O Mundo PSIC e a Ética Militar

Autor: Gen Ex Richard Fernandez Nunes

Quarta, 03 Janeiro 2024
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Dos artigos mais acessados de 2023: publicado originalmente em 03/02/2023

 

Em abril do ano passado, em artigo publicado neste blogi, provoquei o pensamento crítico dos leitores com a cunhagem do acrônimo PSIC, para caracterizar o ambiente informacional da atualidade.

Decorridos dez meses, retorno ao tema, por constatar que a precipitação, a superficialidade, o imediatismo e a conturbação atingiram patamares consideráveis, devido ao comportamento de muitos civis e militares, quando o assunto abordado é o papel desempenhado pelas forças armadas no cenário nacional.

Tratando especificamente do Exército Brasileiro, cabe relembrar que sua História, cuja gênese remonta às Batalhas dos Guararapes, confunde-se com a própria evolução histórica do País. A atuação da Força Terrestre é ampla e abrangente, cobrindo nosso território de dimensões continentais com o braço forte e a mão amiga, o que exige tomada de decisões desde os níveis político e estratégico aos ambientes operacional e tático. A cada um desses níveis correspondem especificidades no que tange ao estudo de situação e à liderança. É bem sabido que não há solução tática capaz de corrigir uma formulação estratégica inadequada. E é indispensável destacar que só se chega aos mais altos postos percorrendo-se todos os graus hierárquicos, após décadas de dedicação à carreira das armas. Ninguém ingressa no Exército como general!

Essa óbvia constatação é importante para que se compreenda o contexto ético-profissional que distingue a carreira militar. Hierarquia e disciplina, bases institucionais constantes em nossa Lei Magna, representam a própria essência da força armada. São conceitos que traduzem o exato cumprimento do dever e o respeito à cadeia de comando, composta por autoridades, em todos os escalões da estrutura da Força, que alcançam determinada posição, tendo experimentado as vicissitudes de seus subordinados.

Esse arcabouço ético também é composto pelos valores indispensáveis a quem se dispõe a seguir a vida militar: patriotismo, coragem, lealdade, camaradagem, espírito de corpo, fé na missão, entre outros. Esses valores, ainda que universais, podem manifestar-se de modo distinto, conforme o nível de atuação considerado. A coragem esperada de um comandante tático, por exemplo, não se expressa da mesma forma que a de um líder no nível estratégico. Semelhante na essência, distingue-se na demonstração. Se do primeiro se requer o acatamento imediato da ordem recebida para conduzir seus subordinados ao cumprimento da missão; do outro se espera firmeza na defesa de princípios e valores, de tal forma que, por vezes, dizer "não" pressupõe muito mais coragem do que alinhar-se a eventuais pressões de caráter político.

E o que o Mundo PSIC tem a ver com isso? Tudo! Pois é exatamente na dimensão informacional que temos assistido a condutas em desacordo com a ética militar por parte daqueles que, por indignação, ingenuidade, desconhecimento e, até mesmo, má-fé, têm contribuído para disseminar a desinformação, a relativização de valores e, consequentemente, a desunião que enfraquece o espírito de corpo. Fica a pergunta: a que interesses servem tais pessoas?

Analisando-se o que têm expressado, via de regra em mídias sociais e aplicativos de mensagens, que adicionaram a comodidade do anonimato a esse tipo de atitude, facilmente se identificam as componentes PSIC.

A precipitação é marca típica desse ambiente repleto de meias-verdades e fake news, onde se disparam e replicam mensagens sem a menor preocupação com a veracidade dos fatos e a idoneidade das fontes. Toma-se como verdade, de modo absolutamente irresponsável, conteúdos com juízos de valor destinados ao ataque a reputações e à crítica a decisões dos escalões superiores. Iniciado o processo, que é realimentado por “gatilhadas” digitais, o que se produz é uma verdadeira marcha da insensatez. A um militar que se preza não se permite essa falta de cuidado e de lealdade para com a instituição a que serve.

A superficialidade é outro aspecto dissonante do comportamento ético. A atividade militar é, por natureza, grave e complexa. Em tempos de paz ou de conflito armado, lida-se com o poder dissuasório da Nação. Soluções simples para problemas complexos não são a regra. Tratar o emprego do Exército com base em análises simplórias de “especialistas” de ocasião, é o caminho mais seguro para se chegar a concepções inoportunas, parciais e ineficazes, o que é inadmissível por quem quer que tenha um mínimo de seriedade no processo de tomada de decisão. Quando um militar extrapola a esfera de suas atribuições, e passa a opinar publicamente sobre o que não é de sua competência, contribui para o descrédito na cadeia de comando e no cumprimento da missão.

O imediatismo, por princípio, não se coaduna com o caráter permanente atribuído às forças armadas no texto constitucional. A relação custo-benefício de se trocar ganhos imediatos por duradouros resultados positivos costuma caracterizar vitória de Pirro. Os preceitos da ética militar indicam claramente que não se pode prejudicar a reputação e a credibilidade do Exército, conquistadas em séculos de História, por conta do oportunismo de uns e do jogo de interesses de outros, algo que tem sido observado em inúmeras postagens veiculadas em tempos recentes.

A conturbação talvez seja o aspecto mais danoso do Mundo PSIC. A excessiva polarização da sociedade e a atuação dos extremos do espectro ideológico no ambiente informacional têm gerado visões radicais, resultando num círculo vicioso de intolerância e de absoluta ausência de diálogo. Essa situação é inaceitável aos membros de uma instituição apartidária, que se orgulha de oferecer oportunidades a todos os brasileiros, sem distinção de classe social, raça, gênero e credo. O inconformismo com a tradicional postura legalista e de neutralidade do Exército tem dado ensejo a insultos a camaradas de longa data, ataques a reputações típicos de regimes totalitários, “vazamentos” de supostas informações, divulgação de memes difamatórios, tudo para tentar atingir a coesão da Força, em flagrante traição ao sacrossanto respeito à hierarquia e à disciplina.

Sendo os recursos humanos a força da nossa Força, é imperioso reafirmar diuturnamente a essencialidade da prática e do culto aos princípios e valores característicos da profissão militar para o aprimoramento da capacidade operacional necessária ao cumprimento de suas diversas missões.

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i. O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito.html#:~:text=A%20prop%C3%B3sito%20do%20uso%20deste,disponibilizado%20na%20Era%20do%20Conhecimento

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Obrigado Exército Brasileiro,Sou Uma Brasileira que admira nosso Querido Exército.
Eu confio nas Forças Armadas do Brasil. Selva.. Aço.. Força e Honra!
Bom dia, não conhecia esse blog, vai fazer parte da minha leitura diária, muito rica e instrutiva.
Excelente e muito oportuno o artigo.Parabéns !! Em adendo continuo firme na opinião de que, desconhecendo a totalidade das informações e a estratégia decidida, qualquer fala fica no triste e irresponsável limite do “achismo”. Permaneço confiante nas FFAA e na sua estratégia, certo de que permanecerão na defesa da Pátria e do nosso Povo.
Parabéns ao Excelentíssimo Senhor General Richard, Comandante Militar do Nordeste pela matéria sintetizada e exposta perfeitamente a luz da tradição castrense. Me lembrei que ds forma o Excelentíssimo Senhor Marechal Humberto de Alencar Castello Branco se manifestou em relação aos que no passado tentavam desvirtuar e influenciar negativamente os militares desde cadetes aos oficiais subalternos, bem como até ao oficiais superiores e oficiais generais. Sou muito grato por tão importante e sensata matéria nesse momento contemporâneo do Brasil, em que muitos civis tentaram subverter a missão da força terrestre, a qual se manteve honrosamente inabalável no cumprimento de sua missão.
Excelente artigo! Esclarecedor e objetivo. Acredito que muitas pessoas dizem verdadeiros disparates em relação às FFAA, me referindo aos últimos meses, agindo assim de acordo com o denominado acrônimo PSIC por falta de informação. Informação que obviamente não pode ser fornecidade pelas FFAA, o que é completamente aceitável, considerando que estrategicamente as FFAA não podem dar conhecimento de tudo. Sendo assim, pergunto: como reduzir este "problema", considerando que a falta de informação pode dar origem ao comportamento das pessoas enquadrado dentro do PSIC? Nosso povo é simples, com educação formal precária, bombardeado por informações tendenciosas e na sua grande maioria completamente dissociada da verdade.
Excelente texto do Gen Richard. Assim como visto no acrônimo VUCA, o mundo contemporâneo PSIC apresenta características que, interrelacionadas, conduzem a errôneas percepçoes e demandam senso crítico ainda mais apurado do indivíduo. O Mundo PSIC e VUCA enseja dos militares atençao ainda maior a comportamentos que possam se desviar dos esperados pela ética militar.
Some-se a tudo isso, meu caríssimo Gen. Richard, a covardia daqueles que, somente no conforto e segurança das redes sociais, em casa, no seu ar-condicionado, manifestam seus textos de profundo conhecimento, da superfície dos fatos, tirando de suas próprias costas qualquer percentual de responsabilidade por qualquer cenário! Parabéns pela esclarecedora contextualização! Fraterno abraço! Jorge Neiman
O Exército sempre esteve entre as instituições que mais admiro e respeito. Braço Forte, Mão Amiga! Sempre em defesa da nossa Pátria
Gal RICHARD !! Excelente texto onde contextualiza a realidade, embasado em seu longo período no glorioso Exército de Caxias, cursos no ESAO, ECEME e, o ápice da pirâmide, como oficial general. A sua experiência foi muito bem traduzida nesse muito bem escrito texto, serve, com certeza, de parâmetros para a realidade brasileira. Os meus parabéns. As FFAA merecem o nosso respeito. A Sociedade deve ler e interpretar, corretamente, esse texto irretocável quanto a sua natureza e essência. Abraço Fraterno
Perfeita colocação!
muito bom
Cabe aos chefes militares divulgar informações pertinentes a sua tropa, combatendo as famosas fakenews, pois na guerra da informação quem não tem o controle da narrativa acaba sendo derrotado.
Gratidão pelo trabalho de vcs. Vcs tem meu respeito e admiração. Fico muito triste pelos ataques que vcs tem recebido. Sinto muito. Confio nas Forças Armadas. Força e Honra
Boa tarde, excelente artigo do General Richard , nosso exército sempre defendeu e defenderá o nosso Brasil, tive o prazer de permanecer um ano no Batalhão Brasília ( BPEB) o qual tenho muito orgulho. Uma vez PE sempre PE.
Muito bom mesmo.
Gen Richard, sempre uma referência. Parabéns pelo oportuno e esclarecedor texto. Bons profissionais que o leiam com calma facilmente enxergarão a razão nos argumentos. A palavra de ordem é UNIÃO! ??
Há muito tempo não lia uma matéria tão lúcida. Parabéns, General, por compartilhar irreparáveis reflexões sobre a postura institucional do Glorioso Exército Brasileiro nos tempos atuais. Sentimento de orgulho e admiração da coragem moral de profissionais como o senhor.
Excelente texto, Gen Richard. Oportuno e pertinente, leva-nos a refletir sobre o nosso papel como instituição do Estado e, principalmente, sobre a imperiosa responsabilidade dos militares quanto à ética da sua profissão. Somos aquilo que fazemos!
Muito obrigado amigo por suas palavras!
Parabéns pelo artigo, General! Precisamos de mais informações desse nível e com facil acesso nas redes. Seu texto foi a melhor leitura que fiz nesse ano! Obrigada por compartilhar!
Excelente texto!
Sou nacionalista e também de esquerda respeito o exército mas isto não significa que não tenho críticas não tenho nada contra a direita a nacionalista ao menos detesto imperialismo,entrega,neoliberalismo,e sou favorável a reforma de base,acredito que o aliado do Brasil em todos os sentidos é a Rússia e as forças armadas deve abandonar esse alinhamento estupido com os EUA e da nossa propria elite seja a financeira seja a latifundária,estas não sabem o que é ser brasileiro e não meecem esse respeito todo devemos buscar o bem estar do nosso povo independente em ser burguês ou proletariado e combater qualquertipo de separatismo e privatização estratégica. .
Ótimo texto! Sou um civil e almejo seguir carreira militar. Textos como este me inspiram e incentivam a dedicar-me inteiramente aos estudos e futuramente, ao serviço da pátria. Generais como o Gen Ex Richard são exemplos de liderança e dedicação, e seus textos são certeiros e impactantes. Acredito que o Gen Ex Richard não lerá este texto de agradecimento, mas caso alguma outra autoridade militar ou o próprio Gen Ex Richard leiam este texto, saibam que são verdadeiros exemplos para a nova geração!
Excelente, claro, sensato, prudente, realista, este artigo. Uma aula de civilidade.
Li e agradeço as gentis palavras. Fraterno abraço!
Muito obrigado!

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