Os Pelotões Especiais de Fronteira na Terra Indígena Yanomami

Autor: Major Leonardo Nascimento de Albuquerque Ramos

Quarta, 19 Junho 2024
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Introdução

A Amazônia se destaca no complexo cenário geopolítico atual por possuir características que reúnem tanto as ameaças tradicionais, onde as Forças Armadas exercem o seu papel primordial de defesa externa, e as ameaças não tradicionais, dentro de uma agenda de segurança global, com presença de atores não estatais.
A região amazônica é caracterizada pela sua imensa dimensão e rica biodiversidade, sendo pauta de temas internacionais. No Brasil, a Amazônia Legal divide uma fronteira de cerca de 11000 Km com sete países sul-americanos. É uma área de maneira geral carente de infraestrutura, principalmente nas regiões mais extremas da fronteira, mais afastada dos grandes centros econômicos nacionais, com diversos aspectos peculiares presentes, envolvendo questões socioambientais e crimes transfronteiriços, e com a presença de diversas áreas protegidas, em uma região com vasta riqueza natural.
O Brasil procura dar prioridade à Amazônia na sua defesa. Como parte do esforço de presença estatal e visando estabelecer a vigilância em uma área de grandes vazios demográficos, são estabelecidas unidades militares, dentre elas os Pelotões Especiais de Fronteira que estão distribuídos em locais estratégicos na faixa de fronteira.
Neste contexto, o presente trabalho se propõe a apresentar a importância estratégica da atuação integrada na busca de solução de problemas de segurança nas fronteiras na Amazônia. Para isto, será realizado um recorte na atuação dos Pelotões Especiais de Fronteira situados na Terra Indígena Yanomami no estado de Roraima.

Uma visão abrangente de Defesa Nacional

A defesa nacional é o conjunto de medidas adotadas com ênfase na expressão militar para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças externas. A defesa contribui para estabelecer uma segurança nacional, entendida como a condição que permite a preservação de soberania, integridade territorial e a garantia aos cidadãos de direitos e deveres constitucionais. (BRASIL, 2020)
Segundo a Política Nacional de Defesa do Brasil, para ter condições de segurança que fortalecem a Defesa Nacional, o País deve buscar eficiência em saúde, educação, ciência, tecnologia, infraestrutura, de forma a superar os gargalos existentes e permitir o desenvolvimento. Segundo Buzan e Hansen (2012), o conceito de segurança assume papel multidimensional e incorpora vertentes de outras áreas, tais como: econômica, alimentar, saúde, ambiental, cidadã, comunitária e política. Nesse diapasão, é possível inferir que, para conter as ameaças de segurança, é mister a participação coordenada de órgãos governamentais e não-governamentais para atingir os objetivos de defesa e segurança, em um sentido mais amplo.
Na Amazônia, é possível visualizar ameaças em toda a linha de fronteira, como o tráfico internacional de drogas e armas, e a existência de grupos guerrilheiros e ilegais. De maneira geral, estas ameaças estão relacionadas à dificuldade do Estado exercer a sua soberania na garantia da segurança na vasta fronteira amazônica, incluindo as capacidades de prover serviços básicos à população e aplicar a lei, o que abre espaço para ações ilícitas (FILHO, 2023).
Aparece, assim, um grande desafio: como levar e fixar os agentes que exercerão o papel do Estado e proverão os serviços essenciais a seus cidadãos em locais inóspitos, com precária infraestrutura? Como permitir condições de segurança onde o acesso ainda é dificultado?

A Terra Indígena Yanomami

Os povos Yanomamis são um dos mais antigos e isolados na América do Sul e vivem na região de florestas e montanhas ao norte do Brasil e ao sul da Venezuela. Os primeiros contatos com este povo surgiram na primeira metade do século XX, durante as expedições para demarcação das fronteiras e missões religiosas na área. (SURVIVAL, 2023)
A demarcação da terra indígena foi homologada em 1992. A área conta com 96000 km2, se tornando a maior área indígena do Brasil, conforme figura 1. Situa-se em uma região de difícil acesso, dominada pela floresta (GOMES, 2023).

Figura 1 – Demarcação TI Yanomami


 

Fonte: CCPY, 2005 

Percebe-se que, no decorrer da história, diferentes abordagens ocorreram em relação ao planejamento das ações com os indígenas. De um lado uma visão de que o indígena deveria ser colonizado e evangelizado, de outro lado uma visão de que se faz necessário um isolamento, preservando este povo de contatos com outras culturas, além de interpretações de que se é inevitável o processo de desintegração de culturas tribais. (RIBEIRO, 2017)
A Constituição Federal de 1988 rompeu com estas visões e admitiu a pluralidade étnica brasileira, entendendo a diversidade cultural como uma riqueza nacional. Sendo assim, o indígena não necessita ser “integrado” à sociedade, e sim as ações com indígenas devem ser pautadas pela cooperação, preservando o principal patrimônio que é a sua identidade cultural (VISACRO, 2012).
Atualmente, a região demarcada como território dos Yanomamis possui uma gama de vulnerabilidades em seu interior, englobando questões relacionadas à falta de estrutura econômica e à existência de questões sanitárias, além da existência de atividades predatórias irregulares, como os garimpos ilegais, ligados a grupos armados criminosos, que por vezes aliciam indígenas a cooperarem com atividades ilícitas (RODRIGUES, 2021). 

Os Pelotões Especiais de Fronteira

O Exército Brasileiro, após a implantação do Programa Calha Norte, a partir de 1985, estabeleceu novas estruturas na região amazônica, dentre elas os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF). Na Terra Indígena Yanomami no estado de Roraima, hoje existem dois PEF, o 4º PEF (Surucucu), desde o ano de 1988, e o 5º PEF (Auaris), desde o ano de 1995, situados nas posições expostas na Figura 2.

Figura 2 – Localização dos PEF na TI Yanomami em Roraima


 

Fonte – O autor, utilizando o aplicativo Google Earth

Estes pelotões possuem características semelhantes. Estão afastados das sedes dos municípios e da capital do estado, em regiões cercadas por densas florestas e serras. O acesso às suas posições é possível apenas por meio aéreo, podendo utilizar pistas de pouso construídas e mantidas pela Força Aérea Brasileira em suas posições. 
A estrutura dos PEF engloba todas as instalações de uma unidade militar, com alojamentos, depósitos, refeitório e instalações de saúde, com capacidade de atendimento médico e odontológico. Ainda possuem os pavilhões de terceiros, concebidos para a instalação de órgãos governamentais e os pavilhões comunitários que foram construídos para atender à comunidade local, podendo instalar serviços de educação, cartórios, saúde, entre outros. De suas bases partem infraestruturas básicas como: a geração de energia elétrica, internet e a manutenção de criações para subsistência. 
As suas missões são claramente definidas referentes à sua atribuição militar, sendo responsáveis pela materialização da presença do Exército em uma das mais distantes regiões do País, vigiando, patrulhando, exercendo controle de aeronaves e circulação de pessoas, inibindo e reprimindo ações ilegais e servindo como uma base militar de apoio.
Por todas estas características, o PEF é norteado pela tríade Vida - Combate – Trabalho. O Exército por meio do PEF é capaz de levar a presença do Estado e prestar um grande apoio ao seu entorno, ampliando a capacidade de atendimento em saúde, realizando inclusão digital, servindo como base de apoio logístico, oferecendo serviços básicos e promovendo a capacidade de desenvolvimento.
É importante ressaltar, também, uma missão pouco tangível: a de levar o senso de pertencimento às comunidades indígenas Yanomamis. O Exército é um silente difusor dos símbolos nacionais e de cidadania. Em seus patrulhamentos de fronteira, os soldados levam as cores da bandeira brasileira nos mais distantes rincões deste País, sendo capaz de estabelecer saudáveis laços de cooperação, respeito e camaradagem. Em seus efetivos já foram incorporados militares indígenas das etnias locais, estabelecendo vínculos perenes de amizade.
Durante as respostas às crises humanitárias envolvendo os Yanomamis, a partir do ano de 2023, os PEF possuem um papel estratégico fundamental. Suas bases militares são os pontos fundamentais para a operação de ajuda humanitária e de combate ao garimpo ilegal. Nessa operação, as Forças Armadas em coordenação com agências levam assistência de saúde às comunidades, realizam evacuação médica de indígenas e operações contra ações ilegais na região, distribuem alimentos, restabelecem, assim, condições mais seguras. Em uma região tão inóspita seria muito difícil a realização das operações com sucesso, sem a presença destes pelotões.

CONCLUSÃO

As ameaças à segurança que envolvem a região Amazônica requerem uma visão integrada do problema para a formulação de ações eficientes pelo Estado brasileiro.
O Brasil deve ampliar e integrar esforços de todas as esferas para resolver os problemas de segurança, levando o desenvolvimento, permitindo que os serviços essenciais aos cidadãos sejam implantados e estendidos nas áreas de fronteira e indígenas, antes que atores irregulares e serviços ilegais sejam instalados, dentro de um planejamento conjunto.
 A existência de PEF na TI Yanomami permite ampliar as bases necessárias para o desenvolvimento e a cooperação, importantes para a segurança integrada na região. O PEF possui a capacidade de apoiar ações governamentais e não governamentais até locais de difícil acesso, provendo infraestrutura e ações em prol de seus cidadãos. Como base militar, os PEF garantem ações que permitem cumprir a estratégia da dissuasão e presença, contribuindo para o cumprimento da Estratégia Nacional de Defesa.
Além disto, o PEF estabelece um importante laço cultural com as comunidades locais, levando o senso de nacionalidade e estabelecendo vínculos que permitem a preservação da rica cultura da região e a cooperação necessária para que possa existir o entendimento e o apoio da população. Em se tratando das fronteiras brasileiras na Amazônia, dentro de uma área protegida, o trabalho desempenhado por essa fração militar se torna ainda mais relevante.
Por fim, o Brasil possui riquezas naturais incomensuráveis em sua imensa floresta e ocupa um papel de protagonismo internacional dos assuntos sobre a Amazônia que exige da sociedade compreender a complexidade desta região e, assim, formular soluções adequadas aos seus problemas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. C Fron RR/ 7º BIS. Pelotões Especiais de Fronteira. 2018. Disponível em: <https://7bis.eb.mil.br/index.php/pelotoes-especiais-de-fronteira> Acesso em 30 nov. 2023.

BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa e Estratégia Nacional de Defesa. Brasília, DF, 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/copy_of_estado-e-defesa/pnd_end_congresso_.pdf>. Acesso em 29 nov. 2023.

BUZAN, Barry, HANSEN, Lene. A Evolução dos Estudos de Segurança Internacional. Trad. Flávio Lira. São Paulo: Editora Unesp, 2012. 576p. ISBN 978-85-393-0266-6

CCPY. Invasões garimpeiras voltam a ameaçar povo Yanomami. Notícias Socioambientais-Instituto Socioambiental. 2005. Disponível em: <https://www.proyanomami.org.br/frame1/noticia.asp?id=4063#> Acesso em: 29 nov. 2023.

FILHO, Oscar Medeiros. Centro de Estudios Estratégicos del Ejército del Perú. La Naturaleza de las Amenazas en la Panamazonía. Revista Securidad e Poder Terrestre. Vol 2, N°4, octubre - diciembre, 2023, pp. 73-85

GOMES, Mercio. Poder 360. A Questão Yanomami Parte 6: Possibilidades Conflitantes. 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/opiniao/a-questao-yanomami-parte-6-possibilidades-conflitantes/> Acesso em 30 nov. 2023.

LINS, Nilton Fabiano Velozo; XAVIER, Pedro Alcântara. A Força de Prontidão Lobo D’Almada na crise Yanomami. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2023.

NASCIMENTO JUNIOR; LOURENÇO; VELASCO. Os Pelotões Especiais de Fronteira no Contexto da Estratégia Nacional de Defesa. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2022.

OLIVEIRA, Douglas Esteves; SPADER, Ricardo; GOMES, Carlos Patrick Barbosa. O Impacto das Terras Indígenas na Política Nacional de Defesa. Revista de Geopolítica, v. 14, nº 3, p. 1-16, jul.set. 2023.

RAMOS, Leonardo Nascimento de Albuquerque. O webmapping como ferramenta do estudo das considerações civis em operações do Exército Brasileiro na Amazônia. 2023. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Ciências Militares) - Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2023.

RIBEIRO, Darcy. Os Índios e a Civilização - A integração das populações indígenas no Brasil moderno. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Global, 2017.

RODRIGUES, Lucas Barreto. Sobre a relação entre organizações criminosas narcotraficantes e o garimpo no Estado de Roraima. Observatório Militar da Praia Vermelha. ECEME: Rio de Janeiro. 2021.

SURVIVAL. Os Yanomami. 2023. Disponível em: <https://survivalbrasil.org/povos/yanomami> Acesso em: 30 nov. 2023.

VISACRO, A. Inteligência cultural - assunto impositivo na formação do militar moderno e fundamental no estudo de situação: uma abordagem da temática indígena na Amazônia. Coleção Meira Mattos: revista das ciências militares, n. 25, 14 jul. 2012

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Artigo bastante esclarecedor! Nos alerta quanto a  importância do Estado brasileiro em robustecer a ocupação da região Amazônica a partir das Forças Armadas e da exploração NACIONAL sustentável, promovendo a soberania e intensificando a integração da população regional com as demais áreas do país.

Excelente texto de quem viveu e conhece muito bem a área e sua população. A Estratégia Nacional de Defesa previu ampliar o número de PEF, inclusive em Roraima, com Ericó, mas a ideia não se materializou. É fundamental a ocupação do território, até para levar um pouco de Estado para quem não tem nenhum, como é o caso da imensa maioria dos Yanomamis.  Se investir no Exército, particularmente nos PEF, gasta-se bem pouco para se promover grandes benefícios para quem nos ensina muito, nos ajuda tanto e contribui de forma inquestionável para a defesa das nossas fronteiras.

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