As primeiras notícias do fluxo de migração de venezuelanos para o Brasil, em grande quantidade, ocorrem nos municípios de Pacaraima (cidade fronteiriça à Venezuela) e Boa Vista, ambos no Estado de Roraima. A situação fez com que instituições governamentais tomassem providências para conter o movimento migratório e resolver os problemas sociais advindos da situação contingencial que não era vista na região. A crise econômica, política, social e alimentar da República Bolivariana da Venezuela causou essa explosão de deslocamento das pessoas e levou milhares de venezuelanos a entrar no Brasil por via terrestre (outros seguiram para Colômbia, Equador, México, Chile, Argentina e Panamá).
Em virtude do interesse por Pacaraima, foi baixado o Decreto n.º 36, que declara situação de emergência e desenvolve ações humanitárias no município, em razão da triplicação do contingente de estrangeiros. No entanto, a situação continuou insuportável, tanto àquele município, como à capital. Por isso, em fevereiro de 2018, foi editada a Medida Provisória n.º 820/2018 (hoje convertida na Lei n.º 13.684/2018), que dispõe sobre ações de assistência emergencial para acolhimento de estrangeiros que se refugiam no Brasil, a fim de escapar de crises humanitárias em seus países.
Na mesma data, dois decretos foram editados: o Decreto n.º 9.285/2018 e o Decreto n.º 9286/2018. O primeiro reconheceu a situação de vulnerabilidade dos venezuelanos e o segundo definiu a composição, as competências e as normas de funcionamento do Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. O comitê, que é presidido pela Casa Civil, envolve doze ministérios e as três esferas das Forças Armadas, com apoio da ONU, das agências humanitárias e da sociedade civil.
Com o fito de operacionalizar a Medida Provisória, foi criada a Força-Tarefa Logística Humanitária para o Estado de Roraima, a qual desencadeou a “Operação Acolhida” que se destina a apoiar – com pessoal, material e instalações – a montagem de estruturas e a organização das atividades necessárias ao acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade. Suas atividades são desenvolvidas em três frentes: ordenamento da fronteira com o país vizinho na Cidade de Pacaraima; parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e as demais agências de ajuda humanitária no abrigamento das pessoas desassistidas; e fornecimento da logística necessária às ações.
Ganha destaque nessas linhas a interiorização, que é uma das etapas do processo de acolhimento dos migrantes venezuelanos, levados a diversos estados do País para ser integrados à sociedade local. A interiorização está sob a responsabilidade de um subcomitê específico, que trabalha com a Casa Civil e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão da ONU.
O apoio da Força-Tarefa consiste no transporte de migrantes, do abrigo para um local de transição, onde passam por triagem médica. A agência responsável verifica se eles estão de posse dos documentos necessários, como identidade, protocolo referente ao pedido de refúgio ou residência temporária, CPF e carteira de trabalho.
É importante registrar que o processo de interiorização não pode ser visto apenas como uma forma de deslocar os venezuelanos de Roraima para outras localidades. Documentá-los e registrá-los para fins de controle migratório é uma etapa importante, mas não suficiente. Há a necessidade de criação de condições para que possam se integrar à nova sociedade, seja por meio de políticas públicas específicas de saúde, educação e moradia, seja por intermédio de parceria com a sociedade local para inserção nos postos de trabalho.
Se, de um lado, a integração local permite ao imigrante reestruturar a vida em outro país, de outro, acarreta algumas dificuldades no tocante à adaptação. Isso porque a nova sociedade em que será inserido pode representar uma cultura (com hábitos, crenças e tradições) diversa daquela de sua origem. Desse modo, a interiorização é vista como via de mão dupla, pois exige não só a adaptação do sujeito a ser interiorizado, como também da comunidade local, o que impõe mudança de valores, normas e comportamentos, não significando o abandono da própria cultura dos deslocados.
O maior desafio é, portanto, a colocação dos novos moradores no mercado de trabalho, pois a pouca oferta de empregos, aliada à baixa qualificação dos venezuelanos, que, em sua maioria, possui nível médio completo, compromete o processo. Isso sem contar que os venezuelanos vão para os destinos finais sem emprego garantido e têm prazo de três meses para permanecer nos abrigos.
No entanto, impende registrar que a interiorização é muito bem aceita pelos abrigados venezuelanos, pois a grande maioria deseja fazer parte do contingente que é levado para os estados de acolhida. Apenas uma minoria pretende permanecer no Estado de Roraima, em virtude da proximidade com o país natal e os familiares que lá ficaram.
A distância dos locais de interiorização é um fator que pesa na decisão dos abrigados, de aderirem ou não ao processo. Por outro lado, o desejo de recomeçarem a vida em busca de melhores oportunidades sobrepõe-se a essa questão.
Além disso, a proatividade, a simplicidade e a alegria do povo brasileiro, formado pelo processo migratório na sua origem, são grandes atrativos e contribuem para um ambiente em que a diversidade cultural encontra espaço, favorecendo a integração dos que buscam construir um novo lar e uma nova vida.
Hoje, o maior desafio da operação é o processo de interiorização, visto que a ideia de abrigamento é provisória. Todavia, muito há que ser feito para que, de fato, seja efetivado o processo de integração, pois não deve ser visto apenas como uma forma de reduzir os impactos da migração no Estado de Roraima, mas como integração dos venezuelanos na sociedade brasileira.
Co-autora: Profª Fernanda Claudia A. Silva
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