Os papéis funcionais do comandante

Autor: General de Brigada R1 Severino de Ramos Bento da Paixão

Quarta, 14 Junho 2023
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O exercício do comando, de uma forma abrangente e sob uma perspectiva didática, como bem descrito pelo General Coutinho na sua obra “Exercício do Comando - A Chefia e a Liderança Militares”, desenvolve-se em três situações gerais: de guarnição, campanha ou crise1. No Exército Brasileiro (EB), instituição organizada pela nação brasileira com base na conscrição, é a sua estrutura de comando que dirige o processo cíclico de transformação de suas organizações militares operacionais da situação de guarnição para a de campanha.

Posto isso, este texto tem por finalidade descrever sumariamente a ação de comando do comandante de Organização Militar (OM) nível unidade e subunidade, desdobrando-a em papéis funcionais que o levam, partindo de uma situação de guarnição, a configurar sua OM para a atuação em campanha. A intenção, em outros termos, é procurar discorrer sobre os papéis que ele desempenha, tanto de forma isolada quanto sobrepostos, no processo global pelo qual constitui, com os meios materiais e recursos humanos postos sob sua direção e controle, a Força a ser mantida efetiva e coesa no contato com o fogo do inimigo.

A situação de "guarnição" corresponde à existência da OM em tempo de paz em que prevalecem as ações de ordem administrativa, voltadas prioritariamente para o preparo da Força.

Já a de "campanha" corresponde à guerra, ou seja, ao emprego da OM no campo de batalha, onde as maiores preocupações do comandante são de ordem operacionais e/ou táticas. Sendo assim, são dirigidas ao emprego da Força em um ambiente de caos, morte e destruição, com vistas a derrotar o inimigo e alcançar a vitória.

As situações de "crise", por sua vez, correspondem às circunstâncias fora do comum e graves, com sérias consequências e danos, por vezes irreparáveis, que demandam do comandante excepcional desempenho. O desastre, desencadeado por fenômenos naturais2 ou provocado pelo inimigo, o pânico e a rendição são alguns exemplos que podem ser apontados.

É certo que, em todas as situações indicadas, o exercício do comando compreende a condução dos subordinados, uma ação criadora de relações comandante-comandados, as quais, sendo intersubjetivas, revestem-se de características psicológicas e culturais.

Por outro lado, vale ressaltar também que o termo “comando", no presente texto, não se refere3 à condução de pessoas, mas à condução de forças, ou seja, de formações e agrupamentos voltados para a realização de operações militares. Dessa forma, é possível inferir que a constituição e preservação de formações compostas por indivíduos para a realização de atividades no campo operacional militar são condições necessárias para o EB no seu processo cíclico de preparação para a guerra.

Dando prosseguimento, tomemos a seguinte definição do termo "comandante":

“…é o militar investido, por força de leis e regulamentos e como prerrogativa impessoal, de autoridade para conduzir homens e dirigir e controlar forças em razão de sua posição hierárquica.4” (grifo nosso)

Conduzir homens e mulheres é a tarefa primordial e contínua, pois esta autoridade tem que guiá-los e educá-los com o propósito de formar um só organismo, forte e aglutinado o bastante para suportar as forças dissociativas e dispersivas da zona de combate. É nesta atividade funcional5 que se avança no papel de líder militar.

Constituído o conjunto orgânico de indivíduos, o processo, simultâneo em suas direções, passa a comportar a formação dos laços afetivos e psíquicos que consubstanciarão o "espírito de corpo", termo empregado para expressar que a tropa estará animada a agir como se fosse um só ser. É nesta fase que os papéis de arquiteto, sacerdote e governante, todos relacionados ao espírito humano existente nas relações comandante-comandados, se fazem presentes.

Chegando ao ápice do processo, ou seja, quando todas as forças do ser estão em ação, prontas para serem empregadas no combate, desponta o papel de chefe militar para as dirigir e controlar. Dialogando com Coutinho, Courtois, Gavet, Marshall e Scruton, façamos os cortes no processo e vejamos o primeiro destes papéis.

Papel de Líder Militar

O oficial, diante da organização para a qual foi nomeado comandante, é, por princípio dinâmico, a força, o motor que movimenta/motiva suas engrenagens tanto para a vida vegetativa quanto, e principalmente, para o cumprimento da missão no campo de batalha. Tais engrenagens, em síntese, são constituídas por recursos materiais operados pelos seus subordinados, pessoas com vontade, liberdade, inteligência e iniciativa. E são estas pessoas o coração da sua OM.

Sendo assim, graças à autoridade na qual é investido, somada à respectiva competência profissional, ele exerce inicialmente uma força centrípeta sobre seus subordinados, aglutinando-os. Esta força, conhecida como reputação, gera respeito e confiança nos comandados, fazendo com que suas mentes fiquem receptivas ao seu papel de líder militar.

Neste papel, pratica então, de modo constante, sua habilidade para influenciá-los nos planos afetivo6 e intelectivo com vistas a obter deles a adesão à missão e o envolvimento pessoal e coletivo no seu cumprimento7. Os liderados, por sua vez, quando impactados por tal ação, expressam estar motivados em comportamentos, atitudes, sentimentos e atos objetivos que favoreçam o sucesso ou a melhor realização da missão.

Realizado este movimento, obtida a adesão com envolvimento pessoal, cabe agora conformar espiritualmente este corpo para torná-lo coeso o bastante para, com a máxima efetividade, suportar e vencer as agruras do combate.

 

1 Coutinho, 1997, p. 215.

2 Como exemplo, no dia 12 de janeiro de 2010, tropas brasileiras que integravam a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) enfrentaram a situação de desastre natural causada por um terremoto com 7,0 na escala Richter, que destruiu a Capital do Haiti, Porto Príncipe.

3 Coutinho, 1997, p.16.

4 Ibid., p. 29.

5 Ibid., p. 40.

6 Brasil, 2011, p. 3-3.

7 Ibid., p.163.

 

BIBLIOGRAFIA

-  BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército (EME). Manual de Campanha C 20-10 Liderança Militar. 2. ed. Brasília, 2011. 87 p.

-  COUTINHO, Sérgio Augusto de Avelar (1997). Exercício do comando: a chefia e a liderança militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. 274 p. (Coleção Taunay; v. 28).

- COURTOIS, Gaston (2012). A arte de ser chefe. Tradução de Job Lorena de Sant’Anna. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. 152 p. (Coleção General Benício).

-  GAVET, André (2018). El Arte de Mandar: Principios del mando para uso de los oficiales de todos los grados. Circulo Acton Chile Editores. 100 p.

-  MARSHALL, Samuel Lyman Atwood (2003). Homens ou Fogo? Tradução de Moziul Moreira Lima. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. 216 p. (Coleção General Benício; v. 394).

-  SCRUTON, Roger (2020). A Alma do mundo. Tradução de Martim Vasques da Cunha. 5. ed. Rio de Janeiro; Record. 236 p.

 

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SERVI EM 2013 NO BATALHÃO DE ENGENHARIA DE CONSTRUÇÃO, BATALHÃO GENERAL ARGOLO, BARREIRAS BAHIA BRASIL, COMO SOLDADO DO EFETIVO VARIÁVEL, PERCEBIA O QUANTO UM BOM COMANDANTE DE TROPA INFUENCIAVA SEUS COMANDADOS. AS HISTÓRIAS DE CASERNA DE CADA OFICIAL FAVORECIAM O DESENVOLVIMENTO DA TROPA, CONSOLIDAVAM OS CONHECIMENTOS MILITARES E FORTALECIAM OS VÍNCULOS, GERANDO UM ESPÍRITO DE CORPO. SELVA!
Excelente artigo! Resume o conceito de espírito de corpo, uma expressão anímica que quando presente nas OM, é perceptível o valor da tropa e a certeza do cumprimento da missão! Em todos os níveis de comando, os Cmt devem procurar desenvolver o espírito de corpo!
Bem escrito, organizado e com embasamento teórico consistente, fornece subsídios valiosos sobre o lugar da liderança militar, contribuindo para a sua compreensão. Parabéns, General Paixão!
Prezado Gen Paixão, parabéns pelo artigo! Tive a oportunidade de expressar a atualidade do tema e a qualidade das ideias apresentadas. Grato por compartilhar!
Tudo isso EMBRIONADO sobre VALORES obtidos em casa, que são DESENVOLVIDOS e FORTALECIDOS na AMAN. Excelente síntese, Gen.

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