Nos últimos 25 anos, a Agenda sobre Mulheres, Paz e Segurança (Agenda MPS) teve inúmeros avanços no Brasil e no mundo. Tendo como marco inicial a Resolução 1325, lançada em outubro de 2000 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), a Agenda MPS é integrada por dez Resoluções daquele órgão que, juntas, visam garantir a proteção a mulheres vulneráveis e fomentar a participação de mulheres em processos políticos e atividades de paz e segurança.
A Agenda MPS tem quatro pilares: (i) Participação; (ii) Proteção; (iii) Prevenção; e (iv) Alívio e Recuperação. Este artigo versa sobre o primeiro pilar e coloca ênfase nos esforços do Exército Brasileiro (EB) na implementação desta Agenda no preparo e no emprego de militares e policiais nas operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU).
O Brasil foi um dos fundadores da ONU, em 1945, e, na ocasião, contou com o apoio de uma mulher, Bertha Lutz, na delegação negociadora da Carta da Organização. Recentemente, quando integrou o CSNU pela 11ª vez como membro não-permanente (2022-2023), o Brasil incluiu a Agenda MPS como uma das sete prioridades de seu mandato. Entre 1945 e 2025, a presença feminina nas contribuições do Brasil junto à ONU não ficou só no discurso e hoje alcança patamares qualitativos importantes, sobretudo no âmbito das operações de paz.
Embora seja desconhecida por boa parte da população brasileira, a Agenda MPS foi oficialmente internalizada em 2011, por iniciativa do Ministério da Defesa (MD). Ademais, merecem destaque os dois Planos Nacionais de Ação (2017 e 2023), resultantes de negociações lideradas pelo Itamaraty, em coordenação com outros Ministérios e atores. Essas e outras iniciativas ofereceram oportunidades até então inéditas às mulheres brasileiras uniformizadas no contexto das operações de paz.
Ao todo, o Brasil desdobrou 359 mulheres uniformizadas em 21 operações de paz, segundo o MD (2024). As pioneiras foram desdobradas em 1992, em Angola (UNAVEM II), quase uma década antes do lançamento da Agenda MPS. O Brasil voltou a desdobrar mulheres em 2003 e, pela primeira vez, como integrante de tropa do EB no Timor Leste (UNMISET). A partir de 2006, no sexto contingente brasileiro no Haiti (MINUSTAH), o número de peacekeepers brasileiras passou a crescer exponencialmente. No apogeu do emprego, em 2012, havia 38 brasileiras desdobradas simultaneamente em cinco operações. Com o término da MINUSTAH, em 2017, houve uma queda acentuada, mas, a partir de 2019, o desdobramento de mulheres voltou a ser incentivado e, desde então, as brasileiras têm ocupado posições cada vez mais importantes, ainda que em números reduzidos. Algumas, inclusive, tiveram os seus trabalhos oficialmente reconhecidos pela ONU e trouxeram prêmios relevantes para o Brasil.
Em 306 ocasiões, as operações de paz da ONU contaram com o apoio de mulheres do EB, segundo o dado inédito compartilhado, em março de 2025, pelo Comando de Operações Terrestres (COTER). Hoje, há dez militares do EB desdobradas em cinco operações. Entre tenentes-coronéis e capitães, elas trabalham como oficiais de Estado-Maior e observadoras militares. Há a previsão de desdobramento de mais três oficiais em 2025, e merece destaque a que exercerá a recém-criada função de Gender Advisor do Force Commander da MONUSCO, na República Democrática do Congo. É a segunda vez que o EB desdobra um dos seus integrantes nessa função – a pioneira foi desdobrada em 2016, na Libéria (UNMIL).
Quanto ao preparo, desde 2005, o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) oferece estágios com instrutores e instruendos de ambos os sexos. O número de mulheres é inferior em razão da proporção entre os que integram as Forças – ainda assim, a mescla favorece a integração e contribui para a implementação da Agenda MPS. Ademais, desde 2021, por orientação do COTER, o CCOPAB passou a oferecer um estágio voltado exclusivamente para mulheres uniformizadas, com o objetivo de complementar conhecimentos operacionais.
Ainda em 2025, depois de anos de preparação, o CCOPAB também conduzirá a primeira edição do Estágio de Pelotão de Engajamento. Trata-se de iniciativa empregada em algumas operações da ONU, que serve de elo entre a liderança da missão e a população local. As mulheres devem compor pelo menos 50% do efetivo, incluindo posições de comando, já que têm acesso a determinados locais e colhem dados que contribuem para a consciência situacional.
Ressalta-se, ainda, a exitosa participação de policiais femininas em uma rigorosa avaliação da ONU, com vistas a aferir a qualidade técnica dos voluntários para operações de paz. A Equipe de Avaliação e Seleção da ONU (UN SAAT, em inglês) esteve no Brasil em 2024 e aplicou provas a 124 profissionais, homens e mulheres, das Polícias Militar, Civil e Rodoviária Federal. Entre os 72 aprovados, 31% são mulheres. O resultado é histórico pelo número de participantes e de aprovados, sobretudo de mulheres.
Assim, os dados recentes sobre preparo e emprego de mulheres militares e policiais evidenciam que o EB vem trabalhando de forma consistente, a fim de implementar a Agenda MPS na sua participação nas operações de paz da ONU.
Esses esforços do EB, junto com as demais Forças Singulares e Forças auxiliares, têm contribuído para que o Brasil alcance as metas para missões individuais estabelecidas pela ONU, na Política de Paridade de Gênero para o Pessoal Uniformizado, lançada em 2018. Com o objetivo de aumentar a quantidade de mulheres nas operações de paz, tal Política estabelece metas anuais, até 2028, com relação à proporção de mulheres desdobradas por país. Em 2024, a meta era de 21% de mulheres em missões individuais e foi alcançada pelo Brasil.
Em suma, as celebrações pelo 25º aniversário da Agenda MPS serão marcadas por avanços, como os do EB. Ainda é preciso aumentar a conscientização, o que tem sido feito por meio de cursos, seminários e debates de alto nível, mas é possível verificar resultados positivos nos últimos anos, fruto de esforços variados e também da vontade política, inclusive de lideranças do EB, em oferecer condições para que mulheres ocupem novos espaços dentro e fora do País.
Comentarios