Passagem de Comando das Organizações Militares do Exército: Ritual e Simbolismo

Autor: Coronel Rodolfo Tristão Pina

Segunda, 13 Fevereiro 2017
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Quando se pensa em rituais e simbolismos, vem à cabeça, no senso comum, algo pertencente ao mundo místico de civilizações antigas, compreendendo sacrifícios, entidades e magia. Embora considerados temas clássicos da Antropologia (disciplina que tem nas diferenças culturais entre os coletivos humanos seu principal objeto de estudo), as teorias sobre rituais e simbolismos conduzem a pensar, de forma ampla, sobre modos de significação e experiências sociais diversas, envolvendo coletividades, sejam elas de profissionais, de religiosos, de políticos, sejam urbanas ou rurais, quaisquer que sejam, em qualquer período histórico.

Na trajetória da humanidade, alguns grupos de pessoas internalizaram características peculiares, maneiras de "ser" e "agir" que, ao longo do tempo, tornaram-se marcas indeléveis de uma "personalidade coletiva", forjada naquilo que sempre acreditaram, praticaram e defenderam. Assim são os militares, grupo de homens e mulheres, com marca cultural própria, baseada, sobretudo, em valores e crenças. Nesse sentido, a Antropologia pode contribuir para explicar a permanência do espírito militar que, apesar de ter atravessado conjunturas históricas distintas, faz com que o Exército de hoje seja o mesmo Exército de ontem.

Por definição, para Rodolpho (2004), os rituais dão forma à vida das pessoas e demonstram a ordem e a promessa de continuidade de determinados grupos sociais. Seu valor está no fato de que podem servir como ferramenta conceitual importante para a compreensão e a interpretação desses mesmos grupos, de seus valores e de suas crenças.

O antropólogo britânico Victor Turner, uma das maiores referências acadêmicas no estudo dos rituais e simbolismos, definiu-os como partes de um grande sistema de significados, característicos de determinadas culturas. Para o autor, os rituais seguem uma ordem e estrutura, possuem um sentido coletivo, com propósito definido, partilham atos formais e padronizados, evidenciam o que, embora usual, difere do cotidiano. Os rituais, ainda, envolvem valores, são presenciados por testemunhas e possuem alto grau de institucionalização.

Já os símbolos se caracterizam por serem as menores unidades de um ritual e expressam, no campo material, aquilo que se opera no nível mental. Os símbolos, de uma forma simplista, instrumentalizam os rituais. A eles atribuem-se propriedades que não possuem objetivamente, mas que possibilitam incorporá-los ao mundo real.

No escopo das tradições castrenses mais significativas, encontra-se a Passagem de Comando (considera-se igualmente a Passagem de Chefia ou Direção) das Organizações Militares, evento que traduz muito da cultura militar, notadamente do culto aos Símbolos Nacionais do Brasil e às referências históricas.

Sob essa ótica, é possível afirmar que as Passagens de Comando se encaixam perfeitamente no ideário proposto por Turner. Esse ritual castrense é, portanto, um mecanismo de reprodução da vida social dos militares, que possibilita o entendimento das relações existentes no âmbito da caserna, das crenças e dos valores cultuados, e que se repete, sistematicamente, da mesma forma, em todas as Organizações Militares espalhadas pelo País.

Sendo assim, fica claro observar que cada evento pertencente às Passagens de Comando, a exemplo da inauguração do retrato do Comandante sucedido, a entrega do distintivo de comando, as diferenças nos uniformes militares dos participantes, a leitura da referência elogiosa consignada e as palavras de despedida do Comandante substituído, a formação da tropa e a tomada do dispositivo para a cerimônia de transmissão do cargo, traz à tona símbolos próprios, confere significação e, principalmente, ressonância afetiva a todos os presentes.

O ritual da Passagem de Comando é, assim, o início de um processo de construção de uma nova relação social, incluindo a pessoa do novo Comandante, a sua família, a nova Organização Militar e a cidade que os recebe. Para aquele que deixa o Comando, as vivências durante esse período transitório, seguramente, deixarão marcas permanentes na personalidade, com reflexos nas vidas profissional e pessoal.

Para os militares, que o desempenho do cargo de Comandante exige atributos bastante peculiares do oficial. Dessa forma, a Passagem de Comando se traduz em evento que extrapola uma simples cerimônia protocolar. Caracteriza-se objetivamente como um ritual de compromisso e confirmação dos valores do Exército, por ser transformador na vida dos Comandantes e da própria Organização Militar.

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