaderna/article/view/12356/9848

de Seixas, M. M., & Galvão-Telles, J. B. (2002). Sousas Chichorros e Sousas de Arronches: um enigma heráldico. In Estudos de heráldica medieval (pp. 411-445). Instituto de Estudos Medievais. Universidade Nova de Lisboa. Disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/12536/1/Sousas%20Chichorros%20Sousas%20Arronches.pdf

de Seixas, M. M., & Portugal, J. (2012). À sombra dos príncipes. A heráldica dos Sousas no mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha. A Capela dos Sousas no Mosteiro da Batalha. Batalha: Município da Batalha, 27-63. Disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/12539/1/A_sombra_dos_Principes_vf.pdf

de Oliveira Lunardi, K., & de Carvalho, W. M. (2020). O Adjunto: memórias revisitadas no limiar do primeiro decênio da revista pedagógica da Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas (EASA). O Adjunto: Revista Pedagógica da Escola de Aperfeiçoamento de Sargentos das Armas. Disponível em https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/51141

CATEGORIAS:
Carreira Militar

Comentarios

Comentarios

artigo sensacional parabéns 👏👏👏

Excelente explicação sobre esse símbolo, desconhecido da maioria dos militares. Certa vez, durante uma solenidade para encerramento de um CFC, perante a tropa eu disse que os soldados concludentes passariam a ostentar em seus uniformes a quaderna, e que a partir daí deveriam ser mais respeitados e também mais cobrados em sua conduta. Terminado o evento, pelo menos cinco militares de carreira vieram me perguntar o que era a quaderna. Apesar de conhecer o símbolo e seu nome, não tinha o conhecimento para lhes explicar detalhadamente. Parabéns ao autor por compartilhar esse conhecimento.

Parabéns pelo artigo.

Muitas informações relevantes, que até o momento desconhecia.

Um esclarecimento muito importante. Parabéns nobre Sgt.

Quaderna, excelente resgate histórico que ilustra o valor da cadeia hierárquica e as ligações entre o pessoal no Exército.

Meu primeiro instrutor foi um Sargento na EsPCEx, saudoso 2º Sgt Erimont. Durante meu período na ativa, enquanto jovem, a figura do Sgt transitou de pai para irmão, depois para filho, neste caso, quando comandei e recebia os esgressos da ESA.

Hoje, na Reserva, cultuo as velhas amizades com os QAO, amigos que herdei com grande alegria, como se fossem da minha família e sempre penso que eles são tão irmãos quanto meu irmão de sangue que é General.

Ao menos pra mim, a Quaderna significa fraternidade.

Parabéns pelo artigo!

Navegação de Categorias

Artigos Relacionados