O militar do Exército Brasileiro: aspectos da formação da cultura castrense

Autores: General de Brigada Carlos Augusto Ramires Teixeira
Quarta, 21 Abril 2021
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O Estado-Maior do Exército aprovou, em 4 de dezembro de 2020, a Diretriz para o Sistema Cultural do Exército (SisCEx). Como integrante do Sistema Nacional de Cultura (SNC), o SisCEx tem ligações técnicas e de cooperação, visando, entre outras metas, a integração do Exército à sociedade em geral, por meio da difusão da cultura castrense.

Nesse contexto, como missão síntese, cabe à Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército preservar e divulgar o patrimônio histórico e cultural do Exército, material e imaterial.

Este pequeno artigo de opinião surgiu após o início da análise da nova portaria e pretendeu reunir ideias pessoais e profissionais sobre a formação do ethos militar e a percepção do brasileiro quanto aos militares do seu Exército.

Recentemente, a sociedade brasileira vem recebendo uma série de informações que tratam do emprego das Forças Armadas, sobretudo do Exército Brasileiro, e da interpretação do artigo 142 da Constituição Federal.

Passados 32 anos da promulgação de nossa Carta Magna e contabilizadas centenas de operações militares no âmbito interno da Nação, é surpreendente que essas questões venham à tona de maneira tão intensa. Mais ainda, quando se percebe a inexistência de um consenso, nas mais diferentes esferas do poder nacional, sobre suas atribuições, competência, subordinação e postura frente a questões de cunho político.

Entendendo que o desconhecimento institucional do Exército por parte da sociedade é parcela do motivo de todas essas questões, pretendo analisar como pensam e atuam os membros da instituição mais respeitada do País, por meio de suas crenças e de seus valores, concluindo que o Estado brasileiro pode confiar nos seus integrantes e valer-se deles para o desenvolvimento nacional. Não tenho, evidentemente, a mínima pretensão de esgotar o assunto, mas, sobretudo, de estimular a revisão acadêmica sobre o tema.

"Senhor, umas casas existem, no vosso reino onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais. De manhã, a um toque de corneta, se levantam para obedecer. De noite, a outro toque de corneta, se deitam obedecendo. Da vontade, fizeram renúncia como da vida. Seu nome é sacrifício. Por ofício desprezam a morte... A beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de celebrar. Quando eles passam juntos, fazendo barulho, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si. A gente conhece-os por militares… Corações mesquinhos lançam-lhes no rosto o pão que comem; como se os cobres do pré pudessem pagar a liberdade e a vida... Se a força das coisas os impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram, algum dia o farão. E, desde hoje, é como se o fizessem. Porque, por definição, o homem da guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai a coragem, e à sua direita a disciplina".

Essa parcela da carta de Dom Moniz Barreto, escrita ao Rei Carlos I, de Portugal, em 1893, destaca características comuns aos homens da caserna, forjados pelo tempo e pelos ideais que ainda hoje são intrínsecos a muitos exércitos ocidentais.

Já no recrutamento e na formação dos soldados romanos, havia um equilíbrio entre os valores morais (virtus) e a disciplina. Esses dois aspectos, por sua vez, tinham forte embasamento na ética estoica dos gregos, fortalecida mais tarde pelo imperador e filósofo romano Marco Aurélio.

No primeiro milênio da era cristã, destaca-se a influência de São Tomás de Aquino, com suas reflexões sobre a verdade que vão ser incorporadas na virtus dos exércitos ocidentais. O Iluminismo, por sua vez, influenciou a ciência militar com o “método” de Descartes, formatando, ainda mais, a estrutura do planejamento militar e sua lógica objetiva. Por fim, no século XIX, o Positivismo induziu à absorção do altruísmo, dos sentimentos republicanos, da ordem e do progresso. 

O Estoicismo foi uma filosofia originada na Grécia Antiga, no séc. IV a.C., e teve Zenão, Seneca, Crisipo, Epicteto e o imperador romano Marco Aurélio como seus maiores representantes. A base filosófica dessa corrente assentava na crença da sobreposição da razão sobre a emoção e na visão de que o mundo segue uma ordem perfeita, lógica e ética.

Dessa filosofia, deriva boa parte dos valores e das crenças do militar:

a coragem e a consciência do comprometimento da própria vida;

a sujeição à rígida disciplina e à hierarquia;

a disponibilidade permanente;

a rigidez dos treinamentos;

o fiel cumprimento do dever; e

a busca pela justiça.

O Racionalismo Clássico e o Iluminismo, como correntes de pensamento dos séculos XVII e XVIII, também se expressaram como solução às questões sociais e foram avessos ao Absolutismo e aos privilégios dados à nobreza. Seus principais representantes foram John Locke, Voltaire, Descartes, Hegel, Pascal, Rousseau, Montesquieu e Diderot. Como reflexos na formação e evolução castrense, destacam-se:

a busca da objetividade e

o planejamento metodológico;

O Positivismo surgiu na França, no início do século XIX, e tem em Augusto Comte seu maior representante. A filosofia positivista atuou fortemente na área científica e na compreensão da ética humana, por meio de uma visão concreta (positiva) dos fenômenos observáveis. No Brasil, a corrente influenciou a oficialidade jovem e trouxe significativas reflexões sobre o equilíbrio “operacionalidade x cientificidade” do Exército ao início da República, exigindo ponderações posteriores. Por fim, foram absorvidas as ideias de:

verdade científica;

altruísmo; e

ordem por base e progresso, por fim.

Da integração dessas diversas influências, identifica-se muito claramente o porquê de o Exército Brasileiro ter-se mantido incólume neste período tão importante para a consolidação das instituições nacionais democráticas.

O Sistema de Ensino do Exército e seu Sistema de Instrução Militar, juntos, desempenham papel fundamental como base sólida em que se apoia a identificação do “Braço Forte, Mão Amiga!”.

Para ser permanente, como diz a Constituição, faz-se mister que esses valores, absorvidos com a evolução da sociedade mundial, sejam também o espelho dos mais ricos ideais do povo brasileiro. Aliado a isso, e de forma absolutamente distinta das demais profissões, a entrega do bem jurídico maior - a vida - para a defesa da Pátria deve estar acima de qualquer sonho, desejo e devaneio. Ao militar, não é permitido nem ao menos a hipótese da dúvida! Por isso, a construção de seu pensamento e diálogo rápido, objetivo, clássico, ortodoxo e cartesiano.

A observação dos protocolos próprios do quartel é um excelente indicativo para seu povo a quantas anda a prontidão do seu Exército:

alvorada: 6h

hasteamento da Bandeira Nacional: 8h

arriação da Bandeira Nacional: 18h

silêncio: 22h

No intervalo desses importantes momentos, quando não em operação militar: o diálogo entre os oficiais e as praças nas formaturas, cerimônias e rotinas diárias; a instrução militar; o cuidado com a higidez física; os exercícios no terreno; a ordem unida e a manutenção do material de emprego militar.

Destaque especial às cerimônias de “entrega da boina” aos recrutas incorporados no ano corrente, de saudação aos patronos das armas, de datas cívicas e de entrega de medalhas.

E sempre: disponibilidade permanente!

Na rotina militar, não existe vazio referencial.

É certo também que a linguagem e o comportamento próprios criam no inconsciente coletivo popular a percepção do isolamento.

Erroneamente!

Diversas unidades do Exército apoiam as mais diferentes iniciativas, nas esferas municipal, estadual e federal, e aproximam crianças, jovens e adultos dos quartéis de suas cidades. Como exemplos, o Programa Força no Esporte, o Soldado Cidadão, os diversos convênios e acordos técnicos de apoio a um número significativo de universidades, visando ao atendimento por soluções de gestão pública.

Não à toa, o Exército é reconhecido como uma das instituições mais confiáveis do País.

Basta, pois, a promoção de uma aproximação da parcela social que ainda não o conhece.

É permitido conhecê-lo para integrar e interagir.

Estamos entusiasmados por oferecer essa "janela de oportunidade" à sociedade, em colaboração com o Sistema Nacional de Cultura!

Comentarios

Comentarios
Mostrar o exército e sua cultura a população civil será aproximar a sociedade a história desta instituição de maior valor em honestidade atualmente no Brasil e a mais respeitada!!
Excelente, Gen Ramires! Parabéns! Ousaria sugerir a inserção de um parágrafo que relacionasse os altos índices de credibilidade à permeabilidade da Instituição no País, o que contribui sobremaneira para que muitos conheçam e interajam com ao menos um militar...
Conciso, preciso e muito esclarecedor. Excelente leitura para se entender melhor o comportamento militar e a estruturação da instituição Exército Brasileiro.
Saudações, Senhor Carlos! Estamos aprendendo por aqui. Esperamos que esta envolvente introdução continue. Agradecemos por compartilhar!
Obrigado, prezado Jonatan. Por favor, mantenha contato. https://www.dphcex.eb.mil.br Instagram: @dphcex
Obrigado, prezado amigo Porto! Por favor, mantenha contato. https://www.dphcex.eb.mil.br Instagram: @dphcex
Perfeito, Gen Tales Villela! Segundo https://exame.com/brasil/datafolha-forcas-armadas-e-a-mais-confiavel-para-os-brasileiros/, publicada em 13/04/2019: "As Forças Armadas são consideradas como a instituição mais confiável para os brasileiros, segundo pesquisa divulgada ontem (12) pelo Datafolha. O levantamento aponta que 45% dos entrevistados dizem "confiar muito" em Exército, Marinha e Aeronáutica." Sobre a "estratégia da presença", é fato que o militar do Exército Brasileiro é, por vezes, o único elo entre a Sociedade e o Estado, justamente pelo seu preparo técnico-profissional para atuar em lugares de difícil acesso. Abraço! https://www.dphcex.eb.mil.br Instagram: @dphcex
Muito grato, Cel Frizotti, por sua contribuição. https://www.dphcex.eb.mil.br Instagram: @dphcex
Excelente! Orgulho de ter sido forjado por esta instituicao! Saudades da Caserna!
Parabéns pelo brilhante trabalho, que vai esclarecer o tema na Sociedade Civil e Militar.
Extremamente atual, Cmt. A necessária integração, já tão trabalhada, entre a Instituição e a população, da qual somos parte, necessariamente deverá atentar para as nuances do artigo.
Parabéns general. Belo texto reflete os valores éticos e morais do exército brasileiro. Saudades da caserna
Excelente! Parabéns! Todos deveriam ler e divulgar!
Parabéns, Sr Gen Ramires, pela excelência do artigo! A recente Diretriz do EME para o Sistema Cultural do Exército possibilita, de maneira clara e abrangente, a oportunidade para que a Força Terrestre possa, por intermédio da DPHCEx, continuar a manter a integração com a sociedade em geral, como foi muito bem discorrido no decorrer do artigo de sua lavra. Que a “janela de oportunidade” possa ser bem aproveitada pela sociedade, ombreada e na mesma cadência dos seus irmãos de farda.
Ótima iniciativa General , sempre é bom.passar os valores éticos e morais do Exército para a sociedade ..ainda mais nesse período que estamos passando de quase total ausência de valores morais e éticos em nossa juventude
Belo texto Gen! Excelentes exemplos e belas reflexões sobre a vida na caserna. Sempre é bom lembrarmos os valores cultuados na caserna, em especial a ética dos profissionais militares. AÇO! CAVALARIA! BRASIL!
Excelente explanação no que tange a identidade humana e o resgaste do que se perdeu. A cultura é a ferramenta que molda a visão de mundo do ser, é salutar resgatar o mais antigo possível a identidade humana, com vista as futuras gerações poderem acessar indentidades humanas mais ricas e de tempos áureos.

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