Operação TAQUARI II, novos ensinamentos em Operações de Ajuda Humanitária

Autor: Coronel Luciano Hickert

Sexta, 17 Maio 2024
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No dia 30 abril 2024, fortes chuvas que totalizaram mais de 800 mm caíram sobre a Serra Gaúcha, provocando um fenômeno raro de transbordamentos anormais dos rios JACUÍ, TAQUARI, SINOS, CAÍ e seus afluentes. A enchente rápida, que ultrapassou 30 metros de altura em vários pontos, provocou mortes e destruição nas cidades ribeirinhas. Logo foram desencadeados os salvamentos, inicialmente por vizinhos e membros da polícia militar e bombeiros locais que, diante da gravidade da situação, solicitaram reforço para os demais entes públicos.
Diferentemente do ano de 2023, a enchente iniciada em pequenas cidades atingiu a capital gaúcha e diversas estruturas estratégicas, como rodovias, instalações de energia e água, atingindo quase todo o estado, alcançando o maior nível da história e superando a enchente de 1941. Os estragos ocorreram por fases, o que dificultou uma maior concentração de meios, prejudicando o acesso por meio terrestre nos locais críticos.
A crise, inicialmente localizada nas regiões do Centro e Nordeste do Rio Grande do Sul, provocou a mobilização de tropas do Exército, em especial de pessoal habilitado para operar em ambiente aquático e em manutenção das rodovias, compostos por tropas de engenharia. Diante da extensão dos danos e dificuldades impostas pela destruição das principais vias rodoviárias, prontamente outras forças foram acionadas, incluindo o Comando de Aviação do Exército que, a despeito das condições atmosféricas desfavoráveis, dirigiu-se para a Região Sul. 
As Forças Armadas (FA) são instituições presentes em todo o território nacional e com capacidades de responder a situações excepcionais, incluindo também o apoio aos órgãos de segurança pública e de defesa civil. Os diversos meios especializados, como helicópteros, máquinas de engenharia e de apoio logístico, aliada aos efetivos que podem ser concentrados em áreas atingidas, fazem das FA instituições aptas para apoiar a defesa civil em momentos críticos, aumentando a presença do Estado face a todas as ameaças e desastres. 
Devido à necessidade de reforço de meios e pessoal para fazer frente aos diversos desafios observados, o Ministério da Defesa foi acionado, determinando o emprego de tropa das Forças Armadas para apoiar os demais entes públicos, nas esferas municipais, estaduais e federal, também convocados. Assim, todas as unidades acionaram o pessoal e, a despeito das dificuldades dos militares cujos familiares estavam também ameaçados, foram desencadeadas novas missões de ajuda humanitária.

Inicialmente, foram estabelecidas duas Zonas de Ação, uma na região central, em Santa Maria (3ª Divisão de Exército), e outra em Lageado, Montenegro, Igrejinha, São Sebastião do Caí, Canos, Eldorado do Sul, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Bento Gonçalves, entre outras (6ª Divisão de Exército), abrangendo assim todas as cidades mais afetadas nos vales dos principais rios que compõem a bacia do rio Jacuí. A 8° Bda Inf Mtz enviou dois batalhões para as áreas mais atingidas na área serrana, mas parte das tropas ficaram isoladas após as pontes e rodovias da área ficarem interditadas. Outras áreas, como a bacia do rio Uruguai e as margens da Laguna dos Patos poderiam ter impactos de similar magnitude e, para essas áreas, foram designadas forças.
Diversos desafios novos foram determinados pelas condições meteorológicas adversas e a prontidão das tropas foi testada ao extremo. O ineditismo da dimensão do desastre colocou à prova todas as estruturas estatais, envolvendo todos os sistemas de apoio. A queda da energia, água e das comunicações dificultava a consciência situacional, e o desencadeamento de novas respostas provou a flexibilidade das forças.
Os desafios expandiram-se com a chegada das águas na região metropolitana do estado, com centenas de milhares de pessoas atingidas, sem água e energia, e sofrendo com os alagamentos. O sistema de diques, já com mais de 50 anos, não foi capaz de deter a força das águas, que invadiram bairros inteiros. Foi necessária uma remodelação das tropas empregadas para acudir as novas áreas afetadas.
Dentre as tarefas destacadas, o trabalho conjunto entre Exército, Marinha e Aeronáutica foi fundamental para a complementação das capacidades. As outras agências, como Bombeiros, Defesa Civil, Polícia Militar, Secretarias Municipais e Estaduais, CORSAN, CEEE, DETRAN, DPEN, PRF, PRE, Polícia Federal, SUS, Imprensa, empresas e voluntários civis, principalmente esses entes não estatais, foram fundamentais para diminuir o número de vítimas. 
Neste instante em que descrevo as ações diretamente do Gabinete de Crise montado no 3º Regimento de Cavalaria de Guardas, ainda sob a pressão das diversas demandas ocasionadas pelas segundas cheias provocadas pelas chuvas da metade do mês de maio, já se planejam as ações futuras, visualizando a limpeza das áreas e a recomposição das estruturas críticas como estradas e fornecimento de água, com abrigo para a população deslocada e manutenção do fluxo logístico.
As ações voluntárias seguem sendo fundamentais nos salvamentos, nesta fase mais intensa para animais e moradores isolados, com ações logísticas e no início da limpeza das cidades, alimentação e vestimenta dos atingidos. As doações de roupas e alimentos em todo o país atingem níveis recordes. A logística para organizar os comboios e selecionar os itens realmente prioritários para cada posição são um desafio constante.
Com afluxo de diversos meios e pessoas para o salvamento, o acesso para as áreas afetadas segue sendo um desafio. A criação de um corredor especial de mobilidade e o conserto de algumas vias importantes têm recebido atenção para garantir os deslocamentos essenciais. O acesso para as maiores cidades foi muito prejudicado, aumentando os tempos de deslocamento em várias horas.
Ainda, tem sido fundamental o emprego dos meios de comunicações de satélites para reestabelecer as ligações, proporcionando um elo fundamental para coordenar as ações dos diversos órgãos envolvidos. Sem energia, água, e com dificuldades de acessos, sem dados para organizar a logística de suprimento para itens básicos, foi fundamental a função de comando e controle para as operações.
Além disso, reuniões diárias foram fundamentais para garantir a consciência situacional nas comunidades e unir todas as agências, estabelecendo as prioridades e visualizando as futuras ações, em todo estado.
O Comando Militar do Sul empregou todos os meios disponíveis na região, sendo incansável nos atendimentos dos pedidos da defesa civil, atuando em todas as ações de salvamento, busca, resgate, distribuição de materiais, limpeza, organização dos trabalhos e estoques, apoio de saúde, e transporte de pessoal e material. De modo integrado, utilizando as melhores características de cada unidade, conseguiu dar uma resposta eficiente para todas as demandas inopinadas, sendo fator decisivo para o sucesso.
Apesar de inúmeras ações positivas, retratadas pela mídia, pelas demais agências e pela população local, foi possível perceber algumas críticas à atuação de nossas forças, muitas vezes oriundas de desinformação ou mesmo busca de desgaste político. As isoladas ações de desinformações que ocorreram puderam ser neutralizadas pela ação das agências locais e pelo bom relacionamento com os diversos atores. Isso dificultou em muito a ação dos que por ventura procuram direcionar a opinião da população contra nossas forças.
Os quadros de dotação de material de cada unidade estão relacionados com as capacidades esperadas para cada organização militar e direcionam os esforços para a obtenção dos meios, os relacionando com a capacidade de operação do pessoal e de manutenção, nas atividades finalísticas. Algumas críticas buscaram desmerecer o esforço de militares, sem entender que nossa atividade-fim é o combate, e que não pouparemos esforço para cumprir missões subsidiárias, mesmo sem o equipamento ou treinamento mais adequado, pois não temos a pretensão de substituirmos os bombeiros e outros órgãos especializados.
As Forças Armadas receberam a missão de apoio à defesa civil e não são os coordenadores das atividades. Assim, buscam incondicionalmente assessorar e ajudar as demais instituições, com a limitação de não serem o protagonista como muitos cidadãos desejariam. Isso se expande para as missões de polícia, que somente são concedidos para os militares do Exército em condições excepcionais, após a publicação de falência do estado local ou intervenção federal.
Com o emprego irrestrito dos meios existentes, está sendo possível verificar a eficiência das novas VBPT Guarani em áreas alagadas, com excelentes capacidades de navegação mesmo em ambiente urbano e com correnteza, tendo tido excelente resposta para o salvamento e distribuição de gêneros.
O emprego de veículos aéreos não tripulados, com capacidade termal, foi importante para localizar vítimas e priorizar as ações, facilitando o direcionamento de nossas tropas e das demais forças. Nesse contexto, o emprego abundante de helicópteros para salvamentos e entrega de suprimentos, assim como de lançamentos de cargas por paraquedas merece destaque, em especial para áreas isoladas por terra ou por água.
A organização de um fluxo multimodal de suprimentos e interiorizado desde Santa Catarina, com transportes aéreos, navais e terrestres, buscando evitar concentrar toda a logística na capital, está sendo importante para garantir a capilaridade dos suprimentos, evitando os gargalos existentes nas rodovias de Porto Alegre para o interior.
Não menos importante foi a existência de uma frota adequada de viaturas de transporte de cargas e pessoal, do tipo 5 Ton, complementada por meios especializados como caminhões Baú, Guinchos e Guindastes, possibilitando o apoio para as diversas missões de transporte em áreas alagadas e nos depósitos de pessoal. A existência de tropas de engenharia, inclusive de construção na BR 116, facilitou os trabalhos de recomposição das principais vias. Outros apoios técnicos possibilitam o lançamento de pontes e passadeiras, mantendo as ligações de emergência e minimizando o isolamento de áreas.
     
Considerações finais
Diante do exposto, as Forças Armadas possuem a missão de defender a pátria e como missões complementares e subsidiárias podem ser empregadas como resposta a catástrofes e enchentes em apoio aos órgãos competentes, como agora no Rio Grande do Sul. Nessas atividades, todas as capacidades das Forças Armadas podem ser utilizadas em proveito da população e do Estado.
O aprofundamento do relacionamento interinstitucional é facilitador para todas as operações, sendo fundamental para o andamento das operações de não guerra. O contínuo aperfeiçoamento da doutrina de emprego é essencial para a melhoria das capacidades, inclusive das ações logísticas. Nesse sentido, a complementariedade das Forças, das instituições e de agentes não governamentais é muito importante para o bem dos cidadãos brasileiros. 
Apesar do profundo sofrimento causado pelas enchentes, a ação de toda a sociedade brasileira é fundamental para minimizar as dores e sofrimentos das comunidades atingidas. Somente uma ação integrada será capaz de proporcionar uma resposta tão eficiente quanto necessária, evidenciada na multiplicidade de atores unidos em um único objeto: socorrer a população e buscar o retorno das condições mínimas de bem-estar e segurança.
As ações de comunicação social são fundamentais para facilitar a difusão da correta imagem da força e podem promover a multiplicação do poder de combate, tendo auxiliado na arrecadação de todos os meios, de máquinas até agasalhos e mantimentos.


 



 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Exército. Estado-Maior. Operações Ajuda Humanitária. EB70-MC-10.236. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2023. 
BRASIL. Exército. COTER. Normas de Emprego das Capacidades da FT em Apoio ao Sistema de Proteção e Defesa Civil. EB70-MC-12.003. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2022. 
BRASIL. Exército. Estado-Maior. Operações Interagências. EB70-MC-10.248. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2020.    
BRASIL. Exército. Estado-Maior. Logística nas Operações. EB70-MC-10.216. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2019.

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