O tombamento de patrimônios históricos: instrumento de benefício para gestão eficiente do bem com valor cultural

Autor: Ten Amanda Maia de Amorim

Quarta, 27 Julho 2022
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O instrumento do tombamento foi instituído, no Brasil, em 1937, com a finalidade, dentre outras, de proteger as características de um bem com reconhecido valor histórico, garantindo sua existência para a sociedade de hoje e para as gerações futuras. O ato de tombar coloca os objetos protegidos sob a vigilância dos institutos destinados a esse fim e, em muitas situações, pode ser considerado com receio e antipatia pelos gestores dos bens, seja por limitar as intervenções físicas, seja por interferir diretamente em seu valor patrimonial.

No entanto, é possível contrapor os eventos limitantes por meio de ações que beneficiam e colaboram com o objetivo maior, que é a preservação do bem. Políticas de proteção, fundamentadas em um repertório legal robusto desde a esfera constitucional, e editais de captação de recursos destinados exclusivamente para a gestão de projetos culturais estão presentes nas rotinas de salvaguarda.

O tombamento pode ser entendido como uma chancela que possibilita oportunidades por meio da ciência dos benefícios legais, sociais, nacionais e internacionais já existentes.

A valorização da cultura, da identidade nacional e do sentimento de pertencimento é a justificativa para a valorização dos bens edificados tombados. Contribuir para seu reconhecimento social por meio de estratégias de uso contínuo desses equipamentos os torna sustentáveis e persuade a sociedade do instituto do tombamento e de seus benefícios. Somada? ao entendimento social, a ação do gestor desses bens, reconhecendo e aplicando os mecanismos disponibilizados para o financiamento dos custos que um imóvel protegido inevitavelmente gerará, é premissa fundamental para a compreensão de que a proteção do bem é uma possibilidade eficiente. Ainda, uma boa gestão dependerá da efetiva aplicação das políticas destinadas à manutenção do bem e do assessoramento dado pelos institutos voltados ao patrimônio histórico.

A primeira questão a ser abordada é que o patrimônio, após ser reconhecido e valorado cultural e historicamente, torna-se um direito social, que precisa ser conservado e acessível a todo cidadão brasileiro, estando na posição de um direito difuso. Esse entendimento possibilita que políticas especialmente direcionadas à sua manutenção possam ser desenvolvidas, voltadas para uma gestão eficiente e para a conservação com sustentabilidade.

Pode-se descrever, primeiramente, embasado no reconhecimento do patrimônio cultural como um direito difuso, a aplicação de recursos oriundos de indenizações resultantes de processos judiciais voltados para a proteção do patrimônio histórico. O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, tem por finalidade, dentre outras, a reparação dos danos causados aos bens e direitos de valor artístico, estético e histórico. Nesse contexto, o gestor do patrimônio, caso aja inadequadamente na administração do bem que está sob sua responsabilidade, poderá ter como penalidade indenizar toda a sociedade, reparando qualquer bem de valor histórico.

Outra via importante seria o uso das leis com concessão de benefício fiscal, quando pessoas físicas e jurídicas destinam parte de sua contribuição em impostos diretamente para projetos culturais propostos pelos gestores dos bens de valor histórico. O principal mecanismo de fomento à cultura do Brasil, a Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que ficou conhecida como a Lei Rouanet, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, o Pronac. Seria uma possibilidade de a sociedade influenciar diretamente na dinâmica de gestão do bem tombado, financiando sua proteção.

O uso de mais uma ferramenta para financiar projetos possibilitaria a manutenção dos bens de valor histórico, utilizada por empresas e organizações com interesse nas disciplinas culturais, e incentivaria também a participação coletiva no financiamento de projetos. Os chamados matchfundings são propostos em editais abertos, periodicamente, viabilizando que a pessoa jurídica proponente dobre, ou até triplique, o que é arrecadado em uma campanha de financiamento coletivo. Nesse caso, o cidadão e as organizações que possuam como objetivo comum projetos que promovam a conservação e a divulgação do patrimônio agem colaborativamente na captação e gestão de recursos destinados especificamente para os edifícios tombados.

As possibilidades citadas são as vias de maior abrangência em sua aplicabilidade, em nível federal, havendo outros caminhos de ação regional e local para a captação de recursos e para a gestão do patrimônio tombado. Por fim, o reconhecimento do valor de um bem, por meio do tombamento, descortina possibilidades especialmente vinculadas ao objeto protegido, cabendo ao seu gestor e à sociedade a apropriação efetiva e a execução desses benefícios.


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Referências

Brasil (1985). Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Disponível em: planalto.gov.br. Acessado em: 20 de dezembro de 2021.


Brasil (1988). “Art. 23, III, IV e V”. Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasil (1988). “Art. 216, §1º e §4º”. Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasil (1937). “Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937”. Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Disponível em: planalto.gov.br. Acessado em: 20 de dezembro de 2021.


Brasil (1991). “Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências”; Disponível em: planalto.gov.br. Acessado em: 20 de dezembro de 2021.

BNDES. “Matchfunding BNDES + Patrocínio Cultural”. Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/onde-atuamos/cultura-e-economia-criativa/patrimonio-cultural-brasileiro/matchfunding-bndes-mais-patrimonio-cultural. Acessado em: 20 de dezembro de 2021.

CATEGORIAS:
Cultura História Defesa

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Parabénsbpela matéria. Acredito piamente na manutenção de nossa história pelo tombamento, ou a destinação de IR, para apoio a preservação de monumentos e ou instalações históricas. Acredito que é preciso fazer chegar aos cidadãos e empresários, estas formas de apoio a nossa história. Forte abraço, e sucesso. Douglas Ramos.
Excelente artigo, Amanda! Como servidor civil do nosso glorioso Exército Brasileiro, sou entusiasta deste tipo de assunto e desfrutar da leitura acima reforça ainda mais a importância dos valores históricos dos nossos patrimônios nos quatro cantos do nosso País. Parabéns!
Parabéns à autora pelo excelente e elucidador artigo. E parabéns a todos integrantes do Sistema Cultural do Exército , gestores de um rico patrimônio histórico , material e imaterial do Exército.
Parabéns, excelente artigo. Acompanho com interesse a luta de muitos para transformar as antigas fortificações (FORTES e FORTALEZAS) em Patrimônio da Humanidade. Com certeza os conhecimentos apresentados em muito contribuem para efetividade da valorização e manutenção dos nossos patrimônios. A título de exemplo: a Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande e o Real Forte Príncipe da Beira

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