Operação TAQUARI, ensinamentos em operações interagências

Autor: Coronel Luciano Hickert

Quinta, 05 Outubro 2023
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 As Forças Armadas (FA) são instituições presentes em todo o território nacional e com capacidade de responder a situações excepcionais, incluindo também o apoio aos órgãos de segurança pública e de defesa civil. Os diversos meios especializados, como helicópteros, máquinas de engenharia e de apoio logístico, aliados aos efetivos que podem ser concentrados em áreas atingidas, fazem das FA instituições destacadas em momentos críticos, aumentando a presença do Estado face a todas as ameaças e desastres.

No dia 4 setembro 2023, fortes chuvas que totalizaram mais de 250 mm caíram sobre a Serra Gaúcha, provocando um fenômeno raro de transbordamento anormal do rio Taquari. A enchente rápida, durante o período noturno, provocou morte e destruição nas cidades ribeirinhas. Durante a noite de 4 para o dia 5 Set iniciaram os salvamentos, inicialmente por vizinhos e membros da polícia militar e bombeiros, que diante da gravidade da situação, solicitaram reforço para os demais entes públicos.

Devido à necessidade de reforço de meios e pessoal para fazer frente aos diversos desafios observados, o Ministério da Defesa foi acionado, determinando o emprego de tropa das

Forças Armadas para apoiar os demais entes públicos, nas esferas municipais, estaduais e federal, também convocados. Inicialmente, foram empregados meios de helicópteros, seguidos por emprego de engenharia do 4° Grupamento de Engenharia, e depois pelo acionamento da 8° Bda Inf Mtz, que chegou a empenhar o efetivo de mais de 800 homens.

Inicialmente, foram estabelecidas duas Zonas de Ação, uma em Lageado (Sul) e outra em Encantado (Norte), abrangendo assim todas as cidades mais afetadas no vale do rio Taquari. O Comando da 8° Bda Inf Mtz se estabeleceu em Lageado, maior cidade da região, com condições de coordenar toda a área.

Dentre as tarefas destacadas, talvez a fundamental tenha sido a manutenção do bom relacionamento com outras agências, como Bombeiros, Defesa Civil, Polícia Militar, Secretarias Municipais e Estaduais, CORSAN, CEEE, DETRAN, DPEN, PRF, PRE, Polícia Federal, SUS, imprensa, empresas e voluntários civis. Cada órgão buscou apoiar a população dentro da esfera de suas responsabilidades e percebeu-se uma mobilização para além de suas atribuições normais, tendo sido comum servidores varrendo ruas e apoiando a população.

As ações voluntárias foram fundamentais na limpeza das cidades, alimentação e vestimenta dos atingidos. As doações de roupas atingiram níveis recordes. A logística para organizar os comboios e selecionar os itens realmente prioritários para cada posição foram um desafio constante.

 Com afluxo de diversos meios e pessoas para o salvamento, o controle de trânsito foi fundamental para a chegada da ajuda, tendo sido um grande problema inicial. Foi necessário estabelecer normas para que pessoas, em especial particulares, e centrais de distribuição, para melhorar a capacidade de acesso aos locais críticos.

Ainda, foi fundamental o emprego dos meios militares de comunicações de satélites para restabelecer as ligações na cidade de Roca Sales (RS), proporcionando o elo fundamental para coordenar as ações dos diversos órgãos envolvidos. Sem energia, água, e com dificuldades de acesso, sem dados para organizar a logística de suprimento para itens básicos, foi fundamental a função de comando e controle para as operações.

O emprego de grupos de aplicativos envolvendo todos os interessados em informações sensíveis foi essencial para ajuda mútua e colaboração. Além disso, duas reuniões diárias, no início da manhã e final da tarde, foram fundamentais para garantir a consciência situacional nas comunidades, e unir todas as agências.

O 8° Batalhão Logístico foi acionado para prestar o apoio para toda as forças militares na área de operações. Com vocação para o apoio às unidades do Exército desdobradas no terreno, percebeu-se a possibilidade de reforçar a atuação das unidades de manobra e demais agências, pelo emprego de meios especializados, como guinchos, reboques, cisternas de água, estação de tratamento de água, caminhões e veículos tracionados, além de meios e pessoal de saúde.

A unidade desdobrou um Destacamento Logístico, com meios de manutenção, suprimento, engenharia, transporte e saúde. Algumas demandas logísticas puderam ser facilitadas em coordenação com outras agências, como limpeza de uniformes, alojamentos e banheiros, e alimentação para unidades destacadas. Nesse sentido, a possibilidade de interatuar com diversas agências aumentou muito o poder de combate da unidade, facilitando o desenvolvimento de diversas atividades e possibilitando o foco nas necessidades da população.

A 8ª Brigada de Infantaria Motorizada empregou grande parte de seus meios disponíveis na região, sendo incansável nos atendimentos dos pedidos da defesa civil, atuando em todas as ações de salvamento, busca, resgate, distribuição de materiais, limpeza, organização dos trabalhos e estoques, apoio de saúde, e transporte de pessoal e material. De modo integrado, utilizando as melhores características de cada unidade, conseguiu dar uma resposta eficiente para todas as demandas inopinadas, sendo fator decisivo para o sucesso.

Apesar de inúmeras ações positivas, retratadas pela mídia, pelas demais agências e pela população local, foi possível perceber algumas críticas à atuação de nossas forças, muitas vezes oriundas de desinformação ou mesmo busca de desgaste político. As isoladas ações de desinformações que ocorreram puderam ser neutralizadas pela ação das agências locais, e pelo bom relacionamento com os diversos atores. Isso dificultou em muito a ação dos que por ventura procuravam direcionar a opinião da população contra nossas forças.

Após os crescentes pedidos de apoio da população, ocorreu o reforço das equipes de saúde da unidade, pela 3ª Região Militar. Com o aumento das equipes de saúde, percebeu-se a necessidade de ativar Companhia de Saúde do 8° B Log, a fim de coordenar as ações de saúde.

O núcleo da Cia Saúde Logística teve como primeira missão prestar o apoio ao 18° BI Mtz e ao 19° BI Mtz, com a equipe de saúde dessas unidades. Foi realizado o contato com as equipes do Hospital Bruno Born e da UPA 24h, para ser estabelecido o plano de evacuação inicial. Essas atividades preliminares foram fundamentais para o correto entendimento da rede preestabelecida.

Em 07/09, quinta-feira, a equipe de saúde do 8° B Log deslocou-se para nova missão em Encantado (RS), uma das cidades que está coordenando os esforços para reconstrução e apoio às cidades vizinhas. Nessa localidade, foi estabelecido o contato com as autoridades de saúde e verificada a necessidade de atendimento de saúde para a população no Parque João Batista Marchese, onde posteriormente foi alocada uma equipe de saúde do 3° BPE.

No mesmo momento, foi estabelecido contato com o centro de crises e as autoridades presentes em Roca Sales (RS) para que fosse prestado o apoio com a remoção de pacientes que buscavam atendimento para o Hospital Beneficente Santa Terezinha, enquanto era organizada a criação de um posto de atendimento no local, em conjunto com a força-tarefa do SUS, contando com equipes da Força Aérea, Marinha e do Exército.

Em 08/09, sexta-feira, em conjunto com as autoridades de Muçum (RS), foi estabelecido outro posto de atendimento avançado, com meios e pessoal do 6° BCom, do 3° GAEE e equipes da FAB, para atendimentos e busca ativa de pacientes, e para distribuição de alguns kits básicos de higiene e medicações.

Desde então, os atendimentos nesses locais, os apoios de limpeza, reestrutura, obras, segurança e transporte são mantidos em coordenação com equipes de saúde de outros quartéis e forças, bem como auxílio de alguns voluntários civis.

Considerações finais

Diante do exposto, as Forças Armadas possuem a missão de defender a pátria e como missões complementares e subsidiárias podem ser empregadas como resposta às catástrofes e enchentes, como ocorridas no vale do rio Taquari. Nessas atividades, todas as capacidades das Forças Armadas podem ser utilizadas em proveito da população e do Estado.

O aprofundamento do relacionamento interinstitucional é facilitador para todas as operações, sendo fundamental para o andamento das operações de não guerra. O contínuo aperfeiçoamento da doutrina de emprego é essencial para a melhoria das capacidades, inclusive das ações logísticas. Nesse sentido, a complementariedade das Forças, das instituições, e de agentes não governamentais é muito importante para o bem dos cidadãos brasileiros.

Apesar do profundo sofrimento causado pelas enchentes, a ação de toda a sociedade foi fundamental para minimizar as dores e sofrimentos das comunidades atingidas. Somente uma ao ser integrada foi capaz de proporcionar uma resposta tão eficiente quanto a apresentada, evidenciada na multiplicidade de atores unidos em um único objeto: socorrer a população e buscar o retorno das condições mínimas de bem-estar e segurança.

As ações de comunicação social são fundamentais para facilitar a difusão da correta imagem da força, e podem promover a multiplicação do poder de combate, tendo auxiliado na arrecadação de todos os meios, de máquinas até agasalhos e mantimentos.

 

Referências Bibliográficas

- BRASIL. Exército. Estado-Maior. Operações Interagências. EB70-MC-10.248. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2020.      

- BRASIL. Exército. Estado-Maior. Logística Militar Terrestre. EB70-MC-10.238. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2018.

- BRASIL. Exército. Estado-Maior. Logística nas Operações. EB70-MC-10.216. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2019.

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