O Programa Militar de Qualificação Profissional (PMQP) foi idealizado e implementado, com êxito, no ano de 2019, no 3º Grupo de Artilharia Antiaérea (3° GAAAe) e, posteriormente, em 2021, no Comando da 6ª Divisão de Exército (6ª DE) e no Comando Militar do Sul (CMS). Atualmente, encontra-se com respaldo legal para atingir efetivamente uma abrangência nacional.
O Programa foi concebido com a finalidade de certificar as atividades e experiências profissionais adquiridas durante a prestação do Serviço Militar através do reconhecimento das Qualificações Militares (QM) desenvolvidas nas Organizações Militares (OM) do Exército Brasileiro, em áreas específicas e que possuem similaridade com as ocupações desenvolvidas no meio civil.
No mercado de trabalho brasileiro, as diversas atividades profissionais estão catalogadas em documento denominado Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), instituída pela Portaria nº 397, de 10 de outubro de 2002, do Ministério do Trabalho e Emprego. Todos os anos a CBO é atualizada devido ao dinamismo e constante diversificação das atividades laborais. A CBO tem por finalidade: “a identificação das ocupações no mercado de trabalho para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares”.[1] Nesse sentido, cada ocupação tem um código específico, como: Auxiliar de Mecânico Auto, código CBO 9144-05.
Nesta senda, a Qualificação Militar (QM) visa capacitar o militar a executar, individualmente, as atividades diretamente relacionadas às suas funções dentro do Exército Brasileiro. A habilitação é a competência adicional necessária ao militar para o desempenho do cargo, conferida por meio de curso, estágio ou treinamento. Nesse sentido, os Programas Padrão de Qualificação Militar (PPQ) do Exército Brasileiro estão estruturados em carga horária e objetivos compatíveis com alguns cursos civis semelhantes de capacitação profissional.
Contudo, devido ao pouco conhecimento por parcela significativa da sociedade a respeito das atividades intramuros das OM, muitos ex-militares não conseguem se inserir no mercado de trabalho por falta de documentos comprobatórios da capacitação e experiência adquiridas ao longo do período em que estavam prestando o Serviço Militar.
As Qualificações Militares desenvolvidas nos diversos Programas Padrões de Instrução (PPI) são aprovadas por portarias internas da Força Terrestre, por meio do Comando de Operações Terrestre (COTER) e possuem um código específico. Nos códigos militares, existe na formação militar a Qualificação do Auxiliar de Mecânico Auto, com o código QMG/QMP 0951, ou seja, o Exército Brasileiro forma militares com especialidades que podem ser enquadradas na CBO.
Ao ser constatada essa equivalência, foi realizado um intenso trabalho, a partir de 2019, junto a Advocacia-Geral da União (AGU) e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul, de modo a viabilizar o reconhecimento jurídico da formação profissional básica ofertada aos jovens durante a prestação do Serviço Militar. Inicialmente, houve a validação por meio da aprendizagem profissional, reconhecendo o Exército Brasileiro como entidade formadora, em iniciativa desenvolvida no âmbito do 3° GAAAe, na cidade de Caxias do Sul, através do Programa Soldado Aprendiz[2].
Uma iniciativa pioneira que certificou a formação profissional dos jovens incorporados no 3° GAAAe, conferindo a equivalência da CBO com as Qualificações Militares similares ao meio civil. Na ocasião, foram reconhecidas cinco capacitações como programas de aprendizagem, quais sejam: auxiliar mecânico auto, auxiliar mecânico elétrico, cozinheiro, garçom e motorista. Essas qualificações passaram a ser reconhecidas como curso de formação técnico profissional metódico, objetivando ampliar as oportunidades de ingresso dos jovens no mercado de trabalho após o licenciamento do Exército.
O reconhecimento jurídico veio por intermédio do Parecer nº 022/2020/CJU-RS/CGU/AGU (Processo nº 10264.107884/2020-37) da Advocacia-Geral da União, de 23 de novembro de 2020, que aprovou o Acordo de Cooperação Técnica entre o Comando Militar do Sul e a Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul. Respaldado no referido parecer, o Exército Brasileiro poderia certificar a formação profissional dos militares, que estariam enquadrados no presente objeto, no mesmo nível das demais entidades formadoras de aprendizes.
Na sequência, outra iniciativa desenvolvida de maior amplitude ocorreu no âmbito da 6ª DE, no qual foram certificados, no ano de 2020, mais de 200 militares, em cerimônia realizada no 18º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Cidade de Sapucaia do Sul-RS, com a participação do Comandante da 6ª DE, do Presidente do TRT-4 e do Superintendente Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul.[3]
O sucesso do PMQP extrapolou as fronteiras do Comando Militar do Sul, tanto que, em 11 de fevereiro de 2022, foi assinado entre o Comando do Exército e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), um Acordo de Cooperação Técnica, tornando o Programa de âmbito nacional, cuja “parceria tem como objetivo reconhecer e validar qualificações profissionais oferecidas pelo Exército Brasileiro aos cabos e soldados, aprovando e certificando os cursos que qualificam e proporcionam experiência profissional para inserção no mercado de trabalho”[4].
E agregando formalmente parceiros ao PMQF, em 28 de março de 2023, foi firmado o Acordo de Cooperação Técnica entre o Comando Militar do Sul e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), com a inclusão do módulo de Segurança e Saúde no Trabalho ao referido programa, de modo a ampliar o escopo e contribuir para uma cultura de prevenção de acidentes. Nesse módulo de 40 horas, ofertado por parte da Escola Judiciária daquele Tribunal, os militares têm ensinamentos sobre o uso correto dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e coletivos (EPCs), assim como das noções preventivas à ocorrência de acidentes de trabalho[5].
No atual mercado de trabalho, um grande diferencial inerente ao Programa Militar de Qualificação Profissional é a convergência na mesma formação do soft skills (habilidades ligadas ao comportamento) e o hard skills (habilidades técnicas relacionadas à educação formal e experiências práticas). As habilidades comportamentais são desenvolvidas no dia a dia da atividade militar e durante o ano de instrução, por meio de desenvolvimento de atributos, a exemplo do trabalho em equipe, liderança, resolução de problemas, criatividade, flexibilidade, hierarquia e disciplina. Já as habilidades técnicas são proporcionadas pelas qualificações específicas ofertadas ao longo da prestação do serviço militar previstas nos Programas Padrões de Instrução aliada à prática profissional adquirida durante o período de adestramento. Essa conjugação de habilidades técnicas e comportamentais é fator importante para colocação no mercado de trabalho.
Assim, o PMQF tem a vantagem de certificar a formação profissional básica propiciada ao jovem concomitantemente à prestação do serviço militar, convergindo o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais, por meio de documento que faz prova da experiência e capacitação adquiridas, relevantes ao retorno do militar à vida civil. Ainda, traz a vantagem de ser um programa sem ônus para a Força, ou seja, sem nenhum recurso orçamentário extra, pois os militares desenvolvem suas atividades dentro do quartel, no horário de expediente, cumprindo a carga horária do PP e realizando a prática na própria OM.
Ainda, o PMQP vem consolidar o que o Exército sempre fez com excelência: “a instrução individual Básica e de Qualificação durante o ano de instrução”. Os instrutores que ministram as aulas já possuem conhecimento técnico especializado e larga experiência na área de atuação. Ademais, reconhece e valoriza os instrutores e monitores do corpo de tropa, pela qualidade e competência das instruções ministradas e a prática que é realizada na própria unidade. Também tem o potencial de otimizar a instrução militar e de ampliar o número de qualificações militares certificadas.
Ressalta-se que o Exército Brasileiro, por ser uma Instituição com capilaridade em todo o território nacional, especialmente por meio do PMQP pode contribuir significativamente com a empregabilidade juvenil, além de ser a forma de garantir capacitação aos jovens nos locais em que há menos acesso à qualificação profissional.[6]
Há de se destacar que o PMQF vem a aprimorar as relações institucionais entre Órgãos de Estado, a exemplo da ocorrida com a Justiça do Trabalho Gaúcha e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul. E, mais recentemente a parceria firmada entre o Comando do Exército com o Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Ao lado do Projeto Soldado Cidadão, o PMQP é mais uma iniciativa do Exército Brasileiro de enveredar todos os esforços para contribuir com a trajetória profissional dos militares, ao mesmo tempo em que demonstra o comprometimento da instituição com a responsabilidade social, especialmente no aspecto da capacitação dos reservistas.
Por fim, vislumbra-se que o PMQF pode se revestir em uma possível ponte entre o serviço militar e o mercado de trabalho, permitindo a passagem do licenciamento para a atividade laboral, interligando ao mesmo nível pontos, aparentemente, separados (o serviço militar e o mercado de trabalho), mas que na realidade são próximos.
Referências Bibliográficas:
[1] Extraído do site do Ministério do Trabalho e Emprego: https://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf, acessado em 3 de novembro de 2023.
[2] Extraído do site Jornal Zero Hora: Militares se formam no Programa Soldado Aprendiz em Caxias | Pioneiro (clicrbs.com.br), acessado em 12 de novembro de 2023.
[3] Extraído do site: Justiça do Trabalho e Exército firmam convênio para oferecer a militares curso de segurança e saúde no trabalho (trt4.jus.br), acessado em 13 de novembro de 2023.
[4] Extraído do site https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2022/fevereiro/ministerio-do-trabalho-e-previdencia-e-comando-do-exercito-assinam-acordo-de-cooperacao-tecnica, acessado em 03 de novembro de 2023.
[5] Extraído do site: TRT-4 e Exército firmam acordo para capacitação de jovens que ingressarão no mercado de trabalho após o serviço militar (trt4.jus.br), acessado em 13 de novembro de 2023.
[6] OLIVEIRA, Sandra Sabo de. Do Serviço Militar à Inserção no Mercado de Trabalho: uma Quebra de Paradigma. In: Revista Brasileira de Direitos Humanos, v.35(out/dez.2020). Porto Alegre: LexMagister, 2020.
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