“Geopolítica é a arte de aplicar o poder aos Espaços Geográficos”
Carlos de Meira Mattos
A frase do General Meira Mattos sintetiza o objeto da Geopolítica: a arte de aplicar o poder aos espaços geográficos. De saída, peço ao leitor que tenha a Amazônia em mente ao considerar o “espaço geográfico”, na leitura deste artigo. Já quando pensar sobre o “poder” constante na definição de Meira Mattos, considere que este pode ser aplicado aos espaços geográficos de várias formas: ser exercido por intermédio da política; ser imposto pela força das armas; ser demonstrado pela força das imposições econômicas, ou mesmo, pela força da cultura, da propaganda, das correntes majoritárias de pensamento.
A Amazônia é uma imensidão. Possui uma biodiversidade incrível, com espécies de plantas e animais contadas nas casas dos milhares ou, até mesmo, dos milhões. Sua influência sobre o clima do continente é grande e suas reservas de água potável, enormes. Sua área gigantesca, de 5,5 milhões de Km2 (4,2 milhões dos quais em território brasileiro), atravessa quase completamente a América do Sul em sua porção centro-norte, do Oceano Atlântico à Cordilheira dos Andes, ocupando áreas em 9 países.
Oito desses países, Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname formam o que poderia ser chamado de Pan-Amazônia. A eles se une a França (não podemos nos esquecer que a Guiana Francesa é um território francês na América do Sul) no grupo de governos que detém a legitimidade para aplicar o poder político na área delimitada por suas fronteiras.
Mas, quando se trata da aplicação do poder econômico, essas fronteiras têm seu papel relativizado. A globalização da economia, com a consequente integração e interdependência causada pelos fluxos de capitais, bens e serviços, tecnologias e pessoas, cria tensões e interesses também em escala global. Questões que antes poderiam ser resolvidas de forma local, agora podem influenciar, economicamente, diversos outros países e empresas transnacionais que distribuem sua operação por diferentes países do mundo, na chamada cadeia global de valor. Países e empresas que se sentirão impelidos a aplicar seu poder econômico na defesa de seus interesses, mesmo que isto signifique ignorar fronteiras políticas. Por mais que a legitimidade deste tipo de imposição seja discutível, certamente o leitor poderá se lembrar de vários exemplos da aplicação do poder econômico por parte de empresas ou países nas condições mencionadas.
A aplicação do poder militar é muito mais facilmente caracterizada. No caso da guerra, na clássica definição de Clausewitz, trata-se da continuação da política com a utilização de outros meios. Ou seja, pela coerção militar um Estado impõe a outro a sua vontade, de forma que seus objetivos políticos sejam atingidos. Mas é importante lembrar que a força das armas pode também ser imposta por entidades não estatais, como grupos terroristas. As FARC, na Colômbia; o denominado Estado Islâmico, em várias partes do mundo; e o Boko Haram, na África, são alguns exemplos famosos.
Contudo, a mais sutil e, atualmente, mais frequente forma de aplicação – ou tentativa de aplicação – de poder sobre um espaço geográfico é aquela que ocorre no chamado campo psicossocial, ou seja, pela força da cultura, da propaganda e das correntes majoritárias de pensamento. Não há dúvida, por exemplo, que existem hoje algumas “megatendências”, que são os movimentos das massas populacionais em direção a uma nova maneira de pensar ou agir, mais ou menos uniforme, em relação a determinado assunto ou aspecto da vida em sociedade. As mudanças climáticas e a escassez de recursos naturais indispensáveis à vida humana são dois exemplos desses tipos de assuntos que mobilizam as massas a agir. E essa mobilização toma vulto antes inimaginável por intermédio da repercussão que obtém por meio da internet e, mais especificamente, das mídias sociais. Estes movimentos, espontâneos ou provocados – não importa –, pressionam governos, pautam meios de comunicação, impulsionam Organizações Não Governamentais que, por sua vez, passam a impor que as ações dos governos e das sociedades daquele espaço geográfico sejam coerentes com aquela determinada pela megatendência em voga.
As quatro formas de aplicação de poder aos espaços geográficos descritas acima podem ser vistas todos os dias, em diferentes partes do mundo. Basta folhear as páginas dos jornais ou consultar a internet: da ação da Rússia na Ucrânia às disputas que ocorrem no Mar do Sul da China; da guerra civil no Iêmen às tensões na Caxemira; da guerra comercial entre a China e os EUA ao embargo imposto sobre o Irã e sobre a Coreia do Norte; do terrorismo do Boko Haram na Nigéria ao retorno das FARC à luta armada na Colômbia; e das acusações de interferência russa nas eleições norte-americanas às acusações que a China faz de que há interferência externa insuflando os protestos em Hong Kong. Em maior ou menor grau, diretamente ou por interpostos grupos, cada um destes conflitos pode ser explicado sob o prisma da geopolítica.
Finalmente, retorno à Amazônia. Não para responder, mas para perguntar. Nós, brasileiros, achamos que ela está imune às disputas geopolíticas? Mesmo ela ocupando um papel de destaque quando se fala em ecologia, recursos naturais, biodiversidade, mudanças climáticas? Devemos crer que não há motivações políticas, econômicas ou psicossociais suficientes para que outros Estados ou entidades não estatais se sintam compelidos a atuar sobre ela?
As respostas a essas perguntas são vitais para a defesa dos interesses de todos os brasileiros. Isso porque, se em uma disputa geopolítica um lado sabe o que está fazendo e o porquê, enquanto do outro lado a população nem ao menos sabe o que está em jogo, o resultado dificilmente será favorável ao lado que ignora.
Paulo Roberto da Silva Gomes Filho é Coronel de Cavalaria do Exército
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