Os desafios das atividades presenciais na condução da educação militar nas escolas de formação

Autores: Socorro Maria de Jesus Seabra Sarkis
Quarta, 17 Março 2021
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                                                                                                   “A disciplina militar prestante não se aprende, Senhor, na fantasia, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando.”

(Luís Vaz de Camões)

 

A crise provocada pela covid-19 colocou em discussão a manutenção ou não de atividades presenciais na formação militar durante o contexto de crises, o que impulsionou o estudo da aplicabilidade do Ensino a Distância (EaD) nas escolas de formação e, consequentemente, a substituição das atividades presenciais por EaD. Entende-se a Educação a Distância como modalidade educativa apoiada por tecnologias em que discentes e docentes não estão fisicamente presentes em um mesmo ambiente de ensino e aprendizagem. Este artigo tem a intenção de propor reflexões sobre a importância das atividades presenciais nas escolas de formação do Exército Brasileiro (EB), levando-se em consideração as instruções tipicamente militares. Para tanto, é importante ressaltar alguns entendimentos relacionados aos fundamentos da educação no EB.

 

As bases da educação militar: ensino, pesquisa e desenvolvimento de valores atitudinais

A organização do ensino é distribuída, basicamente, em dois blocos: o das disciplinas acadêmicas, a maioria ministrada em sala de aula, que, com relativas perdas, podem ser mais facilmente ministradas a distância; e o das disciplinas profissionais, em sua maioria desenvolvidas de forma prática, com emprego de material militar (pistolas, fuzis, granadas, carros de combate e equipamentos de engenharia, entre outros), além de exercícios no terreno, que envolvem, necessariamente, atividades em grupo e tornam-se impossíveis de serem conduzidas a distância. Nesse tipo de atividade, pratica-se o “aprender fazendo”, que exige a existência do material e a presença do grupo.

Por sua vez, os valores atitudinais, ligados à disciplina, ao respeito à hierarquia, à postura militar e à camaradagem, entre outros, são assimilados e praticados na rotina diária, desde o despertar, com o toque de alvorada, a arrumação da cama e do alojamento, até o corte de cabelo, o cuidado com o uniforme, as formaturas, enfim, tudo que permeia o cotidiano do aluno no quartel. E tudo isso não pode ser feito a distância. Vale ressaltar a existência de um valor caro à carreira das armas, o “espírito de corpo”, definido no manual de Liderança Militar como “a alma coletiva dos integrantes de um grupo”. Esse valor só se desenvolve no convívio diário e em coletividade.

E tudo começa desde os primeiros dias de bancos escolares. Para o oficial combatente do Exército Brasileiro, é na Escola Preparatória de Cadetes “onde tudo começa”. A letra da canção da EsPCEx traz essa mensagem de forma clara, como se observa no trecho a seguir: “Certos de que venceremos/ Luta mesmo desigual, / Ombro a ombro marcharemos/ Para conquistar nosso ideal.” Compartilhar “ombro a ombro” os desafios escolares constitui-se, em si, elemento de fundamental valor pedagógico na formação militar.

As escolas militares, com o regime de internato, proporcionam ao militar uma formação específica, baseada na vivência e no compartilhamento de situações difíceis que exigem uma maior integração entre os indivíduos, o que reforça a ideia de grupo em que os interesses são partilhados e o valor do grupo sobrepõe-se ao do indivíduo. As atividades militares são baseadas no trabalho em grupo, e as instruções militares, desde o início, ensinam que a menor fração de emprego militar é o grupo, seja ele de combate, de engenharia etc. Na cultura militar, há ênfase na subordinação da vontade individual à vontade do grupo, o espírito de corpo, conforme já citado. Esse valor é basilar, o que reforça a necessidade do internato. O grupo é a característica central da sociologia militar, segundo Samuel Huntington (1996). Para ele, uma das principais características da profissão militar é a “corporatividade”, pois a atividade militar é exercida em grupo o tempo inteiro, uma vez que não existe combate isolado.

 

O desafio de alinhar o EaD às atividades presenciais na formação militar

No Exército, a Educação a Distância teve início em 1963, com o Curso de Preparação para a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Mais recentemente, em 2015, foi criado o Centro de Educação a Distância do Exército (CEADEx), com a finalidade de aprimorar a coordenação e o suporte para a Educação a Distância desenvolvida nos estabelecimentos de ensino do Exército Brasileiro. No entanto, a EaD nunca foi aplicada nas escolas de formação.

Existem aspectos relacionados à instrução militar nas escolas de formação que sugerem a necessidade de atividades presenciais. Primeiramente, porque não basta o ensino teórico, pois as instruções exigem manuseios, manipulação e atividades práticas, como o treinamento físico, importantíssimo para a carreira militar, com atividades em grupo diariamente. Além dos aspectos de natureza metodológica relacionados ao ensino prático, existem aqueles de natureza sociológica, relacionados ao fato de a atividade militar só ter sentido em grupo. Não existe operação militar individual, o que pode haver são tarefas individuais, daí a importância do processo de socialização militar. A formação da cultura militar exige tempo de convivência em escolas militares em regime de internato, pois longos afastamentos das escolas prejudicam esse processo.

Tudo isso mostra a relevância das atividades presenciais na condução da educação militar nas escolas de formação, sem desconsiderar as qualidades das ferramentas de EaD.

Embora a Educação a Distância tenha ganhado destaque e seja uma alternativa para facilitar e acelerar a aquisição de conhecimentos, é necessário alertar para a dificuldade de sua aplicabilidade plena em alguns casos.

A Educação a Distância não veio, necessariamente, para substituir a educação presencial, mas, em alguns casos, para complementá-la. Talvez seja esse o caso da educação nas escolas de formação do Exército.

Por tudo que foi exposto, fica evidente a impossibilidade de sua aplicação integral em substituição ao regime de internato nos estabelecimentos de ensino do Exército Brasileiro.

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Olá professora Sarkis, primeiramente registro minha satisfação ao reencontrá-la em ambiente educacional, ou seja, falando de educação. Desta vez sobre o ensino militar. Como bem descreveu, a doutrina militar, como algumas outras, exige do perfil de seus formandos o desenvolvimento de habilidades e competências que, pelo menos por enquanto, não podem ser transmudados ou transferidos do ambiente prático da convivência diária e em grupo, e suas mais variadas oportunidades de desenvolvimento da sã camaradagem, da lealdade e principalmente do espírito de corpo. Atributos estes que esta nossa nobre profissão exige. Mais uma vez agradeço a oportunidade de enriquecimento em meu "baú de conhecimento", repositório de mais este saber.
Boa tarde veio a través desta deformação regressar nessa escola que se possível esse será o meu desejo
Um orgulho poder proporcionar isso a você! O trabalho publicado no acervo de dissertações e teses da FEUSP expressa toda minha gratidão ao EB ! E minha maior inspiração são meus alunos e ex-alunos!

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