Pilares da liderança: visão de um ex-comandante

Autores: Coronel Maurício Gröhs
Quarta, 02 Outubro 2024
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Falar de liderança é sempre um desafio. Trata-se de um fenômeno complexo que se tenta explicar por meio de diversas teorias (1). Com isso em mente, trago ideias pautadas não em teorias, mas em minha experiência prática.

Liderar é um verdadeiro ato de servir...

Um soldado antigo incorria em transgressões com frequência, parecia não se encaixar mais. Determinei que fosse licenciado (2). O comandante do pelotão interveio: “me dê uma chance, me responsabilizo por ele”. Um ano depois, aquele soldado integrava uma guarda impecável, muito elogiada pelo general que visitava o quartel!

Tendemos a substituir os que têm maiores dificuldades. É fácil fazê-lo pela dinâmica do serviço militar. Mas, pensemos na parábola bíblica: ao encontrar uma ovelha que estava perdida, coloque-a nos ombros e leve-a para casa. Ao chegar, reúna todos e diga: “alegrem-se comigo, pois encontrei minha ovelha perdida(3). Foi exatamente o que fez o tenente.

Liderar é um ato de doação. Você não está onde está para ser servido, mas para servir: “quem quiser tornar-se grande entre vocês, que se coloque a serviço dos outros”, escreveu Mateus (4). Você precisa contribuir para o desenvolvimento das pessoas ao seu redor e pensar diariamente: ‘o que eu posso fazer para ajudar’?

Uma ideia é despertar um sentimento de utilidade. É preciso ter empatia, compreender as capacidades, mas, principalmente, as limitações e conflitos internos das pessoas. Qual a contribuição máxima que alguém pode dar naquele ambiente de trabalho? Na contrapartida, como a Instituição pode contribuir para o desenvolvimento daquela pessoa?

Outra ideia é despertar um sentimento de pertencimento. Pertencimento a algo maior do que si próprio. É necessário que cada um tenha a visão do todo, e é preciso que a contribuição de cada um seja valorizada nos resultados de uma equipe. É preciso criar um espírito de corpo!

Busque questionar-se: ‘Qual é a minha missão’? ‘Estou contribuindo para algo maior, que vai além da projeção da minha imagem’? E novamente uma passagem bíblica nos lembra: “Não tenha em vista somente os seus próprios interesses, mas também os dos outros (5).

Liderar é doar-se a uma equipe, seja ela de três ou de trezentos. É um ato de servir em seu mais nobre sentido.

Liderar deve ser um ato de humildade...

Ao assumir qualquer cargo para o qual somos designados, possivelmente teremos alguma contribuição útil, caso contrário, nem estaríamos lá. Mas, na contrapartida, também haverá muito o que aprender. O que um praça, um tenente e um general têm em comum? Todos têm algo a lhe ensinar!

Assim está escrito: “Não façam nada por interesse pessoal ou vaidade, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo (6). Sendo humilde, verá que pode aprender algo com cada pessoa, reconhecerá o mérito delas e não cairá no erro de supervalorizar o seu papel nos resultados de uma equipe em detrimento dos demais.

Um general visitava o quartel, inspecionava viaturas blindadas de um Programa Estratégico do Exército. Em dado momento, questionou o comandante e a equipe sobre detalhes do recebimento das viaturas. Então, um cabo, que dominava o assunto, deu uma aula a todos. Ouvimos e aprendemos, os demais presentes.

É preciso valorizar a contribuição de cada pessoa para o seu próprio sucesso. Afinal, não construímos nada sozinhos. Ao escrever sobre os doze apóstolos, John Macarthur defende que o pecado mais comum da liderança é considerar-se maior do que se deve(7).

Stephen Covey, por sua vez, destaca a importância de complementar nossos pontos fortes pessoais com as forças dos outros (8). O líder humilde se permite ser assessorado e compreende que a hierarquia do poder decisório não necessariamente corresponde à hierarquia das ideias. Com isto em mente, se cercará de pessoas com capacidades que complementem as suas.

Sábio aquele que tem coragem de reconhecer suas limitações. Sábio aquele que se permite ser assessorado. Sábio aquele que não se deixa levar pela vaidade no cargo!

Tudo começa pelo caráter...

A liderança resulta de quem você realmente é. Para mim, significa construir uma base sólida de valores e buscar viver aquilo que se prega, seja durante as horas de serviço ou fora delas. É dizer “venha comigo” e não “vá naquela direção”.

Você será respeitado se viver na prática o que defende no mundo das ideias. Veja, não estou clamando uma utópica perfeição, isso não existe; eu não sou perfeito, você não é.

Tentar viver continuamente o que ensinamos é um dos nossos valores mais fundamentais”, defendia Covey (9). Perceba que a frase começa com ‘tentar’. A intenção é que é relevante. Por vezes, erraremos; então, será necessário assumir o erro (humildade), ajustar o prumo e seguir em frente tentando acertar.

Você quer que um subordinado o siga? Como você o inspira? Você vive uma vida de virtudes? Ou de vícios? Cultiva hábitos bons ou ruins? “Não importa sua vida privada se você for um profissional competente” – diz o senso comum.

Trabalhei com algumas pessoas que não bebiam álcool e estimulavam outros a não o fazer, apesar da pressão social no sentido contrário. Eram respeitados líderes em seus níveis e o exemplo deles me leva a refletir: é preciso beber (forçadamente) ou participar do “rolê” para ser respeitado? É preciso mudar seu jeito de ser para o exercício da liderança?

Veja, não sou contra a socialização, muito pelo contrário. Apenas uso este exemplo para ilustrar o argumento. A questão é: você precisa abrir mão da sua base de valores em prol do reconhecimento, da aceitação?

Buscar simplesmente “ser da galera”, na linguagem popular, não é o que fará as pessoas confiarem em você. Manter uma base de princípios e valores nos quais você acredita e dos quais você não abre mão é que fará a diferença, pois essa base revela seu caráter. E aqueles que compartilham os mesmos valores o seguirão, inclusive e, principalmente, nas adversidades.

Estes são, para mim, pilares fundamentais da liderança. Fazem sentido para mim. Talvez façam para você. Há outros, mas ficam para uma próxima reflexão.

NOTAS

  1. EXÉRCITO BRASILEIRO. Manual de Campanha Liderança Militar (C 20-10). Aprovado pela Portaria nº 102-eme, de 24 de agosto de 2011. 2ª edição, 2011.

  2. Não renovação de militar temporário ao fim de um período de 12 meses. O período máximo de 8 anos para militares ocorre mediante sucessivas renovações anuais.

  3. Lucas 15:4-6.

  4. Mateus 20:26.

  5. Filipenses 2:4.

  6. Filipenses 2:3.

  7. MACARTHUR, John. Doze homens extraordinariamente comuns: como os apóstolos foram moldados para alcançar o sucesso em sua missão. Tradução: Susana Klassen. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2019.

  8. COVEY, Stephen R. Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes. 99ª Ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2022.

  9. COVEY, op. cit.

CATEGORIAS:
Geral Ética Militar
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Excelente texto ! Com certeza irei compartilhar com amigos ! Parabéns Cel Gröhs 

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