O pensamento crítico e criativo no combate do século 21

Autor: Coronel R1 Paulo Roberto da Silva Gomes Filho

Quarta, 13 Janeiro 2021
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“A mente não é uma vasilha a ser enchida,

mas um fogo a ser aceso.” Plutarco

Em maio de 2020, os Chefes de Estado-Maior das seis Forças Armadas norte-americanas (Marinha, Exército, Força Aérea, Corpo de Fuzileiros Navais, Guarda Costeira e Força Espacial) assinaram e divulgaram um novo documento denominado Developing today´s joint officers for tomorrow´s ways of war. The joint chiefs of staff vision and guidance for professional military education and talent management1.

No documento, os Chefes de Estado-Maior transmitem suas orientações e visões sobre as mudanças que devem ocorrer imediatamente nos sistemas de educação militar e de gestão de talentos das Forças Armadas norte-americanas.

 No texto de doze páginas, destaco um aspecto como estímulo à nossa meditação. As expressões “pensamento crítico” e “pensamento criativo” aparecem no texto mais de uma dezena de vezes. São duas habilidades que o documento descreve como cruciais para que “os líderes de todos os níveis” possam superar intelectualmente seus adversários”.

 Não é sem razão que as Forças Armadas norte-americanas estão preocupadas em estimular o pensamento crítico e criativo de seus oficiais. O ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo no qual os líderes do século 21 atuam exige a capacidade de discernir, dentre um imenso turbilhão de dados e informações, quais são relevantes, quais verdadeiramente interessam e quais estão ali para intencionalmente confundir e desorientar. Exige mentes treinadas na habilidade de pensar criticamente e sensibilidade para entender contextos. Demanda, ainda, um tipo de mentalidade aberta que permita realizar saltos criativos e obter insights.

 Isso ocorre porque a guerra moderna mudou a forma de tratar a informação. Nos tempos em que era escassa, até as chamadas guerras de terceira geração, a informação era tratada como uma commoditie valiosa, assim como o combustível, a munição ou o alimento. Adquirir e manter seguras as informações de alta qualidade era obter uma grande vantagem sobre o inimigo. Na medida em que uma grande quantidade de informação passou a ser digitalizada, tornou-se muito mais simples produzir, transmitir, coletar e arquivar dados e informações. O desafio passou a ser a abundância, não a escassez de dados.

 Para lidar com essa abundância de dados e informações, separando-se o que realmente interessa do que é supérfluo ou mesmo prejudicial, aquilo que é verdadeiro do que é falso ou distorcido, exige-se um pensamento crítico, que tem por característica ser reflexivo e focado, constantemente preocupado em avaliar o processo de pensamento em si mesmo. Trata-se de uma maneira de pensar que requer boa dose de ceticismo e de capacidade de julgamento, além de habilidade para se identificar e examinar hipóteses, influências e tendências.

 Quem emprega as premissas do pensamento crítico, busca entender o todo, de uma forma ampla, de modo a se assegurar de que os problemas sejam analisados a partir de uma perspectiva coerente e fundamentada. Além disso, reconhece a diferença entre resultados de curto prazo e resultados sustentáveis de longo prazo.

 O Exército Brasileiro valoriza o pensamento crítico e criativo. O manual EB70-MC-10.211 - Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres (PPCOT), publicado no corrente ano, dedica uma seção ao assunto em seu capítulo dedicado à Arte do Comando. 

É fundamental que o comandante e seu EM, no desenvolvimento do processo de planejamento das operações, utilizem o pensamento crítico e criativo. Tal medida contribui para a compreensão das situações, para a tomada de decisões adequadas e para a orientação da ação com precisão

EB70-MC-10.211

 

 

 

 

 

 

 

As escolas do Exército Brasileiro, sempre atentas à evolução do combate, também já perceberam, há alguns anos, a importância do assunto. Na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, o pensamento crítico está inserido nos currículos, com carga horária nos Cursos de Altos Estudos Militares e de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército. Dessa maneira, uma massa crítica de oficiais superiores passou a ter melhores condições de assessorar e decidir, contando com essa poderosa ferramenta.

 Um dos mais frequentes erros cometidos por exércitos de todo o mundo, ao longo da história, foi preparar-se para as guerras que já haviam sido travadas, em vez de se preparar para as guerras do futuro. O pensamento crítico e criativo é um antídoto ao dogmatismo que, em sua versão deletéria, impede a evolução do conhecimento e da arte da guerra. Por isso, é essencial aos líderes do século 21.

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1 “Desenvolvendo oficiais de hoje que atuem em Operações Conjuntas para os tipos de guerra do amanhã. A visão e a orientação da Junta de Chefes de Estado-Maior para a educação profissional militar e a gestão de talentos” em tradução adaptada. Disponível em

https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/education/jcs_pme_tm_vision.pdf?ver=2020-05-15-102429-817

  

 

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“Framing an operational environment involves critical and creative thinking by a group to build models that represent the current conditions of the operational environment (current state) and models that represent what the operational environment should resemble at the conclusion of an operation (desired end state). A planning team designated by the commander will define, analyze, and synthesize characteristics of the operational and mission variables and develop desired future end states. Cyberspace should be considered within this framing effort for opportunities as they envision desired end states.” Warren Berger. Cad Monkeys, Dinosaur Babies and T-Shaped People, 53. O Manual Brasileiro EB70-MC-10.211 (PPCOT) trata, no Item 3.4, o assunto em pauta: PENSAMENTO CRÍTICO E CRIATIVO. Me parece que estamos no caminho certo.
Excelente percepção! Pensamento esse que deve se estender até mesmo aos bancos escolares. O homem do século XXI necessita de senso crítico, debates, formação de opinião, para assim, fazer uso da criatividade, corrigir aquilo que não deu certo e programar ações futuras.
Em essência, trata-se das nossas velhas conhecidas, as Leis da Guerra, e uma adaptação ao ambiente tecnológico dos ensinamentos de Sun Tsu. O irônico, é que em pese empenho das Forças Armadas Norte-Americanas, essas orientações ficam restritas ao papel e ao meio acadêmico. Vamos aos fatos. Depois de vinte anos de guerra no Afeganistão, o Governo Norte-Americano está repetindo o mesmo vexame de há 50 anos, quando suas Forças, sua Embaixada e seus cidadãos tiveram que empreender uma vergonhosa fuga para salvar suas peles no Vietnã. Precisa maior comprovação de que os norte-americanos deixaram de lado a experiência de 30 anos, repetiram os mesmos erros e chegaram ao mesmo resultado desastroso? O bicho-papão da vez é o terrorismo, a guerra híbrida, como as guerrilhas urbana e campesina o foram no passado. Alguém está realmente pensando a sério nos bichos-papões das próximas décadas, associados às migrações forçadas pelos desastres ambientais mundo a fora? Ao uso das modernas tecnologias acessíveis às massas para atacar as entranhas dos Estados e dos Governos? Aos oportunistas que pegam carona nas crises sanitárias planetárias para paralisar economias inteiras? Alguém estudou a sério as razões que levaram ao desastre norte-americano no Vietnã? Alguém está estudando a sério porque essa guerra de 20 anos no Afeganistão foi um fiasco para o poder hegemônico dos EUA. Ou os desdobramentos do poderio Chinês e Russo despertado pela consolidação de sua influência inconteste na Ásia? Há razões para nos preocuparmos com a evidência do declínio do poder norte-americano no mundo?

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