O “B” dos BRICS

Autor: Maj Filipe da Silva Araujo

Terça, 22 Agosto 2023
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Em agosto deste ano, ocorrerá na África do Sul, a 15ª reunião dos BRICS. Espera-se que a tônica de integração e de mudanças na hegemonia do sistema internacional volte à tona, depois de um período pandêmico de poucos avanços.

Os BRICS são os atores principais do esforço para transformar o equilíbrio de poder no sistema internacional. Brasil, Rússia, Índia e China formam o grupo de países, originariamente propostos pelo Banco Goldman Sachs, em 2001, porque detinham grande potencial para os investimentos estrangeiros diretos (Schulz, 2020).

A intenção inicial foi essa, recomendar investimentos, contudo, em 2006, na 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas, os próprios países do “BRIC” aceitaram o título. Esses países reúnem condições únicas de população, riqueza e território:

Países com características específicas de população, território e PIB (2023).

Fonte: Elaboração própria com base em Banco Mundial (2023).

Brasil, Rússia, Índia, China e Estados Unidos são os únicos países  que possuem mais de 3 milhões de km², mais de 150 milhões de habitantes e PIB superior a 1,5 trilhões de dólares (Banco Mundial, 2023). São características marcantes que deveriam, em tese, refletir a distribuição do equilíbrio de poder mundial. No entanto, a hegemonia no sistema internacional ainda recai fortemente sobre os Estados Unidos, como resultado de sua vitória na Guerra Fria, ao sobrepujar a União Soviética e o sistema bipolar que vigorou até 1991.

Tal hegemonia passou a ser questionada mais fortemente pelos BRICS depois da crise financeira de 2008, quando a capacidade de regulação das estruturas econômicas mundiais, estabelecidas depois da 2ª Guerra Mundial, mostrou falta de capacidade e legitimidade.

Com isso, em junho de 2009, em Yekaterinburg, na Rússia, os BRICS realizaram sua primeira cúpula. Desde esta primeira reunião, ocorrem encontros anuais que, progressivamente, revelam os interesses e os planos do bloco. As afirmações defendidas vão definitivamente contra o status quo do sistema internacional atual e, também, denunciam a incapacidade das organizações financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, de atender às necessidades de desenvolvimento dos países emergentes (Schulz, 2020).

Em abril de 2011, na Cúpula de Sanya, na China, foi oficializada a incorporação da África do Sul como membro efetivo do bloco. A inserção deste novo membro seguiu outros critérios, diferentes dos utilizados para os membros originais, em uma estratégia de busca de parceiros que reforcem o caráter inclusivo do grupo.

Nesse contexto de inclusão, em 2014, foi criado o formato BRICS-Plus, no qual países não membros são convidados a participar das Cúpulas como forma de ampliar os mecanismos de cooperação e integração. Assim, no período de 2014 a 2018, diversas organizações de cooperação, mais de 50 países e até representantes do G20 e da ONU participaram das cúpulas dos BRICS, aumentando a integração e a pressão contra o status quo no sistema internacional.

Fonte: Elaboração própria com base em BRICS (2023) e Schulz (2020).

Ademais do formato BRICS Plus, atualmente, cerca de 20 países aguardam aprovação para serem membros efetivos do bloco, o que pode ser posto em discussão nesta próxima reunião dos BRICS, em agosto deste ano.

A participação do Brasil neste bloco é estratégica para seu reposicionamento no sistema internacional e consecução dos interesses nacionais. Este bloco busca a reformulação do sistema internacional, propondo um tipo de hegemonia multipolar mais inclusiva para os países emergentes. Ficou clara a posição de destaque dos integrantes do grupo e o potencial de que desfrutam para apresentar tal intenção.

O potencial brasileiro, nesse contexto, é amplo e abrange desde seu eficiente corpo diplomático até as riquezas econômicas e grandes reservas de recursos naturais que dispõe. O Brasil se destaca, de fato, em diversos aspectos.

No campo político, podem ser citados os esforços da diplomacia brasileira em participar de importantes eventos internacionais nos últimos anos, como as negociações quanto ao projeto nuclear iraniano em 2010 e as tratativas em torno do conflito russo ucraniano em 2022 e 2023. A neutralidade e o afastamento geográfico dos pontos de tensão geram grande vantagem ao Brasil neste âmbito.

No campo econômico, além de ter um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de 1,6 trilhões de dólares, possui a maior reserva mundial de água potável, a maior biodiversidade e, também, é um dos maiores produtores mundiais de alimentos (Banco Mundial, 2023 e Brasil, 2023).

Fonte: Elaboração própria com base em Banco Mundial (2023)

O Brasil, ademais de ser um dos cinco países, junto à China, Estados Unidos da América, Índia e Rússia, que possuem as maiores economias, território e população juntos, tem a maior reserva de água potável, consumindo menos de 2% ao ano, em um contexto em que o déficit de água já é tema de segurança nacional em muitos países.

No entanto, o potencial político-econômico do Brasil e sua relevância estratégica não se fazem acompanhar, proporcionalmente, por seu poder militar. O país com a 1ª reserva de água potável mundial, 8º PIB, 5º território e 7ª população, possui apenas o 15º orçamento de defesa em valores absolutos:

Fonte: elaboração própria com base em The International Institute for Strategic Studies (2023).

Apesar da discrepância em relação aos demais países do BRICS, o Ministério da Defesa e as Forças Armadas do Brasil, em um grande esforço de gestão, têm alcançado resultados impressionantes, por meio de programas estratégicos das três Forças, apoiados no impulso à indústria nacional de defesa.

Atualmente, o Brasil se prepara para unir-se ao seleto grupo de 6 países que possuem a capacidade de construir submarinos nucleares, unindo-se aos EUA, Reino Unido, França, China, Rússia e Índia. O Programa de Submarinos (PROSUB) da Marinha do Brasil já colocou em operação 2 modernos submarinos convencionais e está construindo mais 3, além do submarino nuclear Álvaro Alberto que deve ser lançado em 2033 (Marinha do Brasil, 2023 e The International Institute for Strategic Studies, 2023).

A viatura mecanizada com proteção blindada “Guarani”, produzida sob coordenação do Programa Forças Blindadas do Exército Brasileiro, já possui contratos de exportação para 2 países e a lista de interessados já conta com mais 4 (Tecnodefesa, 2021). No total, já foram produzidas 600 de um previsto de 1580 unidades, todas de fabricação nacional, que integrarão as forças mecanizadas e blindadas do Exército Brasileiro (Exército Brasileiro, 2023).

Na dimensão aérea, os êxitos são igualmente surpreendentes. No dia 09 de maio deste ano, a Força Aérea Brasileira inaugurou a linha de produção do avião de caça F-39 Gripen, junto à EMBRAER, empresa brasileira que ocupa a terceira colocação mundial na produção de aviões. Com isso, o Brasil entra para o grupo de 8 países que possuem a capacidade de construir aeronaves de 4,5 geração, ou seja, que possuem atualizações evolutivas em relação à anterior 4ª geração, incorporando melhores aviônica, armamento e segurança (Força Aérea Brasileira, 2023 e The International Institute for Strategic Studies, 2023).

Estes são apenas alguns exemplos dos grandes avanços realizados pela indústria de defesa do Brasil nos últimos anos, contribuindo para o incremento do poder militar e a consecução dos interesses nacionais. Cabe destacar que essas realizações foram logradas com um orçamento de defesa que é aproximadamente um terço do indiano e um décimo do orçamento chinês, atestando a eficiência de gestão do setor de defesa brasileiro.

 

OLHANDO PARA O FUTURO

A posição do Brasil no cenário internacional, integrando o grupo dos BRICS, exige um poder militar compatível com o tamanho do Brasil, em termos territoriais, econômicos e populacionais. Adicionalmente, a escassez de recursos fundamentais como alimentos e água será, gradativamente, um fator gerador de disputas internacionais entre Estados.

Apesar dos grandes avanços apresentados, há ainda, um longo caminho de fortalecimento do poder militar brasileiro levando-o para mais próximo da capacidade dos BRICS. Como exemplo, na tabela comparativa abaixo, vemos o reduzido número de aeronaves de caça e de carros de combate (blindados), além de um efetivo de militares ativos que é metade do percentual indiano (percentual da população economicamente ativa), a título de comparação:


Em conclusão, há a necessidade de buscar-se um maior aporte de planejamentos e investimentos no setor de defesa, com prioridade para a indústria nacional do setor, de modo a permitir a transformação dos avanços obtidos em poder militar, reduzindo a lacuna em relação aos demais países do BRICS. Por meio destes aportes, será possível fortalecer os programas estratégicos mencionados, além de outros igualmente importantes como, por exemplo, os setores cibernético e espacial.

 

 REFERENCIAS

- Banco Mundial (2023). World development indicators. https://wdi.worldbank.org/table

- BRICS (2023). BRICS information portal. https://infobrics.org/

- Reuters (2023). Kremlin says Rusia will take part BRICS Summit proper level. https://www.reuters.com/world/kremlin-says-russia-will-take-part-brics-summit-proper-level-2023-05-30/

- Schulz, J. S. (2020) Diez años del BRICS: Crisis de hegemonía occidental y construcción de un orden multipolar. Revista tempo do mundo. (pp. 189-216) 22(1). Universidad Nacional de La Plata.

- Banco Mundial (2023). World development indicators. https://wdi.worldbank.org/table

- Brasil, República Federativa do (2023). Biodiversidade. Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade#:~:text=O%20Brasil%20ocupa%20quase%20metade,e%20tr%C3%AAs%20grandes%20ecossistemas%20marinhos

- Defense Intelligence Agency (2017). Rusia military power. https://info.publicintelligence.net/DIA-RussiaMilitaryPower2017.pdf

- Exército Brasileiro (2023). Programa Forças Blindadas – Escritório de Projetos do Exército. https://www.epex.eb.mil.br/index.php/forcas-blindadas

- Força Aérea Brasileira (2023). Tag FX-2. https://www.fab.mil.br/noticias/tag/FX-2

- Marinha do Brasil (2023). O Programa de Submarinos (PROSUB). https://www.marinha.mil.br/programas-estrategicos/prosub

- Tecnodefesa (2021). Anunciada exportação do Guarani para Gana. https://tecnodefesa.com.br/anunciada-exportacao-do-guarani-para-gana/

- The International Institute for Strategic Studies (2023). The military balance. Routledge.

Comentarios

Comentarios
Confiança total nas nossas Forças Armadas. Por um Brasil e um mundo melhor. Senta a Pua.
Tenham uma ótima semana
Deus abençoe nosso Exército Brasileiro,e seus soldados que em meio a tanta injustiça, continua em prontidão para o trabalho a que lhes foram propostos. Deus estará sempre ao vosso lado,pois a peleja é dele. Sedes fortes e corajosos estou sempre orando por vocês. Que Deus em Cristo Jesus os abençoe grandemente ?
Confiamos 100% em nosso Exército Brasileiro . Deus, Pátria e Família “ O MELHOR ESTÁ POR VIR” Gratidão
Acredito que ainda seremos potência militar e respeitado devidamente internacional um dia, não muito distante. As forças armadas são de suma importância para a soberania nacional. Deus abençoe as forças armadas só Brasil!
Excelente análise. Assunto atual e pertinente. Parabéns ao pesquisador.
Oro dia e noite por vocês! Ótima análise, porém creio que não seja possível aporte mais consistente em defesa com a atual administração dos gastos públicos. Esse cenario é mais pessimista com a integração das forças sul-americanas, idealizada pelo atual presidente, com orçamentos em defesa unificados da Unasul, os aportes serão mais escassos.
Além da necessidade de incremento dos Programas Estratégicos militares, um grande desafio para o Brasil nesse momento é a diminuição da dependência externa de produtos estratégicos de defesa, de modo que consigamos produzi-los integralmente dentro do país. Parabéns pelo Artigo!
Parabéns pelo conteúdo;

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