Porque é dever do Brasil defender a jurisdição do Tribunal Penal Internacional

Autor: Coronel Eduardo Bittencourt Cavalcanti

Segunda, 05 Agosto 2024
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A recente indagação sobre a importância e a conveniência da manutenção do Brasil como Estado-membro do Tribunal Penal Internacional evidencia a oportunidade de reforçar a cogência das normas de Direito Internacional Humanitário (DIH) e o compromisso assumido pelo Estado brasileiro com sua difusão e, principalmente, sua integração.

O DIH vem buscando incessantemente resgatar princípios que devem ser obrigatoriamente observados em caso de conflito armado, quanto aos limites das hostilidades, a fim de proteger pessoas e bens, servindo de base para aplicação de sanções pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), instituído pelo Estatuto de Roma (ER) em 1998.

Conhecendo um pouco mais sobre essa jurisdição, remete-se à época de que a criação de uma corte internacional permanente era uma aspiração da comunidade internacional, que no século XX chegou a um consenso sobre definições aperfeiçoadas de "genocídio", "crimes contra a humanidade" e "crimes de guerra".

Os julgamentos de Nuremberg e Tóquio diziam respeito a crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade cometidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao longo dos anos 1990, após o fim da Guerra Fria, tribunais ad hoc, como o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, foram criados como resultado do consenso sobre a natureza inaceitável da impunidade.

No entanto, como tais tribunais foram criados para julgar apenas crimes cometidos durante um determinado período e em relação a um determinado conflito, houve um consenso sobre a necessidade de estabelecer uma corte penal permanente e independente.

Em 17 de julho de 1998, data histórica para a comunidade internacional, 120 Estados adotaram o Estatuto de Roma, base jurídica para a criação do Tribunal Penal Internacional permanente. O Estatuto de Roma entrou em vigor em 1° de julho de 2002, tendo sido ratificado por 60 países.

O Brasil está entre os precursores dos Estados-membros que compõem a assembleia geral do TPI e os principais colaboradores para o texto final do Estatuto de Roma.

O TPI tem jurisdição sobre os crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional no seu conjunto – genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra – cometidos após 1° de julho de 2002.

Cada uma dessas condutas delituosas está claramente definida no Estatuto de Roma e em outros textos jurídicos relevantes. O TPI também tem jurisdição sobre o “crime de agressão”, na forma das disposições adotadas durante a Conferência de Revisão do Estatuto de Roma, realizada em Kampala, Uganda, em 2010.

A Corte só pode exercer jurisdição sobre tais crimes internacionais quando eles tenham sido cometidos no território de um Estado parte ou por um de seus nacionais.

No entanto, essas condições não se aplicam no caso de uma situação ser encaminhada ao Procurador do TPI, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, cujas resoluções são vinculativas para todos os Estados-membros das Nações Unidas, ou de um Estado que fizer declaração aceitando a jurisdição da Corte.

O objetivo do Tribunal é complementar os sistemas domésticos de justiça penal e não os substituir. As ações penais são instauradas no TPI quando os sistemas judiciais nacionais não iniciam o processo ou alegam que o fizeram, mas não estão dispostos ou não podem realizá-los. Este princípio fundamental é conhecido como Princípio da Complementaridade.

A Procuradoria atua junto ao Tribunal, contudo, como órgão independente. Procede ao exame de admissibilidade das notícias de fato que são encaminhadas, a fim de determinar se há uma base razoável para conduzir investigações sobre genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, bem como para processar pessoas responsáveis por tais delitos.

A Presidência do Tribunal é composta por um presidente e dois vice-presidentes. Eles são escolhidos entre os 18 juízes do TPI. A Presidência é responsável pela adequada administração do Tribunal, com exceção do Ministério Público. No entanto, atua em coordenação com seu gabinete e busca sua aprovação em todos os assuntos de interesse mútuo.

A Assembleia dos Estados-partes é o órgão deliberativo e de supervisão para a administração do TPI. É composta por representantes dos Estados que ratificaram ou aderiram ao Estatuto de Roma. A Assembleia dos Estados-partes possui uma mesa, composta por um presidente, dois vice-presidentes e 18 membros, eleitos pela Assembleia, levando em conta a distribuição geográfica equitativa e a representação adequada dos principais sistemas jurídicos do mundo. Além disso, possui um Secretariado Permanente na sede do Tribunal em Haia.

O Brasil se destaca por ter uma magistrada brasileira que atuou por 13 anos como juíza do Tribunal Penal Internacional, fazendo parte do seleto universo de contribuintes com o mais notório conhecimento jurídico especializado.

A Constituição Federal foi emendada em 2004, para incluir expressamente em seu Art. 5º, § 4º, a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, a cuja criação manifestou adesão.

É situação fática que reforça a projeção do Brasil entre os Estados com mais vocação para proteger os Direitos Fundamentais. Desse pressuposto, há a tradicional impulsão para os brasileiros respeitarem e fazerem respeitar as normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos e de Direito Internacional Humanitário, aplicáveis aos conflitos armados e outras situações de violência.

Assim também é a motivação para o Brasil elevar os tratados de Direitos Humanos à condição de Emenda Constitucional e seguir cumprindo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

Deixar de fazer parte do TPI é temer e/ou desafiar a sua jurisdição e desfazer a conquista de valores caros de preservação da dignidade humana, no âmbito universal.

Enfrentar um processo legislativo para ceifar a previsão constitucional de adesão ao Estatuto de Roma e ao TPI é retrocesso incoerente com o investimento que se faz na política nacional de desenvolvimento dos Direitos Humanos e desenvolvimento da intensa capacitação sobre legalidade do uso da força, normas de Direito Internacional dos Conflitos Armados e regulamentação dos agentes encarregados de fazer cumprir a lei.

O esforço legislativo deveria ser para avançar na tramitação do Projeto de Lei ajustado desde 2002, que justamente dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional, institui normas processuais específicas, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional e dá outras providências. E não ao contrário.

Sob outra ótica, a cogitação de rompimento com o Tribunal Penal Internacional reverbera o quanto há de necessidade em incrementar a mentalidade da inserção de temas de Defesa na pauta da sociedade e na exigência de atributos indispensáveis na seleção de agentes públicos que detém o poder-dever de dominar o conteúdo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. Não é questão de governo, mas sim de Estado.

Que o tema em questão tenha sido aduzido à pauta dos dirigentes governamentais, operadores de Direito e de Relações Internacionais, a fim de ponderar de maneira adequada o quanto o Direito Internacional Humanitário avançou neste século para poder delimitar e exigir responsabilidade penal de pessoas físicas por atos ilícitos que o transgridam e manter o Brasil no concerto das nações que respeitam e fazem respeitar essas garantias.

Com isso, fica cristalino porque é dever defender a permanência do Brasil como Estado-membro do Tribunal Penal Internacional, a despeito daqueles que temem sua jurisdição por serem os mais prováveis de sofrerem sua prestação finalística jurisdicional.

REFERÊNCIAS

INTERNATIONAL COMMITTE OF THE RED CROSS. Un acercamiento al estudio de un Tribunal Penal Internacional. [s.l: s.n.]. Disponível em < https://www.icrc.org/es/doc/resources/documents/misc/5tdlj3.htm >. Acesso em 15 set. 2023.

INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. La CPI em Síntesis. [s.l: s.n.]. Disponível em < https://www.icc-cpi.int/sites/default/files/iccdocs/PIDS/docs/ICCAtAGlanceSpa.pdf >. Acesso em 15 set. 2023.

Comentarios

Comentarios

Rogamos a Deus, que o TPI olhe para os fatos reais que o Brasil tem sofrido nos últims anos. Que não esperem mais mortos para poder agir. Cumpram a Lei cumpram o Estatuto de Roma. Deus salve o Nosso Exercito!!

Parabéns pelo artigo!

Parabéns pelo artigo,  chefe. 

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