Entre os diversos atributos da profissão militar, um é exaltado com veemência, porque deve ser desenvolvido desde o primeiro momento, em que se dá o ingresso nas instituições militares: trata-se da liderança. Por princípio, a condição sine qua non estabelecida para que a liderança exista no mundo real é que haja líderes e liderados, sem os quais o conceito permanece estéril.
Sabe-se que a liderança não é ontológica, portanto, ninguém nasce líder, ao contrário, os arquétipos do líder são desenvolvidos ou embotados ao longo de sua trajetória a depender de tantos outros fatores que influenciam direta ou indiretamente o seu modo de ser e de existir no mundo, especialmente, quando se refere à vida militar.
Aprende-se desde muito cedo que o exercício da profissão militar está intimamente relacionado com o exercício da liderança, portanto, estimula-se o desenvolvimento de comportamentos e habilidades condizentes com o éthos que distingue as ações próprias do líder. Aliás, o significativo valor que se dá ao exercício da liderança a torna objeto de avaliação regular a que todos são submetidos ao longo da carreira.
Embora a liderança militar possa ser considerada um tipo específico de inter-relacionamento em razão das próprias imposições do ambiente em que ela ocorre, ela não é genuinamente militar, o que mostra sua interface multidimensional ao amalgamar no mesmo cadinho diferentes aspectos subsumidos a outros modelos de liderança.
Contudo, a abordagem mais fácil de ser detectada em razão de sua prática comum dentro das organizações é a transacional. Outro aspecto interessante a ser considerado no estudo da liderança de maneira geral é que o seu exercício contempla, a priori, o “jogo” das aspirações pessoais (individuais) dos sujeitos envolvidos, podendo evoluir, entretanto, para aspirações coletivas (grupais).
A liderança, do ponto de vista militar é uma componente intrínseca ao exercício do comando, em qualquer nível e em qualquer esfera, da mais diminuta fração ao mais complexo escalão, embora a própria deontologia orgânica da vida castrense regule ou pelo menos balize os limites e possibilidades do seu exercício, tratando-se de um processo educativo.
Feitas as considerações iniciais, a pergunta de partida que se propõe é: em que medida o ideário da liderança transformacional pode ser apropriado como práxis do líder militar nos dias atuais, visando atenuar o modelo de liderança transacional bastante comum nas organizações? Nesse sentido, recorre-se à obra Transformational Leadership (Liderança Transformacional – tradução livre), segunda edição, datada de 2006, dos autores norte-americanos Bernard M. Bass e Ronald E. Riggio, suportada por outros autores que servirão de aporte teórico à ideia principal.
Ao compulsar o trabalho de Bass e Riggio, vê-se que a proposta é tributária dos estudos seminais de James MacGregor Burns nos idos de 1978, tendo-se a nítida sensação de que os conceitos explorados perpassam não só a formação militar, mas também o trato com civis. Na introdução do tema, os autores fazem questão de arguir sobre o crescente interesse em relação à liderança transformacional, explicitando o que a distingue da liderança transacional.
A proposição é de que a liderança transformacional represente uma visão de liderança mais atraente do que o aparentemente processo de troca social “frio” da liderança transacional. Isso porque o primeiro tipo trabalharia com a motivação intrínseca e o desenvolvimento positivo dos seguidores, enquanto o segundo está mais limitado à díade recompensa-punição. Nesse sentido, a teoria busca evidenciar o deslocamento do papel do líder passando de simples recompensador contingencial, exercido na liderança transacional, para líder motivador, estimulando seus seguidores a fazer mais do que pretendiam originalmente e muitas vezes até mais do que pensavam ser possível1.
Infere-se que o líder transformacional trabalha para que os seguidores se transformem em novos líderes, demonstrando o grau de maturidade desse tipo de liderança. Resulta dessa visão o paradigma da liderança transformacional, no qual a liderança não é apenas a província de pessoas no topo, podendo ocorrer em todos os níveis e por qualquer indivíduo2. Líderes transformacionais também tendem a ter seguidores mais comprometidos e satisfeitos3. Os autores discorrem sobre o que chamam de componentes da liderança transformacional – vide quadro abaixo –, obtidos pela aplicação do Questionário de Liderança Multifatorial (MLQ):
Componente |
Descrição |
Influência Idealizada (II) |
Os líderes transformacionais se comportam de maneira a permitir que sirvam como modelos para seus seguidores. Os líderes são admirados, respeitados e confiáveis. Os seguidores se identificam com os líderes e querem imitá-los; os líderes são dotados por seus seguidores como tendo capacidades, persistência e determinação extraordinárias. |
Motivação Inspiradora (IM) |
Os líderes transformacionais se comportam de maneira a motivar e inspirar aqueles ao seu redor, fornecendo significado e desafio ao trabalho de seus seguidores. O espírito de equipe é despertado. Entusiasmo e otimismo são exibidos. Os líderes envolvem os seguidores na visão de estados futuros atraentes; eles criam expectativas claramente comunicadas que os seguidores desejam atender e também demonstram compromisso com as metas e a visão compartilhada. |
Estimulação Intelectual (SI) |
Os líderes transformacionais estimulam os esforços de seus seguidores para serem inovadores e criativos, questionando suposições, reformulando problemas e abordando situações antigas de novas maneiras. A criatividade é incentivada. Não há críticas públicas aos erros dos membros individuais. Novas ideias e soluções criativas de problemas são solicitadas de seguidores, que são incluídos no processo de abordar problemas e encontrar soluções. Os seguidores são encorajados a experimentar novas abordagens e suas ideias não são criticadas porque diferem das ideias dos líderes. |
Consideração Individualizada (CI) |
[...] A consideração individualizada é praticada quando novas oportunidades de aprendizado são criadas com um clima de apoio. As diferenças individuais em termos de necessidades e desejos são reconhecidas. As interações com os seguidores são personalizadas (por exemplo, o líder se lembra de conversas anteriores, está ciente das preocupações individuais e vê o indivíduo como uma pessoa inteira e não apenas como um funcionário). O líder, individualmente atencioso, ouve com eficácia. O líder delega tarefas como meio de desenvolver seguidores. |
Por óbvio, não se pretende esgotar o assunto nessa breve reflexão, senão, apresentá-lo para que os líderes militares – em formação ou formados – devam ser sensibilizados e conscientizados para o exercício da liderança transformacional.
Fica o convite para o prezado leitor refletir e interagir conosco a respeito do tema
1 Bass e Riggio, op.cit., p.9.
2 Idem, p.14.
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