Marchando rumo à defesa verde: a descarbonização das Forças Armadas europeias

Autor: 1º Ten Vinícius

Segunda, 24 Junho 2024
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Os eventos climáticos em todo o mundo tendem a se tornar mais extremos e frequentes, ocasionando o aumento de tempestades, inundações, ondas de calor e secas. As consequências desses fenômenos incluem a interrupção do abastecimento de água, redução da produtividade agrícola, impactos nas infraestruturas de produção de energia, e o aumento da propagação de doenças transmitidas por vetores, como a malária e a dengue, típicas de regiões quentes e úmidas.
Tais repercussões resultariam, possivelmente, no aumento de movimentos migratórios e deslocamentos forçados, contribuindo para uma instabilidade social e política, gerando desafios adicionais para os governos e as Forças Armadas (FA). Essas dinâmicas podem, em algum aspecto, aumentar o risco de conflitos armados, decorrente da escassez hídrica e alimentar.
No campo militar, as alterações climáticas também são uma ameaça. Nos EUA, em 2018, um tornado atingiu a Base Aérea de Tyndall, no estado da Flórida. A Força Aérea americana estimou um prejuízo de US$ 4,7 bilhões, relacionados aos danos causados nas instalações, e em 22 caças F-22 Raptor, reduzindo a sua capacidade e estado de prontidão (BARRY et al., 2022).
Na Europa, a maior parte dos países estão dando prioridade à transição energética no setor de Defesa. As estratégias incluem a instalação de usinas fotovoltaicas em Organizações Militares (OM) e a eletrificação das viaturas administrativas. No Reino Unido, o Ministério da Defesa (MD) encomendou o desenvolvimento de uma aeronave elétrica experimental, com o uso de combustíveis sintéticos. O Parque Solar Fotovoltaico Bradenstoke foi o primeiro a ser desenvolvido pelo MD britânico, no ano de 2015. Situado em uma área de 250 hectares (2,5 Km2), pertencente à Royal Air Force (RAF), em Lyneham, possui 269.000 painéis solares, gera 66,3 MWh/ano, e fornece energia para o abastecimento das instalações da Base e 10.000 residências (BSR, 2024).


Figura 1. Parque Solar | Base da RAF | Lyneham, Reino Unido


 

Na Holanda, o Defence Energy Transition Plan of Action estabeleceu metas de redução de combustíveis fósseis — 20% até 2030 e 70% até 2050 — em comparação com os níveis de 2010. Ademais, até 2030, 50% da energia necessária nos acampamentos militares será gerada por fontes renováveis e, até 2050, os acampamentos serão totalmente autossuficientes em termos energéticos (MINISTERIE..., 2021).
Na Eslovênia, no ano de 2020, o MD propôs no Fórum de Consulta para Energia Sustentável no Setor de Defesa e Segurança, o desenvolvimento do projeto Defense Resilience HUB Network in Europe – RESHUB. Apoiado pela European Defence Agency (EDA), o projeto tem a iniciativa de promover a mobilidade de viaturas, embarcações e aeronaves militares com o uso do hidrogênio (EDA, 2020). 
Na Áustria, o MD passou a adquirir veículos elétricos Volkswagen ID.3, para uso em atividades administrativas, bem como promover o aumento da autossuficiência energética nas OM, com a implantação de usinas fotovoltaicas. O ID.3 tem tração traseira com potência de 204 CV,  velocidade máxima limitada eletronicamente em 160 km/h, e está equipado com bateria de 514 quilos e 77 kWh, com o alcance entre 390 e 550 quilômetros (BUNDESMINISTERIUM., 2021).
Na Suécia, o MD objetiva reduzir a dependência de combustíveis fósseis e cumprir as metas nacionais de “emissões líquidas zero”. Essas emissões são internacionalmente conhecidas como Net Zero. Em meio a outros esforços, a Força Aérea sueca conduziu testes em aeronaves JAS 39 Gripen, com uma mistura 50/50 de biocombustíveis – obtido de matéria-prima não mineral como o etanol e o biodiesel – nos motores. Os testes foram bastante positivos, pois não houve alteração no desempenho das aeronaves, tanto em termos de potência quanto de consumo (SWEDISH..., 2020).
Na aviação geral, o SAF (Sustainable Aviation Fuel), também chamado de Biojet ou BioQAV (querosene verde), faz parte do esforço global de redução da emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE). Produzido a partir de fontes renováveis, como a biomassa e a cana-de-açúcar, o SAF pode reduzir a emissão de CO2 entre 70% e 90%, em comparação com o querosene de aviação. Um dos insumos mais importantes para a produção do SAF é o hidrogênio (RAÍZEN, 2023).
Na Suíça, o MD estabeleceu a meta de reduzir a emissão de CO2 em pelo menos 40% até 2030, em comparação às emissões de 2001, a ser alcançada por meio de fontes de energias renováveis e a expansão da infraestrutura de carregamento elétrico (SWISS FEDERAL., 2021).
Diante do acima exposto, observa-se que as iniciativas promovidas pelos MD das FA europeias rumo à Defesa Verde podem servir de reflexão e estímulo ao MD e às FA brasileiras, na criação de programas estratégicos que visem à descarbonização. A implantação de usinas fotovoltaicas, eólicas ou híbridas nas OM oferece vantagens em termos de economicidade e payback (tempo de retorno sobre o investimento), principalmente quanto à possibilidade da autossuficiência, e a resiliência decorrente das interrupções no fornecimento de energia causados por apagões no sistema elétrico nacional.
Na Amazônia, as áreas sob jurisdição do Exército Brasileiro (EB) são ilhas de oportunidades consideráveis para a captura do carbono. Além de contribuir com a compensação das emissões de GEE, a geração de créditos de carbono poderia ser revertida em recursos aplicáveis nos Projetos Estratégicos do Exército ou num Programa de Descarbonização da Força Terrestre, com metas a serem atingidas, gradualmente, até 2050. 
A Base Industrial de Defesa também pode ser desafiada a contribuir com a pesquisa, desenvolvimento e inovação de tecnologias verdes na fabricação de Produtos Estratégicos de Defesa, que venham a substituir o uso de combustíveis fósseis (diesel, gasolina e querosene) nas viaturas administrativas e operacionais, aeronaves e embarcações militares, contribuindo com a modernização e sustentabilidade das FA.
Dado o exposto, é relevante ressaltar que há uma década, os países europeus iniciaram a marcha em direção à Net Zero, em particular a OTAN, no ano de 2014, por meio do Green Defence Framework (NATO, 2014) e, desde então, por meio de uma ampla colaboração entre especialistas civis e militares, os países-membros estão envolvidos no desenvolvimento de estratégias para se atingir as metas rumo à Defesa Verde.

REFERÊNCIAS
BARRY, B.; FETZEK, S.; EMMET, C. The International Institute for Strategic Studies. Green Defence: the defence and military implications of climate change for Europe, 2022. Disponível em: https://www.iiss.org/research-paper/2022/02/green-defence/. Acesso em: 22 mar. 2024. 
BSR. British Solar Renewables. Bradenstoke Solar Park, 2024. Disponível em: https://britishrenewables.com/portfolio/owl-hatch-solar-park. Acesso em: 22 mar. 2024. 
BUNDESMINISTERIUM FÜR LANDESVERTEIDIGUNG. Bundesheer setzt mit Elektromobilität auf mehr Nachhaltigkeit, 2021. Disponível em: https://www.bmlv.gv.at/cms/artikel.php?ID=11230. Acesso em: 23 mar. 2024. 
EDA. European Defense Agency. First Energy Consultation Forum project to receive EU funding, 2020. Disponível em: https://eda.europa.eu/news-and-events/news/2020/03/10/first-energy-consultation-forum-project-to-receive-eu-funding. Acesso em: 23 mar. 2024. 
MINISTERIE VAN DEFENSIE. Defence Energy Transition Plan of Action, 2021. Disponível em: https://english.defensie.nl/downloads/publications/2021/07/21/defence-energy-transition-plan-of-action. Acesso em: 24 mar. 2024. 
NATO. North Atlantic Treaty Organization. Green Defence Framework. 2014.  Disponível em: https://natolibguides.info/ld.php?content_id=25285072. Acesso em: 25 mar. 2024. 
RAÍZEN. Combustível Sustentável de Aviação (SAF): o que falta para a ideia decolar no Brasil, 2023. Disponível em: https://www.raizen.com.br/blog/saf-combustivel. Acesso em: 25 mar. 2024. 
SWEDISH ARMED FORCES. Successful tests with fossil-freefuel, 2020. Disponível em: https://www.forsvarsmakten.se/en/news/2020/12/successful-tests-with-fossil-free-fuel. Acesso em: 26 mar. 2024.
SWISS FEDERAL DEPARTMENT OF DEFENCE. Energy and Climate Action Plan, 2021. Disponível em:  https://commission.europa.eu/energy-climate-change-environment/implementation-eu-countries/energy-and-climate-governance-and-reporting/national-energy-and-climate-plans_en#national-energy-and-climate-plans-2021-2030. Acesso em: 28 mar. 2024. 

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