Homens que comandam – chefes de instrução de Tiro de Guerra

Autor: Cap R1 Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante

Segunda, 26 Fevereiro 2024
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Todos os anos, o Exército Brasileiro (EB) nomeia quadros para o comando das mais diversas organizações, sejam Organizações Militares da Ativa (OMA) ou Órgãos de Formação da Reserva (OFR). O processo é longo, árduo e meticuloso, porque pressupõe escolher para o desempenho da função de comandante os militares – oficiais e praças – que naquela oportunidade apresentam as melhores condições dentre o universo concorrente de voluntários.

O fio condutor desta reflexão é evidenciar o papel do comandante, em especial dos Chefes de Instrução/Instrutores de Tiro de Guerra (TG) que, para além das especificidades da missão militar que desempenham, contribuem para fortalecer o elo institucional secularmente existente entre o EB e a sociedade, particularmente, em suas vertentes política e social.

Sabe-se que a missão de um comandante1, chefe ou diretor de OM é árdua e complexa, porque exige requisitos que extrapolam a formação militar. Todavia, o comandante não realiza as diversas atribuições do cargo, sem antes, contar com uma equipe de assessores experientes que compõem seu Estado-Maior. Grosso modo, há o militar incumbido de assessorá-lo quanto aos assuntos do Pessoal (S1), da Inteligência (S2), das Operações (S3), da Administração (S4), dentre outros.

Naturalmente, a equipe que assessora o comandante serve, também, como uma espécie de “escudo protetivo” filtrando a priori os problemas e adiantando-se nas linhas de ação mais assertivas que poderão ser tomadas, ou seja, corrobora a “blindagem” do decisor para que ele possa, munido de dados e informações inerentes à situação apresentada, em tempo hábil, refletir e orientar com segurança o rumo a ser seguido.

Nesse sentido, não é difícil inferir o quão oneroso seria o trabalho do comandante se não houvesse esse suporte, haja vista o nível elevado de estresse gerado sempre que é preciso tomar decisões rápidas, minimizando possíveis efeitos colaterais para a Instituição, sem poder contar com o aporte de conhecimento técnico de um staff experiente!

Guardadas as devidas proporções a respeito do volume de atribuições de um comandante de OMA, há outros militares – oficiais subalternos, subtenentes e sargentos – nomeados anualmente para exercerem atividades muito semelhantes àquelas, porém, em OFR. Não obstante a semelhança da função, esses militares concentram em si mesmos os diversos papéis anteriormente nominados (S1, S2, S3, S4) adicionando-se, ainda, o de Comunicação Social (Com Soc), muitas vezes precisando decidir rápida e isoladamente sobre questões igualmente complexas.

Conhecer melhor e explorar com mais amplitude o universo do trabalho singular realizado por esses homens que comandam – Chefes de Instrução2/Instrutores de Tiro de Guerra (TG) – é reconhecer as suas valorosas contribuições à Força, nos mais distantes rincões do país onde haja um TG.

Antes de prosseguir, faz-se necessário distinguir o campo em que os Instrutores de TG operam. Para tanto, impõe-se esclarecer, de partida, que os Tiros de Guerra não são Organizações Militares da Ativa (OMA), stricto sensu, mas Órgãos de Formação da Reserva (OFR), tampouco o chamado atirador é um soldado na acepção da palavra, senão um civil instruído militarmente, sendo formados reservistas de 2ª categoria. Tais características revelam um nicho muito particular em que ocorrem ações ainda mais específicas e que devem ser trabalhadas dentro dos limites dessas especificidades não sendo, pois, tão simples quanto possa parecer.

A genealogia dos Tiros de Guerra remonta ao final do século XIX, quando se buscou o fomento de Linhas de Tiro (Linha de Tiro Nacional), com a finalidade de treinamento das tropas da capital, à época, Rio de Janeiro3. Não obstante reconhecer esse marco temporal, Gonzales (2008, p. 129), faz alusão a dois momentos inicialmente distintos que, posteriormente, infletiram para o mesmo objetivo de criação dos Tiros de Guerra no Brasil,

O primeiro deles foi o surgimento da Linha de Tiro em 1896, inicialmente voltada para a instrução de militares e que, gradativamente promove abertura para a utilização por parte dos civis. O segundo foi a criação das Sociedades de Propaganda do Tiro Brasileiro, em 1902, voltadas, principalmente, para a prática do ‘tiro ao alvo’ por civis, mas que se propõe como importante alternativa para a defesa do país.

Sem aprofundar a questão histórica relativa à criação dos TG no Brasil, por ora, importa ressaltar o contexto publicado no site do EB que traz a seguinte descrição: “os Tiros de Guerra (TG) são uma experiência bem-sucedida entre o Exército Brasileiro e a Sociedade Brasileira, representados pelo poder público municipal e pelos milhares de cidadãos brasileiros que ingressam nas fileiras do Exército anualmente”4.

Nos dias atuais, o Brasil tem 222 (duzentos e vinte e dois) TG ativos distribuídos no território nacional, onde são formados aproximadamente 15.470 atiradores por ano. A figura a seguir mostra que a grande concentração de TG está na Região Sudeste, sendo o estado de São Paulo a unidade Federativa que mais representatividade possui, e a menor é a Região Norte, particularmente, na área amazônica. É interessante notar, também, que a 3ª RM é a única a não dispor de TG.

 

Fonte: DSM

Os TG possuem regulamento próprio (R-138), instituído por intermédio da Portaria Nº 001, de 2 de janeiro de 2002, documento que contém desde as orientações gerais até as disposições finais, passando pelos direitos e deveres dos instrutores e atiradores, delimitando suas condutas e comportamentos, abordando regime de instrução, etc.

O R-138 precisará ser visto e revisto pelo instrutor por várias vezes, tornando-se o seu “livro de cabeceira”, porque nele está o norte e o respaldo das ações a serem implementadas no desempenho da função. Destaca-se aqui o Art.34 desse documento, ao mencionar que, “o militar designado instrutor de TG realizará um estágio de instrução, a cargo da RM, que terá como objetivo familiarizá-lo com as peculiaridades do cargo que vai exercer”. Por óbvio, todos os esforços são concentrados nesse estágio a fim de que esses militares se saiam muito bem em seus comandos que, normalmente, têm a duração de dois anos.

Sem embargo, o referido estágio abarca os assuntos afetos ao fazer diário dos instrutores dando-lhes ao mesmo tempo, a oportunidade de construírem novos conhecimentos, a partir daqueles que já desenvolveram durante a carreira e a criação do círculo de segurança necessário ao enfrentamento dos desafios que terão ao longo do comando. É, sobretudo, um momento de reflexão, de troca de experiência, sem, contudo, esquecer do pragmatismo igualmente importante para a condução dos futuros trabalhos.

Corroborando a preocupação das RM com preparo dos instrutores, o Departamento-Geral do Pessoal, buscando a inovação permanente e o aperfeiçoamento constante do que mais precioso tem a Força, isto é, seus recursos humanos, criou o Estágio Setorial para Chefes de Instrução e Instrutores de Tiro de Guerra, conduzido na modalidade de educação a distância (EAD) pelo Instituto de Capacitação Olavo Bilac (ICOB)5, da Diretoria de Serviço Militar. Cabe ressaltar que esse estágio não visa substituir o ministrado em cada RM, mas de forma complementar, tem o foco voltado para os assuntos relacionados ao Sistema Serviço Militar, que também farão parte da rotina diária desses comandantes.

Nesse sentido, o estágio de 40 horas de duração, disponibilizado no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) do ICOB, proporciona o desenvolvimento de competências e habilidades específicas para o desempenho da função, englobando, por exemplo, a operação do Sistema Eletrônico de Recrutamento Militar e Mobilização (SERMILMOB), a compreensão do funcionamento das Comissões de Seleção – Geral e Complementar –, o estudo das diversas legislações que dão suporte à vida operacional e administrativa dos TG, além de exercícios práticos elaborados a partir de conteúdos que simulam a rotina diária dos instrutores.

Encaminhando para o final, reservam-se esses últimos parágrafos para dirigir-me aos novos nomeados. Preliminarmente, é preciso pontuar que o título dado ao presente ensaio “homens que comandam” é resultante da convicção que se tem de que os senhores foram selecionados para exercerem o que há de mais sagrado na profissão militar, a liderança. Sem liderança, tudo mais é um ensaio efêmero, fantasioso e temporário do real!

Os senhores estão prestes a assumirem a missão à qual se impuseram, visto que não houve compulsoriedade para a nomeação, mas o voluntariado, portanto:

  • Tenham fé na missão, porque os senhores não estarão sozinhos, embora em alguns momentos possa parecer. Preparem-se intelectual e emocionalmente para a nova empreitada, que certamente será desgastante, porém, muito prazerosa, ao sentirem-se dignos representantes do nosso glorioso EB;

  • Controlem seus anseios e busquem servir mais do que serem servidos, pois, os senhores lidarão não só com jovens cidadãos que ao chegarem aos TG carregam consigo suas respectivas historicidades de vida, mas com seus familiares, que projetam em seus filhos a imagem que seus Comandantes refletem;

  • Lembrem-se! Os senhores serão o “alfa” e o “ômega” para a grande maioria desses atiradores. Então, procurem conduzi-los pelo caminho do “meio” que, sem admitir os extremos, tem a virtude como direção;

  • Reforcem nossos valores institucionais, secularmente construídos por homens e mulheres que, embora submetidos às mesmas agruras do mundo “BANI”6 em que vivem, não se afastam do compromisso que, unissonamente, um dia proferiram à Pátria, porque ele é o fio invisível que nos liga indissoluvelmente;

  • Mantenham-se sóbrios e preservem o bom relacionamento institucional entre o EB e o Executivo Municipal, afinal, os senhores serão os executores desse estreitamento de laços fraternos e perenes;

  • Apliquem todos os esforços possíveis no mínimo que fizerem em prol da elevação moral e espiritual dos jovens atiradores, porque eles são os vetores dos nossos valores junto à municipalidade onde vivem; e

Por fim, não amem palavras vazias, ao contrário, procurem juntar gestos a palavras, para que, sendo coerentes, perpetuem nesses jovens que retornarão ao seio da sociedade a equalização da honesta visão de mundo, homem e sociedade que terão a responsabilidade de construir.

Avante Remar!

 

 

1 Neste ensaio, Comandante, Chefe e Diretor de OM serão todos referenciados como Comandante.

2 Para efeito desse ensaio, Chefe de Instrução e Instrutores de Tiro de Guerra serão tratados como Instrutores.

3 Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx) - RVO Nº 234, outubro de 2016.

4 Disponível em < https://www.eb.mil.br/web/ingresso/servico-militar/-/asset_publisher/yHiw1SWkLQY6/content/tiro-de-guerra?inheritRedirect=false> Acessado em: 4 de ago. 2023.

5 Para mais informações acessar: https://icob.eb.mil.br/.

6 Referente ao acrônimo cunhado pelo futurista Jamais Cascio, que significa: Brittle – Frágil, Anxious – Ansioso, Nonlinear – Não linear e Incomprehensible — Incompreensível (Tradução Livre).

Comentarios

Comentarios
Boa tarde, capitão. Parabéns pela excelente e oportuna contextualização.
Parabéns pelo texto capitão, o li na hora mais oportuna. Estou vivenciando o texto, e amanhã vamos iniciar o ano de instrução aqui no TG. Que Deus nos abençoe nesta honrosa missão!!!
Obrigado meu amigo Ailson, rogo ao Senhor dos Exércitos para que abençoe sua jornada. Fé na missão!
Obrigado pelo incentivo, meu amigo Jailton!

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