Novos ensinamentos no apoio à Defesa Civil

Autor: Coronel Luciano Hickert

Quarta, 21 Agosto 2024
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Muitas críticas estão ocorrendo acerca de ações de Defesa Civil no estado do Rio Grande do Sul (RS), durante este mês de maio 2024. Infelizmente, muitas dessas críticas são direcionadas para as forças de apoio, motivadas pela falta de conhecimento da organização do sistema de atuação dos órgãos envolvidos ou mesmo do Exército Brasileiro (EB) e suas capacidades para ações subsidiárias.

O grande desastre ambiental que destruiu diversas estruturas estratégicas, como rodovias e redes de distribuição de água e energia, testou a sociedade gaúcha, mobilizando todos os meios existentes. O RS é um dos estados que mais possui aquartelamentos do Exército, que foram rapidamente acionados para agirem em suas áreas. A crise escalou rapidamente, chegando no nível federal, que determinou o emprego de tropa das Forças Armadas para apoiar os demais entes públicos, nas três esferas públicas, em Operações de Ajuda Humanitária.

As Forças Armadas (FA) são instituições presentes em todo o território nacional e vocacionadas para a Defesa da Pátria. O fato do País não ter se envolvido em conflitos militares nos últimos 80 anos comprova a eficácia dos militares brasileiros, garantindo uma paz duradoura para a sociedade brasileira, dissuadindo possíveis inimigos.

Além das missões precípuas, as FA possuem capacidades de responder a crises dentro do escopo de não guerra, incluindo também o apoio aos órgãos de segurança pública e de defesa civil. Os diversos meios especializados, como helicópteros, máquinas de engenharia e de apoio logístico, aliados aos efetivos que podem ser concentrados em áreas atingidas, fazem das FA instituições aptas para apoiar a defesa civil em momentos críticos, aumentando a presença do Estado face a todas as ameaças e desastres.

Demonstrando prontidão, todas as unidades do Sul do País acionaram o seu pessoale, a despeito das dificuldades de militares também atingidos, foram desencadeadas diversas ações locais. A enchente, inicialmente localizada nas regiões do Centro e Nordeste do Rio Grande do Sul, provocou a mobilização do pessoal habilitado para operar em ambiente aquático e em manutenção das rodovias, composto por tropas de engenharia. Diante da extensão dos danos, e dificuldades impostas pela destruição das principais vias rodoviárias e clima adverso, outras forças foram acionadas.

O ineditismo da dimensão do desastre, em praticamente todos os municípios do estado e atual expansão das cheias para Santa Catarina, tem sido um grande desafio para o trabalho conjunto, envolvendo sistemas civis e militares. O trabalho conjunto entre voluntários civis, empresas, das forças de Bombeiros, Defesa Civil, Polícia Militar, secretarias municipais e estaduais, companhias de serviços essenciais, além da imprensa, foram fundamentais para diminuir o número de mortes e o sofrimento dos atingidos, e estão contando com apoio incondicional do Exército, Marinha e Aeronáutica, em complementação das capacidades.

A Defesa Civil é protagonista no enfrentamento da crise, atuando em todas as ações de salvamento, busca, resgate, distribuição de materiais, limpeza, organização dos trabalhos e estoques, apoio de saúde, e transporte de pessoal e material. De modo integrado, utilizando as melhores características de cada entidade civil e militar, buscou dar uma resposta eficiente para todas as demandas, recebendo apoio do Exército em centenas de municípios.

Algumas críticas buscaram desmerecer o esforço de militares, sem entender que nossa atividade-fim é o enfrentamento bélico. Daí, surgem algumas limitações para missões subsidiárias, pois os meios existentes não possuem a finalidade de salvamento, podendo constituir-se em instrumentos parcialmente vocacionados para apoiar as crises. Foi o caso dos blindados anfíbios Guarani utilizados em navegação em ambiente urbano pela primeira vez, ou os pontões (partes de pontes flutuantes) utilizados por tropas de infantaria sem treinamento, que foram improvisações para ajudar na situação de crise.

Destaca-se que os quadros de dotação de material de cada unidade estão relacionados com as capacidades esperadas para cada organização militar, na atividade de combate, e direcionam os esforços para a obtenção dos meios, os relacionando com a capacidade de operação do pessoal e de manutenção, nas atividades finalísticas.

O emprego de pontões e passadeira são um exemplo perfeito das críticas realizadas nas mídias sociais sem o pleno conhecimento da estrutura do Exército, pois descaracterizaram o contexto de emprego de tais meios flutuantes improvisados. O uso desses materiais, em área alagada e sem correnteza, foi mais uma adaptação para receber pessoas resgatadas, diante da inexistência de pessoal e meios de flutuação nos quartéis da área, que não tem previsto em seu QDM esse tipo de material.

Uma crítica muito disseminada está ligada à mobilização e capacitação de todas unidades para a Defesa Civil, aumentando as capacidades de atuação dos militares também para outras tarefas. A resposta é complexa, e envolve prioridades para a ação do Exército, ao profissionalismo dos quadros (a maioria da força de trabalho é constituída por servidores temporários e muitos dos quais no serviço militar inicial, incorporados no mês de maio), ao custo para a manutenção do material adquirido para possível emprego no futuro e ao próprio desvio da finalidade da força, redirecionando os esforços para missões tipo polícia (GLO) ou mesmo bombeiros, que são mais vocacionadas para tais atividades.

Apesar de inúmeras inserções positivas na mídia, críticas referindo-se à falta de botes adequados e outros meios especializados de busca e salvamento não foram raras. Nesse aspecto, destaca-se que os meios para transposição de curso de água e pessoal especializado em sua operação são concentrados nas unidades de engenharia, distribuídas na região central do estado. Essas forças especializadas, verdadeiros guerreiros incansáveis para o apoio na água, não somente operam botes, como também estão construindo pontes e portadas, retirando escombros e grandes volumes de lixo que se acumulam, conforme inicia o esvaziamento das regiões alagadas.

Cabe reforçar que as Forças Armadas receberam a missão de apoio à defesa civil, e não são os coordenadores das atividades. Assim, buscam incondicionalmente assessorar e ajudar as demais instituições, com a limitação de não serem o protagonista como muitos cidadãos desejariam. O trabalho em áreas de risco fica materializado pelos diversos militares que adoeceram, afetados por doenças inerentes ao trabalho em áreas alagadas e em clima frio, até a exaustão, ou mesmo no trabalho braçal de desembarque de cargas não paletizadas.

Servem como exemplo para este trabalho conjunto, as diversas ações desenvolvidas de apoio logístico, tanto nos depósitos estaduais como municipais, mantendo o fluxo de suprimentos para toda a população, especialmente de água potável, uma das necessidades mais urgentes e essenciais. Fruto da priorização do abastecimento, meios especializados como guindastes, caminhões e blindados foram disponibilizados, a fim de reestabelecer a água nas regiões mais povoadas, diminuindo o sofrimento de milhões de pessoas.

Assim como nas atividades de apoio à Defesa Civil, destaca-se que as missões de polícia somente são autorizadas para os militares do Exército em condições excepcionais, após a publicação de falência de capacidades do estado local ou intervenção federal. No caso atual, a condição legal não contempla a possibilidade do emprego de tropa para a segurança pública, colocando qualquer ação de militares das FA em ilegalidade no tocante ao patrulhamento, buscas ou ações de força. A existência de facções e a ocorrência de alguns crimes não pode ser enfrentada pelas forças em ajuda humanitária, ficando a cargo dos órgãos competentes, apesar de parte da população requisitar uma maior ação do Exército.

Considerações finais

Diante do exposto, somente com um conhecimento mais aprofundado da estrutura do Exército será possível entender como foi organizado o apoio à Defesa Civil sem que sejam cometidos erros importantes de avaliação. O enfrentamento da crise humanitária decorrente das enchentes de 2024 foi estruturado para que diversas agências trabalhassem em cooperação, coordenadas pelas defesas civis municipais e estadual, definindo competências de cada órgão.

O aprofundamento do relacionamento interinstitucional evidencia como é fundamental o trabalho integrado das operações de não guerra, respeitando as atividades finalísticas de cada instituição envolvida. Nesse sentido, a complementariedade das forças, das instituições, e de agentes não governamentais fica claro no atual momento de apoio à população atingida, reforçando vínculos de confiança mútuos e integração, evidenciados nos gabinetes de enfrentamento da crise.

Entender a estrutura de nosso Exército e das demais instituições deve ser condição sem a qual não se pode realizar avaliação séria sobre as atuações das nossas forças, suas possibilidades e limitações. Dificilmente outros exércitos serão capazes de trabalhar integrados com outros órgãos como tem feito nossa força, pautada no respeito dos limites legais e respeitando as demais agências envolvidas, atuando de acordo com a missão atribuída.

Por fim, tem sido evidente que parte da população tem expectativas por um maior protagonismo das Forças Armadas brasileiras em diversas áreas não afetas à defesa, ocasionando críticas pela falta de maior abrangência em temas ou missões gerais.

Entende-se essa expectativa dos nossos cidadãos pela confiabilidade de nossa força e pelos valores de correção que defendemos, mas espera-se que a sociedade tenha entendimento que a legalidade das ações e a legitimidade no cumprimento de tarefas como GLO ou mesmo para o apoio aos órgãos da Defesa Civil são parte essencial de nossa crença, que sustenta nosso compromisso com a sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Exército. Estado-Maior. Operações Ajuda Humanitária. EB70-MC-10.236. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2023.

BRASIL. Exército. COTER. Normas de Emprego das Capacidades da FT em Apoio ao Sistema de Proteção e Defesa Civil. EB70-MC-12.003. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2022.

BRASIL. Exército. Estado-Maior. Operações Interagências. EB70-MC-10.248. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2020.

BRASIL. Exército. Estado-Maior. Logística nas Operações. EB70-MC-10.216. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2019.

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