O batismo de fogo da Força Expedicionária Brasileira (FEB) completa 80 anos: 1 ª Fase das operações na Bacia do Serchio

Autor: Cesar Campiani Maximiano

Quarta, 18 Setembro 2024
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A criação da FEB1, em 09 de agosto de 1943, consubstanciou a vontade nacional brasileira de lutar ao lado dos aliados, em prol dos ideais de liberdade e democracia, contra os horrores do nazifascismo na Europa. Comandada pelo General de Divisão Mascarenhas de Moraes e constituída por um efetivo de cerca de 25000 integrantes, essa Força teve por espinha dorsal a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), organizada aos moldes das existentes no Exército dos Estados Unidos da América (EUA).

O translado da tropa para o Teatro de Operações do Mediterrâneo ocorreu durante quase oito meses, por escalões, em navios norte-americanos2, zarpando do Rio de Janeiro, a partir de 2 de julho de 1944. A primeira leva, com mais de 5000 expedicionários, chegou a Nápoles, na Itália, em 16 de agosto de 1944, representada, em sua maioria, por componentes do 6º Regimento de Infantaria (6º RI), com sede em Caçapava (SP).

Na cidade do Rio de Janeiro, precisamente na área da Vila Militar, a FEB se concentrou e iniciou seu treinamento, deparando-se com desafios significativos, relacionados ao deficiente nível de instrução e de adestramento da tropa no pré-guerra, ao exíguo tempo disponível de preparação e a necessidade de rapidamente migrar da doutrina militar francesa para a americana, sem dispor da totalidade do material e dos manuais de campanha correspondentes. Ao chegar em solo europeu, o recebimento completo do aparato bélico e o cumprimento do programa de adestramento final representaram o centro de gravidade para a entrada da tropa em combate.

No campo de treinamento do Exército dos EUA em Vada, a tropa brasileira pôde, enfim, se preparar com a qualidade e o realismo necessários para a guerra. Além disso, diversos oficiais e praças estagiaram em unidades norte-americanas no fronte, experimentando, desta forma, as primeiras impressões do combate. Nesse período, o valor do pracinha brasileiro não passou despercebido e o seu alto desempenho, sobretudo no exercício final, repercutiu positivamente, rendendo elogios por parte da equipe de instrutores e de oficiais de ligação americanos.

Dessa feita, pôde o General Mark Clark, Comandante do V Exército dos EUA, decidir com confiança e empregar, de forma imediata, a tropa febiana em primeiro escalão na guerra. Como consequência, foi constituído um Grupamento Tático batizado de Destacamento FEB (Dst FEB), sob o Comando do General de Brigada Zenóbio da Costa, subordinado ao IV Corpo de Exército3 norte-americano e estruturado com elementos de manobra, de comando e controle, de apoio de fogo e logístico, bem como de mobilidade, contramobilidade e proteção4.

Para facilitar a compreensão, a reflexão e o pensamento crítico, os aspectos táticos relacionados ao emprego da tropa febiana serão explanados de forma concisa, direta e simples, complementados por figuras igualmente objetivas5. As Operações do Dst FEB na Bacia do Serchio serão, portanto, divididas didaticamente em duas fases: a 1ª Fase, de 15 a 26 de setembro de 1944 - conquista do Monte Prana; e a 2ª Fase, de 29 de setembro a 01 de novembro de 1944 - estabilização à frente de Castelnuovo di Grafagnana (figura 1). Neste texto, será abordada somente a 1ª Fase, sendo a 2ª Fase objeto de trabalho futuro.

Figura 1 – Fases das Operações do Dst FEB na Bacia do Serchio.

Fonte: livro “A F.E.B. pelo seu Comandante” (1947), adaptado pelos autores.

Por ocasião do seu batismo de fogo, o Dst FEB recebeu a seguinte missão: substituir em posição6 o II/370º RI e o 434º Grupo de Artilharia Antiaérea7, ambos dos EUA, na noite de 15 para 16 de setembro; manter o contato com o inimigo; sondar o seu dispositivo com patrulhas; e persegui-lo, caso se retire8. A oeste e leste da zona de ação da tropa brasileira, estavam, respectivamente, a Força-Tarefa 45 e a 1ª Divisão Blindada, ambas norte-americanas.

Assumida a zona de ação e comprovada, por meio de patrulhas, a inexistência de inimigo em contato, o General Zenóbio da Costa decidiu desencadear, nas primeiras horas de 16 de setembro, um movimento para o Norte, com os I e II Batalhões do 6º RI em primeiro escalão. O II Grupo de Obuses do 1º Regimento de Obuses Auto-Rebocado (II/1º R O Au R), ocupando posição de tiro no sopé do Monte Bastione9, apoiou pelo fogo a progressão da infantaria até o limite do alcance do seu armamento, ou seja, quase 10 km. Precisamente, às 14h 22min desse mesmo dia, 16 de setembro, o II Grupo realizou o primeiro tiro de artilharia da FEB em combate. Terminada a jornada e sob o efeito de esporádicos bombardeios de artilharia e morteiros, o Dst FEB ocupou a linha de alturas caracterizada pelas elevações Monte Comunale e Il Monte10, libertando também as cidades de Bozzano e Massarosa11 (figura 2).

Na continuação do avanço, o III Batalhão do 6º RI substituiu o I Batalhão no escalão de ataque. A ocupação de uma outra linha de alturas balizada pelos Monte Ghilardona e C.S. Lucia12, em 17 de setembro, permitiu, em 18 de setembro, a conquista da cidade de Camaiore por tropas lideradas pelo Capitão Ayrosa13. A partir daquele momento, reconhecimentos foram realizados e o dispositivo do Dst, reajustado, de modo a permitir o isolamento das tropas alemães que defendiam o Monte Prana (objetivo principal da 1ª Fase), forçando a sua capitulação (figura 2).

 

Figura 2 - 1ª Fase das Operações do Dst FEB na Bacia do Serchio.



 

 

Fonte: livro “A F.E.B. pelo seu Comandante” (1947), adaptado pelos autores.

Para cumprir o propósito estabelecido, as tropas brasileiras avançaram sistematicamente sobre as principais elevações que circundam o Monte Prana, bloqueando as vias de abastecimento e de provável chegada de reforços aos alemães. Então, por oeste, Camaiore foi efetivamente ocupada em 23 de setembro, ao passo que, por leste, foram controlados os acessos a Convale, por meio da conquista de objetivos de isolamento pelos II e III Batalhões: o Monte Valimono e o Monte Acuto, em 24 de setembro, e a localidade de Pescaglia, em 25 de setembro. No dia seguinte, 26 de setembro, integrantes do I Batalhão atacaram e finalmente conquistaram o Monte Prana. Na iminência de sua captura ou destruição, os remanescentes alemães na região do objetivo, experientes e profundos conhecedores do terreno, lograram se evadir. Estava, pois, cumprida a missão do Dst FEB na 1ª Fase das Operações no Serchio (figura 3).

Figura 3 – Conquista de Monte Prana pelo Dst FEB.


 

 

Fonte: livro “A F.E.B. pelo seu Comandante” (1947), adaptado pelos autores.

Indubitavelmente, a criação da FEB representou a grande oportunidade de modernização e reestruturação que o Exército Brasileiro precisava para dar um salto significativo de qualidade. O Brasil foi a única tropa latina oriunda das Américas a participar da 2ª Guerra Mundial e as dificuldades superadas durante os períodos de organização, treinamento e translado dos expedicionários para a Itália renderam aprendizados únicos. A consequente herança material e imaterial inerente ao combate, aliada à aquisição de uma nova base doutrinária, moderna e com efetividade comprovada em campanha, influenciaram decisivamente os caminhos da Instituição no pós-guerra.

Ao terminar a 1ª Fase das Operações na bacia do Serchio, o Grupamento Tático comandado pelo General Zenóbio da Costa obtivera o tão esperado batismo de fogo. O exitoso cumprimento da missão gerou, interna e externamente, a confiança necessária para o prosseguimento da campanha. Os primeiros contatos com inimigo, veterano combatente alemão, serviram para afastar totalmente qualquer ideia que maculasse a sua competência combativa, acumulada ao longo de quase 6 anos de guerra, bem como o seu refinado preparo e capacidade operacional, moldados a ferro e fogo desde meados da década de 193014. Em realidade, a FEB estava diante de um adversário formidável, capaz e disposto a ceder qualquer avanço no terreno à custa de muito sangue.

É importante lembrar que atributos como iniciativa, audácia, criatividade, coragem e adaptabilidade foram, desde o princípio das operações, bastante observados na tropa. O natural fortalecimento do espírito de corpo e do sentimento de pertencimento florescia a cada dia de luta. A confiança e o conhecimento mútuo, como vias de mão dupla entre superiores, pares e subordinados, seriam gradativamente implementados, à proporção que as missões fossem cumpridas e os reveses, dificuldades e glórias, compartilhadas. A liderança em combate dos febianos dera, de maneira irreversível, seus primeiros e firmes passos rumo a um contínuo processo de aperfeiçoamento e amadurecimento. Em definitivo, o caminho para a vitória final da FEB na Itália começava a ser desvelado.

 

1 Decreto-Lei nº 9.786, de agosto de 1943.

2 O 1º Escalão de Embarque seguiu para a Itália no navio “General Mann”. Os 2º e 3º Escalões viajaram, respectivamente, nos navios “General Mann” e “General Meigs”, ambos chegando em Nápoles no dia 6 de outubro de 1944. Os 4º e o 5º Escalões embarcaram em momentos distintos no “General Meigs”, aportando em Nápoles, respectivamente, no dia 7 de dezembro de 1944 e no dia 22 de fevereiro de 1945.

3 O IV Corpo de Exército, orgânico do V Exército de Campanha e comandado pelo Tenente-General norte-americano Wills Dale Crittenberger (1890-1980), foi a estrutura de guerra a qual esteve subordinada a 1ª DIE.

4 Organização do Dst FEB: 6º RI; II Grupo de Obuses do 1º Regimento de Obuses Auto-Rebocado; 1ª Companhia do 9º Batalhão de Engenharia; 1ª Companhia de Evacuação e Pelotão de Tratamento do 1º Batalhão de Saúde; 2º Pelotão do Esquadrão de Reconhecimento; Pelotão de Polícia do Exército; Pelotão de Intendência; e Pelotão de Sepultamento. Também foram incorporadas duas subunidades norte-americanas, a saber: Companhia “C” do 751º Batalhão de Tanques Médios e Companhia “C” do 701º Batalhão de Destruidores de Tanques.

5 São apresentadas neste trabalho três figuras adaptadas pelos autores, com base no croqui “Bacia do Serchio”, do livro “A F.E.B. pelo seu Comandante”, de autoria do Marechal J. B. Mascarenhas de Moraes, ano de 1947, Instituto Progresso Editorial S. A., São Paulo.

6 Na linha balizada pela lago Massaciuccoli e as cidades de Vecchiano e Filettole, em 15-16 de setembro.

7 Tropa de defesa antiaérea, que em razão da necessidade foi empregada como infantaria.

8 Devido à perda das posições defensivas no rio Arno, o exército alemão passou a executar, além da defesa de área, movimentos retrógrados (ações retardadoras, retraimentos com ou sem pressão e retiradas) ao longo dos principais eixos de penetração (rodovias e caminhos) para o norte da Itália, a depender da situação tática vigente.

9 Situado próximo às localidades de Vecchiano e Filettole. Hoje, o 21º Grupo de Artilharia Campanha, em Niterói-RJ, possui a designação histórica de “Grupo Monte Bastione”, como herdeiro das tradições do II/1º R O Au R.

10 1ª Linha de Objetivos Intermediários do Dst FEB.

11 Conquistada pela 2ª Companhia do I Batalhão, sob o comando do Capitão Alberto Tavares da Silva.

12 2ª Linha de Objetivos Intermediários do Dst FEB.

13 Ernani Ayrosa da Silva (1915-1987) chegou ao posto de General de Exército, tendo comando, dentre outras importantes comissões, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – A Casa do Capitão, o Comando Militar da Amazônia e o Estado-Maior do Exército. O Centro General Ernani Ayrosa, importante espaço de convenções e hospedagem do Exército Brasileiro, situado em Itaipava-RJ, carrega o seu nome, externando a merecida homenagem da Instituição a um dos grandes heróis da FEB.

14 Já no poder, Adolf Hitler implementou, em 1935, o serviço militar obrigatório na Alemanha. Naquele ano, foram convocados 700 mil integrantes da classe de 1914, número este que, nos anos seguintes, cresceu exponencialmente. A estratégia capitaneada pelo General Hans von Seeckt, de manter o efetivo de 100 mil integrantes do Exército alemão, imposto pelo Tratado de Versalhes, como um verdadeiro “núcleo duro” de líderes muito bem treinados e preparados funcionou com proficiência. Tendo por base militares destacados durante a 1ª Guerra Mundial, esse núcleo foi treinado por von Seeckt a partir dos primeiros anos da década de 1920, garantindo, mesmo depois de sua morte, em 1936, a expansão rápida e efetiva do Exército, a partir da segunda metade da década de 1930. Cada cidadão alemão convocado deveria ser transformado em uma verdadeira máquina de guerra. Cada integrante do “núcleo duro” de von Seeckt deveria ser um potencial instrutor e tutor desses jovens no dito processo de expansão. Muito do que foi exitosamente aplicado como Conceito Operacional da Wehrmacht durante a 2ª Guerra Mundial se deve a ele, inclusive a denominada Blitzkrieg.

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Ao celebrarmos os 80 anos do batismo de fogo da Força Expedicionária Brasileira na Bacia do Serchio, é impossível não reconhecer a bravura e o profissionalismo dos nossos soldados. A 1ª fase das operações marcou um feito histórico para o Brasil, reforçando o valor e a determinação da FEB no cenário mundial. Que esse legado continue a inspirar nossas forças e o país. Excelente Coronel.

 

Podemos compravar no texto o valor no nosso Soldado de outrora que apesar da precariedade de equipamentos, instrução e armanento para participar de uma  Guerra, naquela época se adaptaou e foi reconhecido pelos EUA que tratou de colocá-los logo no Teatro de Operações. Parabéns! ao autor Cel André Dias) por esse brilhante trabalho que nós brindou com mais essa Brilhante passagem da FEB. Aguardamos os próximos.

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