Os primórdios
Em 28 de agosto, o Palácio Duque de Caxias completa 80 anos. O prédio que leva o nome do patrono do Exército se assenta próximo a um ponto de ocupação militar de mais de 200 anos, o Campo de Santana, nascido da doação feita por José da Costa Martins Gil e sua mulher, D. Emerenciana Dantas da Cunha, proprietários da área, para a construção do quartel do 2º Regimento de Infantaria, atual 2º BI Mtz, “Regimento Avaí”.
A obra foi iniciada em 1811, sendo concluída quatro anos depois, passando o aquartelamento a ser conhecido como “Quartel do Campo” e tendo sua frente situada no local onde hoje se encontra o Palácio Duque de Caxias1.
O prédio testemunhou importantes episódios da história do Brasil Colônia e Império, tais como a Aclamação de D. João VI como Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves; o Dia do Fico; a Aclamação de D. Pedro I como Imperador; e a Abdicação de D. Pedro I, até que, em 1855, o Duque de Caxias, nomeado Ministro da Guerra, realizou as primeiras reformas dignas de nota.
Em 1862, na sua segunda passagem pela pasta da Guerra, Caxias transformou o aquartelamento no Quartel-General do Exército Brasileiro, que serviu de palco para a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
Entre 1905 e 1910, interregno que compreende as administrações de Francisco de Paula Argolo, Hermes da Fonseca, Luís Mendes de Moraes, Carlos Eugênio de Andrade Guimarães, José Bernardino Bormann e Emídio Dantas Barreto à frente do Ministério da Guerra2, o prédio recebeu novas reformas e ampliações, tornando-se sede do Estado-Maior do Exército e do Gabinete do Ministro, condição em que permaneceu até o ano de 1937.
O contexto
A construção do complexo arquitetônico que compõe o Palácio Duque de Caxias (PDC) é fruto da intersecção de duas propostas urbanísticas – a melhoria da mobilidade no centro da cidade do Rio de Janeiro e o embelezamento e a modernização da cidade por meio da construção de suntuosos prédios públicos, em especial das sedes ministeriais –, ambas conduzidas sob a égide do governo de Getúlio Vargas.
Em menos de uma década, a então capital federal foi aquinhoada com um rol de construções monumentais que ainda hoje marcam a paisagem carioca, com destaque para o Palácio da Fazenda, sede do Ministério da Fazenda, iniciado em 1938; o Palácio Gustavo Capanema, marco na história da arquitetura nacional, concluído em 1945, e que contou com a consultoria do conhecido arquiteto Le Corbusier3; a sede do Ministério do Trabalho, atual Fórum Ministro Arnaldo Süssekind, inaugurada em 1938; e a sede da Rede Ferroviária Federal, conhecida Central do Brasil.
No que se refere à mobilidade urbana, o processo teve como catalisador o prefeito nomeado, Henrique de Toledo Dodsworth Filho que, em dezembro de 1940, por ocasião de uma palestra proferida pelo seu Secretário de Viação e Obras, o engenheiro Edison Junqueira Passos, expôs o novo modelo de circulação viária para o centro da cidade, estando inclusa a então Av. 10 de Novembro, data da implantação do Estado Novo, e que o tempo transformaria em Av. Presidente Vargas4.
A construção
A pedra fundamental foi lançada no Dia da Independência de 1937, sendo o Ministro da Guerra o General de Divisão Eurico Gaspar Dutra e o Diretor de Engenharia, o General de Brigada Manuel Rabelo. A Comissão Construtora era chefiada pelo então Major Raul de Albuquerque, que tinha como adjuntos o Major José Osório e o Capitão Rubens Rosado Teixeira.
O projeto seguia o estilo Art Decó e esteve sob a responsabilidade do arquiteto Cristiano Stockler das Neves, que foi autor de vários trabalhos na capital paulista, dentre os quais o Edifício Sampaio Moreira que, até a inauguração do Edifício Martinelli, foi o mais alto da cidade5. A proposta incluía a construção de duas grandes alas e a preservação de metade das quatro existentes, mantendo dessa forma o formato quadrangular dos antigos aquartelamentos, unindo passado e presente.
A ala principal, voltada para a avenida que seria construída, constaria de subsolo, sobrelojas, dez andares e de uma torre central com mais 13 andares, enquanto a outra, à retaguarda, mais tarde batizada Ala Marcílio Dias, teria seis pavimentos, contando ambas com 165,00 metros de extensão.
As alas laterais, remanescentes do prédio de 1910, com 160,50 metros e três pavimentos, respectivamente voltadas para a Praça Cristiano Otonni, onde hoje se ergue a Central do Brasil, e para o Palácio Itamaraty, foram conservadas sem alteração.
Para não prejudicar a continuidade dos trabalhos da Administração Militar, a ala principal foi edificada em uma área afastada 20 metros da frente do antigo prédio. A entrada da frente encontra-se revestida de granito vermelho-escuro e preto, abrangendo o saguão de entrada com dois andares, tendo ao fundo, acima do primeiro lance de escadas, um vitral de 13 metros de altura de autoria de Alcebíades Miranda Júnior, representando o “Duque de Caxias em Itororó”.
Na altura do 3º andar e 4º andares, na fachada do prédio, encontram-se dois bronzes, de autoria de Hildegardo Leão Veloso, alusivos à “A Glória Militar”, no lado esquerdo, e à “Apoteose à Bandeira”, no lado direito.
No 9º andar, ficava o Gabinete do Ministro da Guerra, atual Sala D. João VI, assim como o Salão Nobre, adornado com cinco vitrais em seu teto, referentes à “Batalha de Guararapes”, “Defesa das Fronteiras”, “Batalha do Avaí”, “Proclamação da República” e “A Pátria Brasileira”, todos de autoria de Armando Martins Viana.
A seleção dos ornamentos teve a colaboração do jurista e historiador Pedro Calmon, então Diretor da Faculdade Nacional de Direito, atual Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A obra foi inaugurada em 28 de agosto de 1941, constituindo-se no maior edifício público administrativo de sua época, com 86 mil metros quadrados de área e 23 andares, reunindo várias repartições da Administração do Exército então dispersas.
Em 1944, a Av. Presidente Vargas teve seu último trecho inaugurado, que somado à ampliação das instalações da Central do Brasil, principal centro rodoferroviário urbano da cidade do Rio de Janeiro, concluída em 1937, fez com que o PDC ganhasse uma visibilidade nunca antes experimentada.
Finalmente, em 30 de agosto de 1949, sendo o titular da pasta da Guerra Canrobert Pereira da Costa, os restos mortais do Duque e da Duquesa de Caxias foram transladados do Cemitério de São Francisco de Paula, no bairro do Catumbi, para o panteão, erguido no local em que se situava o antigo QG do Exército Imperial.
A administração do novo conjunto arquitetônico coube ao Comando do Quartel-General do Ministério da Guerra, organização militar vinculada à 1ª Região Militar, criada em 19346, que desde aquele ano vinha cuidando da ordem, da disciplina, da polícia, do asseio, da conservação e da defesa do quartel-general. Com o advento do novo QG, passou a denominar-se Administração do Edifício do Ministério da Guerra.
Ministério da Guerra
Durante 30 anos, o PDC foi o principal endereço da Força Terrestre, sendo palco de importantes fatos da História do Brasil e do Exército, tais como a organização da Força Expedicionária Brasileira, em 1944; a deposição de Getúlio, em 1945; os planejamentos para a criação da Escola de Paraquedistas, núcleo da atual Brigada de Infantaria Paraquedista no mesmo ano; o Movimento de 11 de novembro em 1955; a organização do Batalhão Suez; a organização da FAIBRAS; e a mudança de denominação de Ministério da Guerra para Ministério do Exército, em 1967.
No ano de 1971, o General de Exército Alfredo Souto Malan assumiu a função de chefe do EME, em Brasília, marcando o início do esvaziamento do PDC que se concretizaria em 1974, com a ida do Gabinete do Ministro para aquela cidade, relegando o referido prédio à função de QG do então I Exército. No mesmo ano, o Decreto nº 74.705, de 17 de outubro, autorizou o registro do imóvel pela União como Palácio Duque de Caxias.
Atualmente, o PDC sedia 18 organizações militares, sendo sete comandos de oficiais-generais, inclusive o único departamento que não tem sede no QG do Exército em Brasília, o Departamento de Educação e Cultura do Exército. O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) do Rio de Janeiro, nos autos do processo E-18/001.539/98, determinou o tombamento provisório do PDC, em 9 de dezembro de 1998, em um justo reconhecimento a um legado que não é só do Exército, mas de toda a sociedade brasileira.
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1.BENTO, Cláudio Moreira. Quartéis-Generais das Forças Armadas. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial,1988.
2GALERIA DE EX-MINISTROS. Exército Brasileiro. Disponível em<https://www.eb.mil.br/comandante-do-exercito/galeria-dos-ministros-e-comandantes-do-exercito/-/asset_publisher/FJObzMfZdgEQ/content/galeria-dos-ex-ministros?inheritRedirect=false&redirect=https%3A%2F%2Fwww.eb.mil.br%2Fcomandante-do-exercito%2Fgaleria-dos-ministros-e-comandantes-do-exercito%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_FJObzMfZdgEQ%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-1%26p_p_col_count%3D1> Acesso em 4 de setembro de 2021.
3Charles-Edouard Jeanneret-Gris.
4.SOUZA da SILVA, P. (2019). Avenida Presidente Vargas: a fúria demolidora da reforma urbana do Estado Novo na cidade do Rio de Janeiro (1938-1945). Revista Cantareira, (29) Recuperado de https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/30773.Pag 149-150.
5OLIVEIRA, Abrahão. Uma Vida Dedicada À Arquitetura – A Vida e Obra de Christiano Stockler Das Neves. São Paulo em foco. 2014. Disponível em:<https://www.saopauloinfoco.com.br/christiano-stockler-das-neves #google_vignette>Acesso em 4 de setembro de 2021.
6Aviso nº139, de 23 de fevereiro de 1934, do Ministro da Guerra.
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OLIVEIRA, Abrahão. Uma Vida Dedicada À Arquitetura – A Vida e Obra de Christiano Stockler Das Neves. São Paulo em foco. 2014. Disponível em:<https://www.saopauloinfoco.com.br/christiano-stockler-das-neves #google_vignette>Acesso em 4 de setembro de 2021.
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Referências Bibliográficas
BENTO, Cláudio Moreira. Quartéis-Generais das Forças Armadas. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1988.
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