Os papéis funcionais do Comandante (Parte III)

Autor: General de Brigada R1 Severino de Ramos Bento da Paixão

Quarta, 24 Abril 2024
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Prólogo

Em dois artigos publicados anteriormente, ao leitor foi apresentada a concepção de que os comandantes de Organizações Militares (OM) nível unidade (U) e subunidade desempenham cinco papéis funcionais – líder militar, arquiteto, sacerdote, governante e chefe militar – no decorrer de um processo cíclico de transformação das OM operativas da situação de guarnição para a de campanha.

Para o desenvolvimento especulativo dessa argumentação, considerou-se que o principal fator gerador desse processo é – para as OM do Exército Brasileiro (EB) não enquadradas como de pronto-emprego – a conscrição, ou seja, o alistamento dos nacionais aptos para o serviço militar. É o alistamento, pois, com a sua consequente designação que, por acontecer anualmente com a inserção de novos indivíduos, provoca o reinício da preparação da OM como um todo para o emprego em combate.

Vale dizer também que classificar a ação de comando desse comandante em papéis funcionais tem por objetivo qualificar suas ações em categorias que permitam identificar, compreender e, dessa forma, internalizar, os planos de atuação simbólico, psicológico, sociológico, afetivo e material que delas decorrem. Visto dessa maneira, em partes, o conteúdo de cada desempenho funcional, é possível inferir agora uma atuação para a totalidade e, consequentemente, perceber a existência de um papel funcional que enquadra uma atividade global que a quase tudo abarca.

Atingindo então esse patamar, vejamos agora o desempenho como governante.

Papel de governante

Governar é ser o responsável pela administração dos vários setores de uma organização. Sendo assim, as atribuições de um comandante não se encerram ao toque de ordem. Ele comanda sempre, a todo tempo e em toda parte. A ação de comando se identifica, como apontado por André Gavet, com a ação de governar:

“…O chefe ordena certas coisas, ensina ou aconselha outras; dirige sua unidade em combate; administra-a, instrui, governa em qualquer tempo e este último termo é, em geral, o melhor que se aplica; o chefe exerce sobre sua tropa uma ação de governo, pois tem o encargo de tudo que lhe concerne: direitos, deveres, serviço, ordem, conduta, moralidade, instrução, tudo se encontra governado por ele.1” (grifo nosso)

O Regulamento Interno e dos Serviços Gerais, mais conhecido pelo seu acrônimo RISG, no seu Art. 20, já indica o quão abrangente é este papel: “O Cmt U exerce sua ação de comando em todos os setores da unidade, usando-a com a iniciativa necessária e sob sua inteira responsabilidade” (grifo nosso). Sendo assim, ele administra, planeja, orienta, coordena, acompanha, controla, fiscaliza e apura responsabilidades, tudo com o propósito de que a sua unidade esteja sempre em condições de ser empregada.

No EB, o papel funcional de governante é mais fácil de ser observado naqueles oficiais que têm sob sua direção e responsabilidade as OM localizadas nas regiões de fronteira, onde as famílias dos seus subordinados e civis que vivem próximos aos quartéis também dependem, por vezes, de suas orientações, julgamentos e decisões.

Por outro lado, as situações de crise, como as provocadas por desastres naturais, também são ocasiões onde se manifesta de forma mais perceptível esse mesmo papel. Ações como socorro às vítimas, controle de danos, repressão aos saques e restabelecimento das comunicações e do trânsito na área afetada são exemplos dos encargos de governo a serem assumidos.

Vale ressaltar ainda que, nas relações interpessoais que conformam a organização militar como um ente social, os militares, como qualquer ser humano, desejam no seu íntimo ser governados. Sim é este o termo, ser governados por homens ou mulheres que evidenciem sabedoria e competência, uma vez que eles querem ser guiados para a opinião verdadeira. E a ocasião em que mais se observa este aspecto no comandante é quando ele aplica a justiça, em outros termos, com a distribuição e gradação que faz das penas e recompensas.

Ademais, vale ressaltar que, quanto aos encargos da conduta e moralidade da tropa sob o seu governo, o seu desempenho funcional como governante está umbilicalmente atrelado ao seu comportamento, o qual deverá sempre ser visto como testemunho e exemplo2 real dos valores que conformam o arcabouço ético militar de uma OM do Exército de Caxias. É, em suma, o valor profissional do comandante impactando o valor moral da tropa e, ambos, dando concreção ao poder de combate da OM a que estão todos vinculados.

Conclusão

Como ficou demonstrado, o papel funcional do comandante como governante de sua OM envolve todas as áreas do seu Comando, sendo exercido a partir de uma visão sistêmica e de acordo com a dinâmica das situações de guarnição, campanha ou crise.

A OM, ao alcançar esse momento do processo, com seus integrantes, por força da liderança militar, envolvidos pessoal e coletivamente para o cumprimento da missão, desenhada para ser eficaz, entusiasmada pelos valores que lhe são mais sagrados e regida em todos os aspectos necessários para a guerra, torna-se um ser animado e pronto para o emprego como força militar pelo seu chefe.

 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército (EME). Manual de Campanha C 20-10 Liderança Militar. 2. ed. Brasília, 2011. 87 p.

BRASIL. Ministério da Defesa. Exército Brasileiro. Secretaria-Geral do Exército. Regulamento Interno e dos Serviços Gerais – R-1 (RISG). Brasília, 2003. 122 p.

COUTINHO, Sérgio Augusto de Avelar (1997). Exercício do comando: a chefia e a liderança militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. 274 p. (Coleção Taunay; v. 28).

COURTOIS, Gaston (2012). A arte de ser chefe. Tradução de Job Lorena de Sant’Anna. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. 152 p. (Coleção General Benício).

GAVET, André (2018). El Arte de Mandar: Principios del mando para uso de los oficiales de todos los grados. Circulo Acton Chile Editores. 100 p.

MARSHALL, Samuel Lyman Atwood (2003). Homens ou Fogo? Tradução de Moziul Moreira Lima. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército. 216 p. (Coleção General Benício; v. 394).

SCRUTON, Roger (2020). A Alma do mundo. Tradução de Martim Vasques da Cunha. 5. ed. Rio de Janeiro; Record. 236 p.

1 Coutinho, 1997, p. 30-31.

2 Brasil, 2003, p. 10.

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