Inteligência Artificial: A chave para a geoinformação tempestiva nas operações militares

Autor: Cel Osvaldo da Cruz Morett Netto

Sexta, 23 Fevereiro 2024
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A Era do Conhecimento exige que as Forças Armadas estejam equipadas com informações precisas e oportunas para tomar decisões eficazes em um ambiente operacional em constante mudança. Nesse contexto, cabe destacar a importância da Geoinformação (Geoinfo) para que se tenha uma adequada consciência situacional do campo de batalha.

Uma das contribuições do Manual de Campanha de Geoinformação (EB20-MC-10.209) para o Exército Brasileiro (EB) foi estabelecer a distinção entre produtos geoespaciais básicos e temáticos. A diferenciação entre os dois conceitos é relevante, pois a geoinformação básica fornece a representação fundamental do terreno e suas características universais, enquanto que a geoinformação temática acrescenta informações específicas sobre temas diversos. Com isso, o manual facilita a comunicação entre produtores e usuários de geoinformação, auxiliando a compreensão das demandas ao longo do processo produtivo e de suprimento.

Analisando a essência dos dois conceitos, percebe-se que seus significados estão baseados na natureza dos dados que são utilizados na elaboração dos produtos. Considerando os efeitos transformadores que a Inteligência Artificial (IA) está desencadeando ao quebrar paradigmas, com grande potencial de otimizar processos, um novo conceito pode ser proposto, porém tomando como base não apenas o tipo de informação espacial, mas também a tempestividade com que ela chega ao usuário final.

A tempestividade é a qualidade da informação oportuna, relevante e disponível no momento exato em que é necessária para a tomada de decisões. No contexto militar, a tempestividade é fator crítico de sucesso para as operações, pois permite que as forças reajam rapidamente a mudanças no campo de batalha e antecipem movimentos do inimigo. A natureza volátil dos conflitos modernos requer que as tropas sejam capazes de perceber as modificações nos cenários para adaptar e agir de acordo com as informações mais recentes.

Aplicando esse conceito para a geoinformação, é possível definir geoinformação tempestiva como sendo aquela que é disponibilizada para o usuário no momento exato em que é necessária para apoiar a tomada de decisões e as ações. Portanto, trata-se da capacidade de produzir, fornecer e atualizar geoinformação de forma ágil, mesmo quando em cenários dinâmicos e em constante evolução.

Atualmente, a capacidade do EB prover geoinformação para Operações de Preparo e Emprego pode ser identificada por meio da presença dos fatores: doutrina, organização, adestramento, material, estrutura, pessoal e infraestrutura (DOAMEPI), presentes no Sistema de Imagens e Informações Geográficas (SIMAGEx), na Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) e no Sistema de Engenharia do Exército (SEEx). Os três segmentos atuam de forma complementar, cobrindo diferentes espectros da geoinformação, sendo que a DSG é vocacionada para a geoinformação básica, enquanto que o SIMAGEx e SEEx buscam suprir as demandas temáticas do Exército.

Todos os seguimentos entregam produtos e serviços de geoinformação em consonância com a previsão de emprego da Força Terrestre, priorizando em seus planejamentos as áreas e produtos considerados importantes para o cumprimento das Operações de Preparo e de Emprego. A geoinformação tempestiva é assegurada nesses casos, porém desde que tenham sido previstas e identificadas com antecedência, a tempo de serem produzidas e disponibilizadas em intervalo condizente com as capacidades atualmente existentes.

Nesse contexto, a IA constitui uma importante chave para assegurar maior tempestividade no provimento de geoinformação, especialmente para as situações inopinadas e imprevisíveis. Isso porque, dentre suas capacidades, o aprendizado de máquina, a visão computacional e o processamento de linguagem natural (PLN) estão diretamente relacionados com ações e tarefas tipicamente executadas ao longo das linhas de produção de geoinformação.

O aprendizado de máquina (ou machine learning, em inglês) envolve o desenvolvimento de algoritmos e modelos capazes de aprender a partir de dados e melhorar seu desempenho em tarefas específicas ao longo do tempo, sem serem explicitamente programados. Em vez de seguir instruções rígidas e regras pré-definidas, os algoritmos de aprendizado de máquina são projetados para identificar padrões, fazer generalizações e tomar decisões com base nos dados disponíveis.

A visão computacional se concentra no desenvolvimento de algoritmos e sistemas que permitem que computadores interpretem e compreendam informações visuais a partir de imagens ou vídeos. O objetivo da visão computacional é capacitar as máquinas a realizar tarefas que normalmente exigiriam a percepção humana, como reconhecimento de objetos, detecção de padrões, segmentação de imagens e interpretação de conteúdo visual.

Por sua vez, o processamento de linguagem natural se concentra na interação entre máquinas e linguagem humana. O PLN capacita os computadores a compreender, interpretar, analisar e gerar linguagem natural de maneira semelhante à comunicação humana. Isso inclui tanto a linguagem escrita quanto a linguagem falada.

Com essas técnicas de IA, os processos de produção de geoinformação básica e temática podem ser automatizados pelo processamento e aquisição de informações de diversas fontes, tais como satélites, drones e sensores. Algoritmos de IA têm a capacidade de processar vastas quantidades de imagens e dados em estado bruto, reconhecendo feições do terreno de forma automática, resultando em um considerável aumento na eficiência da produção.

Para além da otimização da produção, a IA pode ter um papel fundamental nas atividades e procedimentos de integração dos produtos de geoinformação básica com produtos temáticos. Por meio das técnicas de IA, é viável examinar a maneira pela qual elementos temáticos específicos se interligam com as características geoespaciais fundamentais, proporcionando aos usuários uma compreensão mais profunda das dinâmicas dos fenômenos.

A abundância de fontes de dados e sinais no cenário de combate por vezes ultrapassa os limites do processamento humano. A IA pode auxiliar o processo de seleção das informações, dando prioridade a dados mais relevantes conforme as exigências da missão ou do escalão considerado. Isso pode ser feito com base em critérios preestabelecidos ou por meio de aprendizado de máquina, considerando experiência adquirida em situações anteriores ou simulações de combate.

Porém, o grande diferencial para a geoinformação tempestiva, certamente virá com seu crescente papel exercido pela IA na criação de produtos e serviços personalizados, permitindo que os usuários adaptem informações geoespaciais de acordo com suas preferências e necessidades específicas. Para fazer isso, não serão necessários comandos complexos ou linguajar técnico. Utilizando, por exemplo, um chatbot baseado em técnicas de IA, por meio de linguagem natural, escrita ou à voz, o usuário no campo de batalha poderá descrever as características dos produtos e serviços de geoinformação, e a IA se encarregará de interpretar e apresentar os resultados conforme solicitado, em tempo real.

Em outras palavras, a convergência entre Geoinformação e Inteligência Artificial (IA) resultará na GeoinfoIA, em que as técnicas de IA serão aplicadas de maneira sinérgica para aprimorar a aquisição, análise, interpretação e disseminação de dados geoespaciais.

Por essas e outras possibilidades, a inserção da GeoinfoIA nas atuais capacidades de geoinformação existentes no EB garantirão maior tempestividade no provimento, não só ao diminuir o tempo necessário para produção e suprimento, mas ao contribuir para otimizar processos de análise e, especialmente, por tornar a customização de produtos e serviços de geoinformação uma realidade ao alcance de todos no campo de batalha.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. Manual de Campanha: EB20-MC-10.209: Geoinformação. Brasília, DF, 2. ed. 2014b.

BRASIL. Exército Brasileiro. Projeto Interdisciplinar do Curso de Direção para Engenheiros Militares (CDEM). A Geoinformação Aplicada às Atividades da Força Terrestre. Rio de Janeiro, RJ, 2018.

BRASIL. Exército Brasileiro. Manual de Campanha. EB70-MC-10.237: A Engenharia Nas Operações. Rio de Janeiro, RJ, 2018b.

BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. EB20-P-03-002: Plano de Desenvolvimento da Doutrina Militar Terrestre. Brasília, DF, 2021.

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LEE, K. Inteligência Artificial: Como os robôs estão mudando o mundo. Globolivros. 1ª Ed. Rio de Janeiro. 2019.

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NETTO, O. C. M. Capacidades de Geoinfo do EB e o Acrônimo DOAMEPI. Revista Doutrina Militar Terrestre, Brasília, DF, 2023.

 

Comentarios

Comentarios
Muito interessante a visão do autor na integração do poder computacional para agilizar o processo de decisão baseado nas informações geográficas. As tecnologias de Inteligência Artificial que já estão disponíveis no mercado já são mais que suficientes para implementar a IA na GeoInfo. É preciso começarmos o quanto antes, pois o caminho é longo.

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