O verso do Capitão José dos Santos Rodrigues talvez nunca esteve tão intenso no sentimento e nas atitudes dos militares de Saúde do Exército como nos últimos meses. Nesse período em que as rotinas dos lares e instituições de trabalho, lazer e oração se viram alteradas no Brasil e no mundo, em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus, vivenciamos escolas suspenderem aulas presenciais, os comércios formal e informal minimamente reduzidos, a indústria se adaptar e governos e parlamentos discutirem ações em busca de soluções mitigadoras para o enfrentamento da doença. A produção de bens e serviços retraiu e a economia encolheu, em um cenário envolto em preocupações com uma segunda onda, sem termos ultrapassado ainda o platô de incidência da COVID-19, como já ocorreu em outros países que já iniciam a retomada.
Sob o lema consagrado de sua canção, hoje adotada sob a hashtag #LutaremosSemTemor, o Exército desenvolve, silente e diuturnamente, ações de prevenção e de combate à pandemia. É, nesse contexto, que hoje observamos o Serviço de Saúde da Força. E, para compreender melhor os valores do trabalho incessante de seus integrantes, rememoramos o espírito e o perfil abnegado de seu patrono, o General Severiano, refazendo uma leitura entre a sua riquíssima trajetória e a atual participação daqueles que hoje reafirmam seu legado.
Ainda estudante, Severiano já estampava, sem alarde, seu espírito humanitário marcante ao ajudar os doentes e necessitados, por ocasião de outra pandemia que assolava o Rio de Janeiro entre 1854 e 1855. O cólera, que dizimara um milhão de russos em dez anos, se espalhou pela Europa, fazendo mais de 52.000 mortos no Reino Unido só no primeiro surto. Oriunda da Ásia, como agora, a doença se tornou a pandemia que fez mais vítimas no século XIX1. Com alta velocidade de propagação e um panorama de morte degradante, logo chegaria ao Brasil Imperial, ceifando mais de 5.000 vidas só no Rio de Janeiro2.
Esse cenário de guerra estimularia Severiano, já formado, a ingressar no Corpo de Saúde do Imperial Exército Brasileiro, em 1862. O bravo e caridoso tenente, no dizer dos soldados, se diferenciava pela preocupação desinteressada com o próximo e atuaria como cirurgião na Campanha do Uruguai em 1864 e, posteriormente, na Guerra da Tríplice Aliança, servindo nos Hospitais de Sangue, imediatamente à retaguarda da linha de fogo, onde as fraturas eram imobilizadas, as hemorragias tamponadas e se realizavam suturas mais simples, sem que houvesse à época uma doutrina de emprego elaborada3.
Retornando das campanhas, Severiano atuou no Hospital do Andaraí e no Hospital Militar da Corte. Sua dedicação patriótica o elevou ao cargo de Inspetor Geral da Repartição Sanitária do Exército em 1890, ocasião em que reivindicou junto ao Quartel-Mestre General a construção de um novo hospital. A Diretoria de Saúde daquela época crescia em relevância e respeito, promovendo a mobilização de pessoal e material sanitário durante a Campanha de Canudos e, também, criando e ampliando estruturas assistenciais, como a Enfermaria Militar Provisória da Ilha das Flores.
Hoje, compreendendo essa grandeza do bem servir, o valor do bom desempenho e a servidão de dedicação à Pátria, cada integrante do Serviço de Saúde nos hospitais, nas policlínicas, nos postos médicos, nos laboratórios, nas odontoclínicas e nas centenas de enfermarias assume o papel altruísta de Severiano, ampliando ainda mais o seu legado. Integrando o Centro de Coordenação de Operações de Saúde mobilizado pelo Departamento-Geral do Pessoal, a Diretoria de Saúde participa ativamente do planejamento, da elaboração de diretrizes e das inúmeras ações realizadas, colaborando com o esforço em minimizar os efeitos da pandemia.
A elaboração de orientações seguras, quanto ao uso de equipamentos de proteção individual, à limpeza e desinfecção de superfícies em ambiente hospitalar, ao manejo de corpos, ao funcionamento das Unidades de Terapia Intensiva das Organizações Militares de Saúde, à manutenção da capacidade operativa e higidez da força de trabalho em Saúde (OMS), à segurança do diagnóstico laboratorial, à implementação de áreas de vigilância em saúde nos aquartelamentos e ao manejo clínico da doença, são medidas que dão confiança aos profissionais no prosseguimento das ações durante o plano de contingência.
Sob a coordenação dos Comandos Conjuntos em todo o País, as atividades no combate à pandemia seguem sem interrupção desde o mês de março, envolvendo a criação da plataforma digital COVID-19 para o acompanhamento dos dados oriundos das OMS, visando o gerenciamento de leitos, EPIs, equipamentos e medicações. Diversas equipes de saúde são compostas para atuar não só no auxílio à família militar, como também no apoio às populações menos privilegiadas, em especial no norte do País.
Sabedora da importância da divulgação e de esclarecimentos seguros e adequados sobre a doença e sobre seu controle e prevenção, a Diretoria de Saúde também participa da confecção de material informativo com o Centro de Comunicação Social do Exército e tem assessorado outras Diretorias no tocante à aquisição de respiradores, bombas de infusão, EPIs e medicamentos, assim como tem atuado na capacitação de equipes para o combate à COVID-19.
Essas medidas têm resultado na excelente resposta observada nas OMS, em qualquer guarnição, tanto no árduo trabalho dos gestores como no atendimento direto, na linha de frente, no campo de batalha onde, como Severiano no passado, o Serviço de Saúde trava hoje a luta de sua memória. É fato que as OMS do Exército se prepararam e estão em condições de enfrentar a pandemia. Há recursos suficientes e pessoal capacitado, dedicado e pronto para atender ao chamado, onde for, “sem vacilar e sem descanso”. Há testes nos laboratórios, há medicamentos, há EPIs, há leitos disponíveis, há equipes e estruturas direcionadas para o combate à COVID-19 e, sobretudo, há profissionais dedicados, afetuosos e humanos “procurando amenizar o sofrimento...”
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1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Pandemia_de_cólera_de_1846-1860
2 Pimenta, TS; Barbosa, K; Kodama, K. A província do Rio de Janeiro em tempos de epidemia. Dimensões, vol. 34, 2015, p. 145-183. ISSN: 2179-8869
3 Moura, Aureliano Pinto de. A atuação do Corpo de Saúde do Exército na Guerra da Tríplice Aliança. Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 11, no 21, p. 132-144 – 2015
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