Haiti e a criação do Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil

Autor: Maj José Renato Gama de Mello Serrano

Segunda, 28 Agosto 2017
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A participação brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) foi uma experiência sem precedentes na história das Forças Armadas brasileiras. O crescimento profissional e a evolução da doutrina militar são pontos a se ressaltar nesse processo de mais de 13 anos vividos intensamente pelo Exército Brasileiro. Nesse contexto, o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB) participou diretamente do sucesso obtido por nossas tropas em solo caribenho.

Em abril de 2004, quando foi criada a MINUSTAH, o treinamento dos militares que seriam desdobrados era feito com base na experiência de alguns contingentes nacionais em Angola e Moçambique. No entanto, o Haiti representava um desafio ainda maior, uma vez que a missão era nova e cabia ao Brasil liderar o componente militar, tarefa que jamais havia sido atribuída a um militar brasileiro.

Após os três primeiros contingentes, verificou-se a necessidade de implantação de uma sistemática de treinamento, a fim de aproveitar o conhecimento adquirido no terreno para melhorar a preparação da tropa. Dessa forma, o Exército criou o Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOPaz), com sede no 57o Batalhão de Infantaria Motorizado (Escola), no Rio de janeiro, Unidade ímpar e que teve papel fundamental no treinamento dos contingentes.

A partir de 2006, o CIOPaz instituiu série de estágios que capacitavam os oficiais integrantes do Batalhão Brasileiro de Força de Paz (BRABAT) e da Companhia de Engenharia de Força de Paz (BRAENGCOY), tanto na sede do preparo, quanto no próprio aquartelamento do Centro. Após essa etapa, os oficiais repassavam o conteúdo aos subordinados, fazendo com que o conhecimento atingisse todos os militares que participariam da MINUSTAH.

Passado esse primeiro período de uso da força no Haiti (2004 a 2007), o CIOPaz teve que adequar sua sistemática de treinamento, adaptando-se às constantes mudanças que a missão trazia para o emprego das tropas brasileiras. Na busca da realização de exercícios com o máximo de realismo possível, alguns militares do Centro faziam reconhecimentos no Haiti, a fim de acompanharem a mudança do ritmo da missão e os novos desafios encontrados.

Em 3 de dezembro de 2008, por meio da Portaria do Comandante do Exército Brasileiro n.º 949, o CIOPaz recebeu sua designação histórica, passando a denominar-se "Centro Sergio Vieira de Mello", em homenagem a esse ilustre brasileiro, que trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU) por mais de 34 anos. A relevância dos serviços desse Alto Comissário em prol da ONU tornou seu nome referência na área internacional, por ser exímio administrador de litígios, o que o credenciou para missões complexas que envolviam, entre outras, a reconstrução de países devastados por conflitos armados.

Em 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi arrasado por um terremoto de grandes proporções. Do mesmo modo, a MINUSTAH sofreu um duro golpe. Em um país que já sofria com a grave crise política e econômica, a catástrofe comprometeu ainda mais o desenvolvimento daquela nação. Em consequência, o Brasil enviou outro batalhão para a MINUSTAH. O BRABAT 2, como ficou conhecido, realizou treinamentos no CIOPaz antes de seu desdobramento, para que estivesse pronto a enfrentar o cenário caótico do Haiti pós-terremoto.

Em 15 de junho de 2010, em virtude da necessidade de treinamento integrado entre as três Forças Singulares (Marinha, Exército e Força Aérea), o CIOPaz teve a denominação alterada para Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), mantendo sua subordinação ao Exército, mas passando a ser vinculado ao Ministério da Defesa. Dessa forma, a Organização Militar passou a ter integrantes das três Forças Armadas e ampliou sua atuação junto a outros órgãos e instituições governamentais.

Entre 2010 e 2012, o CCOPAB passou a preparar dois Batalhões de Infantaria e uma Companhia de Engenharia para ser desdobrados no Haiti, no intuito de orientar as Unidades para proverem assistência humanitária àquela população. O trabalho exigiu capacidade intelectual e logística do Centro, levando-se em conta o aumento das atividades e o efetivo reduzido. Do mesmo modo, a evolução do cenário da missão permitiu um enriquecimento doutrinário, garantindo a excelência das atividades no terreno e a consonância com as demandas das Nações Unidas.

Em 2013, a MINUSTAH começou a reduzir seu efetivo. Mais uma vez, o CCOPAB teve que se adaptar às novas demandas, que tinham caráter assistencial, mas sem deixar as técnicas de combate para trás. O contingente brasileiro sofreu a redução de um batalhão, o que permitiu maior flexibilidade ao Centro para fornecer o adequado preparo à tropa.

A partir de 2014, o Batalhão Brasileiro de Força de Paz no Haiti passou a ocupar uma área de responsabilidade maior, sendo empregado em missões para as quais ele não era comumente designado, como a Força de Reação Rápida (QRF, sigla em inglês). A mudança fez com que o CCOPAB alterasse a sua maneira de conduzir o preparo do contingente militar, adequando-se à nova realidade, a fim de garantir a melhor formação do Soldado da Paz.

Atualmente, o ciclo de preparo dos contingentes brasileiros para missões de paz é composto pelos seguintes estágios: Preparação para Comandantes e Estado-Maior; Preparação para Comandantes de Subunidade e Pelotão; Coordenação Civil-Militar; Logística e Reembolso; Tradutores e Intérpretes Militares; Básico e Avançado para Operações de Paz. Essa estrutura ocorre em um período aproximado de quatro meses e tem se mostrado eficiente, de acordo com os resultados obtidos na MINUSTAH.

Passados 13 anos da entrada do Brasil na MINUSTAH e após mais de uma década da participação do CCOPAB no preparo das tropas brasileiras desdobradas na Missão, percebe-se que houve evolução na mentalidade das Forças Armadas e na capacitação dos militares. Essa transformação tem participação significativa do CCOPAB e dos próprios militares, homens e mulheres que se dispuseram a ajudar na preparação dos contingentes seguintes.

Com a aproximação do término da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, cultivamos a história vivida, desde 2004, na bem-sucedida Missão de Paz. Os próximos desafios serão ainda mais complexos e com peculiaridades que apenas o tempo será capaz de mostrar. Entretanto, enquanto houver a necessidade de realizar o preparo de tropas com excelência e de mostrar o real valor do soldado brasileiro, o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil estará presente.

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Muito bom este resumo da história do CCOPAB. Excelentes recordações dos pioneiros. Na verdade, o Núcleo dessa OM foi estabelecido no dia 01 MAR 2005, no quartel do 57o BI Mtz (Es), e, desde o início, este já se engajou no preparo do 3o Contingente, que tinha como base o próprio batalhão. Foi nesse momento que foram lançadas as bases para o treinamento das tropas para a fase de pacificação do Haiti, na qual foram exigidas táticas, técnicas e procedimentos robustos no terreno. Vida longa e muitos êxitos ao Centro Sérgio Vieira de Mello! E que venham as próximas missões e desafios!
Excelente o resumo sobre o CCOPAB, antigo CIOPaz. Lembro-me bem das instruções que tive para a preparação da minha missão, cumprida no 5o Contingente, em 2006. Após a missão, tive a grata satisfação de contribuir com o trabalho do Centro durante os anos de 2007 a 2010. Vejo que, cada vez mais, o CCOPAB tem se firmado como um centro de referência no mundo em assuntos relacionados à missão de paz. Parabéns ao CCOPAB! Fé na missão!
Em 2004, quando iniciamos nossa participação no Haiti, o Exército Brasileiro (EB) tinha no Centro de Preparação e Avaliação para Missões de Paz do Exército Brasileiro (CEPAEB), o órgão central de preparo e avaliação para Operações de Paz. Naquela época, o 19º Batalhão de Infantaria Motorizado (19º BI Mtz) era a única Organização Militar (OM) Nível Unidade do EB designada como Unidade Standy e, por esta razão, desenvolvia Módulos Didáticos de Adestramento (MDA), previstos pelo Comando de Operações Terrestres (COTER), voltados para Operações de Paz. A Unidade, desde 1994, quando foi designada, "respirava" Operações de Paz. O ano de instrução contemplava um ciclo anual de adestramento, que envolvia a preparação não somente para Operações de Paz, mas para Defesa Externa e Operações de Garantia da Lei e da Ordem. Além disso, muitos exercícios eram realizados no intuito de preparar para uma possível Missão de Paz. Assim, como exemplo, em 2002, preparou tropa para participar do Exercío de Operações de Paz Cabañas, no Chile, além de ter conduzido o treinamento final do Pelotão de Policia do Exército que foi desdobrado no Timor Leste e contribuiu com o Exercício Forças Unidas, realizado em Petrolina. Em 2003, participou do Exercício Operaciones de Mantenimiento Sur, em Buenos Aires, com o Comando e todo o seu Estado-Maior. Foram quase 10 anos de preparação, até que, em 2004, foi designado para compor o 1º Contingente Brasileiro no Haiti. O momento era complicado, uma vez que as Operações de Paz estavam em transição. Muito se falava em operações sób a égide do Cap VI e meio da Carta das Nações Unidas. Na verdade, uma figura muito mais didática do que prática. O nosso CCOPAB, hoje, desenvolve a excelência do treinamento em Operações de Paz, graças à competência do seu pessoal e, sobretudo, a experiência acumulada pelo Exército e seus integrantes.
Dando espaço demias à corja! Não pemritam punição a Mourão.

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