O pensamento crítico nos trabalhos de Estado-Maior

Autor: Cel Sousa Pontes

Sexta, 19 Julho 2024
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O mundo atual está mudando tanto e com tanta rapidez que passou a ser caracterizado por acrônimos como VUCA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo); BANI (“Brittle, Anxious, Nonlinear and Incomprehensible”, ou seja, Frágil, Ansioso, não Linear e Incompreensível) e PSIC (Precipitado, Superficial, Imediatista e Conturbado).

A realidade que se impõe nos mostra, a todo o instante, que situações cada vez mais suis generis irão se descortinar e carecerão de soluções inovadoras e criativas, a serem postas em execução num curto espaço de tempo. Ou seja, há de haver eficácia nas soluções e brevidade nas respostas. É evidente que todo esse quadro impacta nas atividades militares, em particular nos seus planejamentos.

Nesse sentido, cabe destacar que, doutrinariamente, há uma ferramenta prevista para ser utilizada sem que, no entanto, apresente-se uma metodologia para sua aplicação: trata-se do Pensamento Crítico (PC). O Estado-Maior (EM), de qualquer escalão, que deixa de exercitar as habilidades do Pensamento Crítico, abre mão de aproveitar uma oportunidade valiosa para o pragmatismo e a agilidade na elaboração de linhas de ação.

Este artigo visa a apresentar propostas de aplicabilidade dessa ferramenta.

O ato de pensar é difícil, uma vez que, por vezes, faz com que tenhamos que considerar pontos que contrariem nossas próprias ideias iniciais. Essa reflexão, embora necessária, requer aquisição de certa competência e treino constante.

No entanto, o ato de falar é bem mais fácil, uma vez que, por intermédio da fala, conseguimos expor nossas ideias. Nessa ocasião é que recebemos as percepções que diferem de nossas inferências, por intermédio daqueles que nos ouvem, mas que possuem pontos de vista distintos.

Assim, valendo-se de uma escuta ativa, com o pleno exercício da empatia e do diálogo franco, rico em argumentos sólidos e coerentes, amalgamando sinergicamente ideias novas, surgem soluções mais criativas e inovadoras, tão caras ao tempo que vivemos. Ao agir dessa forma, estamos praticando e aprimorando essa habilidade pouco conhecida e menos ainda praticada: o Pensamento Crítico.

O Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres (PPCOT) nos apresenta que “é fundamental que o comandante e seu EM, no desenvolvimento do processo de planejamento das operações, utilizem o pensamento crítico e criativo”. No entanto, percebe-se que ainda há lacunas sobre como pensar criticamente, principalmente num trabalho de EM, independente do escalão considerado.

O próprio PPCOT nos aponta que o PC pode ser compreendido como “um processo mental que consiste em um julgamento objetivo e reflexivo para se chegar, mediante a combinação de conhecimento e inteligência, à posição mais razoável e justificada sobre determinado tema”.

Assim sendo, seguem algumas sugestões que podem ser utilizadas, de forma permanente, para a aplicação dessa poderosa ferramenta em planejamentos de EM:

a. Enriqueça seus argumentos: aprenda a evitar argumentos nos quais as premissas não sustentem a conclusão. Certifique-se de que seus argumentos possuem aceitabilidade, relevância, suporte e irrefutabilidade. Aumente sua visão de mundo e seu repertório.

b. Exercite uma escuta ativa: preste realmente atenção aos demais integrantes de sua equipe, evitando a todo custo interromper ou fazer juízo de valor precocemente, julgando de forma precipitada o indivíduo ou seus argumentos. Considere, portanto, todas as ideias e pontos de vista. É bastante provável que surjam novas perspectivas sobre a situação em estudo.

c. Identifique argumentos fracos: escutar atentamente não significa ser cortês e polido, o mais importante é realmente refletir sobre o que é apresentado. Para tanto, faz-se necessário identificar e descartar eventuais falácias e estruturas de raciocínio com pouco poder de convencimento argumentativo. Se for o caso, questione, esclareça as premissas.

d. Não “engesse” seu planejamento: é muito comum “se apaixonar” pela manobra, como muitos costumam dizer. Isso ocorre quando, ao participarmos da elaboração de uma ideia, tenhamos a convicção de que aquele resultado foi trabalhoso e muito bem elaborado e que, por isso, tornou-se infalível. Seja receptivo às críticas construtivas, procure entender o ponto de vista do camarada que, assim como você, almeja por chegar a melhor de linha de ação possível. Baseie-se em dados, não em suas próprias crenças.

Assim, em virtude do que foi apresentado, entende-se que os aspectos elencados, se praticados constantemente, contribuirão de maneira efetiva para o assessoramento eficaz ao comandante, aumentando as possibilidades de elaboração de melhores linhas de ação, inovadoras e criativas.

O mundo VUCA, BANI, PSIC no qual estamos imersos, requer de todos nós as capacidades de adaptação, resiliência e criatividade para solucionar problemas complexos já conhecidos, ou ainda desconhecidos pela Instituição. Qualquer EM, em qualquer escalão que esteja trabalhando, não está livre dessas circunstâncias.

Em resumo, pode-se concluir que o PC propicia um ganho significativo aos assessoramentos, pois fortalece a coragem moral, uma vez que traz mais elementos para a construção de argumentos válidos e fortes, apoiada na fusão de experiências, inteligência emocional e cognitiva, assim como do conhecimento de todos os profissionais presentes nos trabalhos de EM. No entanto, deve se ter sempre em mente que o Pensamento Crítico não ultrapassa, em hipótese alguma, os limites da hierarquia e da disciplina, pilares básicos da profissão militar. A partir da decisão do comandante, passa a vigorar a disciplina intelectual, característica fundamental de todo militar, em especial do assessor de escol.

Assim, o presente artigo tenta despertar os profissionais militares para a relevância do exercício e aprimoramento das habilidades do PC. Na mesma senda, entende-se que o tema deve ser trabalhado cada vez mais em nossos estabelecimentos de ensino, sem esquecer que o Pensador Crítico deve, além das experiências proporcionadas pelas escolas, ter como foco atitudinal o contínuo exercício e o autoaperfeiçoamento constante nessa área importante, necessária e fascinante.

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O presente texto foi escrito em parceria com outro autor. Segue o currículo do segundo autor:

"O Cel Celso Fabiano Vianna Braga é Oficial de Intendência oriundo da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Possui os seguintes cursos do Exército Brasileiro: cursos de Comando e Estado-Maior; Guerra na Selva, Básico Paraquedista; e Dobragem, Manutenção de Paraquedas e Suprimento pelo Ar. Além dos cursos militares, graduou-se em filosofia, pela Universidade do Sul de Santa Catarina, e especializou-se em Sociologia e Filosofia, pela Universidade Gama Filho. Foi Comandante do Curso de Intendência e Subcomandante do Corpo de Cadetes da AMAN; Subdiretor de Auditoria, da Diretoria de Auditoria (atual Centro de Controle Interno do Exército); e Subdiretor de Especialização e Extensão, da Diretoria de Especialização e Extensão (atual Diretoria de Educação Técnica Militar). Comandou o 18° Batalhão Logístico, em Campo Grande/MS. Atualmente, é Coronel Reformado, professor e Pesquisador convidado do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias. O Cel Braga também é Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)."

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Excelente e bastante oportuno o artigo! Cada vez mais o Pensamento Crítico precisa ser exercido neste mundo em constante mudança, onde a desinformação ganha mais espaço que os fatos, e as novas tecnologias trazem mais conhecimentos, possibilidades e desafios! Pensar criticamente é dever de todo profissional que precisa assessorar chefes e comandantes da forma mais efetiva, ética e  justa possível! Parabéns aos autores! 

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