Lições históricas do combate em ambiente de montanha

Autor: Tenente Kevin Vieira

Sexta, 17 Dezembro 2021
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A instabilidade política e bélica no Afeganistão (agosto/2021), bem como os recentes conflitos nas fronteiras montanhosas entre a Armênia e o Azerbaijão, no último quadrimestre de 2020, evidenciam que as operações em terreno montanhoso permanecem uma realidade no combate moderno.

Sabe-se que as operações bem-sucedidas em montanhas exigem que os comandantes e as equipes compreendam suas peculiaridades e seus riscos, pois a história está repleta de exemplos de forças militares competentes que foram exauridas, derrotadas e, por vezes, destruídas por um adversário de poder relativo de combate inferior. Em terreno montanhoso, batalhas para conquistar regiões de passagem são essenciais, pois o terreno elevado permite controlar importantes vias de acesso e de circulação. Até mesmo as trilhas, aparentemente insignificantes, tornam-se decisivas no combate montanhoso.

Em termos gerais, o ambiente operacional de montanha é um espaço geográfico composto de formas e acidentes com considerável desnível em relação à área circunvizinha. Ele abriga as nascentes da maior parte dos grandes rios e infraestruturas críticas, constitui a base direta do sustento de 12 por cento da população mundial e ocupa cerca de 1/3 do mundo. Na América do Sul, destaca-se a Cordilheira dos Andes, que se estende, de norte a sul, por meio de uma faixa contínua ao longo de toda a região oeste. Se considerada de forma contínua, excede uma elevação de 3.000 metros.

Nesse contexto, este ensaio resgata memórias acerca da experiência da tropa alemã Gebirgsjäger durante a Segunda Guerra Mundial e do 40º Corpo de Exército Soviético no Afeganistão, em 1979, buscando pontuar fatores que influenciam a prontidão de tropas para atuar nesse tipo de terreno no combate moderno.

Nas invasões nazistas, durante a Grande Guerra, as tropas alemãs de montanha, as chamadas Gebirgsjäger, marcharam mais de 400 quilômetros e cruzaram passagens em montanhas acima de 2.000 metros de altura, demonstrando habilidades expoentes em quase todos os teatros de operações. Além do treinamento básico de tropas de infantaria, as tropas Gebirgsjäger eram capacitadas em atividades de escalada, desescalada, esqui, orientação e sobrevivência em montanhas médias e altas. Tais técnicas, aliadas ao alto desempenho físico dessas tropas, conferiam-lhes o status de tropa de elite do Exército Alemão.

Durante a invasão da Polônia, a 1ª e a 2ª Divisão de Montanha foram intrumentos de captura da Passagem de Dukla através das montanhas Carpathian. Após a captura, a Gebirsjäger tinha o objetivo de conquistar a cidade de Lemberg, a aproximadamente 240 km a leste. Ao chegarem à cidade, as tropas alemãs fizeram um cerco e repeliram os contra-ataques poloneses, evidenciando tenacidade e espírito de combate. Com a invasão soviética, os poloneses só entregaram a cidade de Lemberg para a 1ª Divisão de Montanha devido ao respeito que essa divisão adquiriu durante os combates. Após o sucesso na Polônia, a 1ª Divisão foi transferida para a campanha ocidental, enquanto a 2ª Divisão foi designada para participar da invasão da Noruega, notabilizando o prestígio diferenciado da Gebirsjäger.

A vivência dos soldados alemães no ambiente de montanha era anterior ao recrutamento e aos treinamentos militares. A região da Bavária, que era a origem da maior parte dos efetivos da Gebirgsjäger, caracterizava-se por elevações com aproximadamente 3.000m de altitude. Um indivíduo proveniente dessa região tinha melhor predisposição à aclimatação no ambiente do que outro proveniente das planícies. O treinamento especializado para o ambiente de montanha, por sua vez, proporcionava a obtenção das técnicas adequadas para utilizar o terreno a favor das próprias tropas, tanto em sobrevivência no ambiente quanto em ações táticas.

O treinamento de combatentes escaladores objetivava a formação de especialistas, guias de montanha, que se destacavam no âmbito do Exército. Diferenciado era também o emprego dos High Mountain Battalions que, por meio da bateria de artilharia orgânica, ganhavam autonomia e flexibilidade nas operações, principalmente considerando as dificuldades impostas pelas montanhas à logística.

Acerca da experiência do 40º Corpo de Exército durante a invasão soviética em 1979, no Afeganistão, o contingente soviético era composto pela 103ª Divisão Aerotransportada; por batalhões da 108ª e pela 5ª Divisão Mecanizada de Rifles; pelo 860º Regimento Mecanizado; pela 56ª Brigada Aerotransportada e por elementos do 36º Corpo Misto Aéreo; por grupamentos da 201ª e 58ª Divisão de Infantaria; e outras unidades menores.

Observa-se que não havia tropa especializada em ambiente operacional de montanha. O contingente inicial das forças soviéticas na Guerra Afegã-Soviética priorizou o poder de choque, a proteção blindada e a mobilidade. Todavia, devido às peculiaridades das montanhas afegãs, os soviéticos sofreram grandiosas perdas e, dessa forma, sentiram a necessidade de criar centros de treinamento especializados: um em Tajikistan e outro em Azerbaidzhan, países pertencentes à URSS próximos ao Afeganistão e que possuíam as mesmas características geográficas. As adaptações tanto no combate em montanha quanto no combate irregular ocorreram durante o desenrolar da campanha.

Mesmo com a criação dos centros de treinamento no Afeganistão, habilidades e competências específicas, como transpor paredões rochosos e utilizar equipamentos de escalada, não foram desenvolvidas no âmbito das tropas soviéticas. Apesar dos conscritos selecionados serem da região próxima ao Afeganistão, o terreno utilizado para adestrá-los era diferente do terreno em que combateram, dificultando a aclimatação e a adoção de técnicas, táticas e procedimentos para as operações nas montanhas afegãs.

Fruto dessas duas experiências, verifica-se que o êxito do emprego de tropas em ambiente de montanha está diretamente relacionado à experiência da tropa naquele terreno específico. Mesmo que a tropa seja altamente adestrada, se ela não estiver preparada para o combate em montanha, perderá poder de combate. As lições históricas aprendidas e o desenvolvimento de princípios fundamentais com base nessas lições devem guiar o futuro da preparação e do treinamento das tropas especialistas em combate nesse ambiente.

A possibilidade de atuação de tropas brasileiras como Forças Expedicionárias em áreas com montanhas aventa a necessidade desse adestramento específico, ressaltando a especialização da tropa.

Comentarios

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Muito relevante as considerações do Tenente Kevin sobre o preparo de tropa de Montanha. As especificidades do conflito entre Armênia e Azerbaijão, em 2020, corroboram essas considerações.
Parabéns, muito bem elaborado o artigo.
Excelente artigo, fica muito claro a importância da visão estratégica no combate em montanha, combinando-se ter o perfil dos combatentes e a preparação técnica adequada ao terreno.
Muito interessante. Só que faltou linkar com o Brasil, o Exército brasileiro. A FEB combateu em um ambiente de montanha, mesmo sem nenhum conhecimento de guerra em montanha. Li o livro do Willian Waak e ele narra a visão do Exército dos EUA e da Alemanha nazista sobre o terreno de montanha. O USARMY dispunha da 10ª divisão e a Wermacht de uma divisão de montanha na área. Sem dúvida, ambas as tropas eram soberanas naquele terreno de montanha. Muito embora a maioria da tropa, de ambos os lados, não fosse. Espero que escreva outro artigo sobre a atuação da FEB na Itália.

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