Gênese da DQBRN no Exército: a história não contada desta capacidade centenária da Força Terrestre

Autor: Anderson Wallace de Paiva dos Santos

Quinta, 16 Novembro 2023
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No ano em que o 1º Batalhão de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (1º Btl DQBRN) celebra seu septuagésimo aniversário, como o mais elevado escalão de DQBRN da Força Terrestre, esta Organização Militar (OM) especializada vem desenvolvendo um processo de valorização desta capacidade operativa, que abarca iniciativas[1] que visam a contribuir para o fortalecimento de sua identidade no Exército.

Neste sentido, o Batalhão tem empreendido ações para potencializar o culto à história, às tradições e às manifestações do espírito da tropa de DQBRN da Força Terrestre, desde os seus primórdios como “Guerra Química”.

Para isto, as pesquisas conduzidas por esta unidade não se limitaram apenas ao recorte temporal iniciado na Segunda Guerra Mundial (II GM), como normalmente é feito. Já que o conceito de Guerra Química foi oficialmente introduzido como inovação da Arte da Guerra durante a I GM, as informações que alicerçam este artigo foram prospectadas a partir daquele marco histórico, possibilitando uma compreensão mais adequada acerca da origem e do desenvolvimento da DQBRN no Exército Brasileiro.

Em que pese o elemento formador do 1º Btl DQBRN ser a Companhia Escola de Guerra Química (Cia Es G Q), criada em 1953, e a especialização de militares em Guerra Química haver sido sistematizada em 1944, no então Centro de Instrução Especializada (CIE)[2], a gênese da DQBRN na Força Terrestre remonta à década de 1920.

As primeiras ações de DQBRN no Exército Brasileiro foram iniciadas imediatamente após a I GM. Diante do inédito emprego de agentes químicos de guerra no teatro de operações europeu, a Força Terrestre entendeu a necessidade de preparar sua estrutura para enfrentar tais ameaças.

Assim, a partir da década de 1920, durante a Missão Militar Francesa (MMF), o Exército Brasileiro iniciou o processo de inserção da chamada “Química de Guerra” em sua organização. Naquele período, destacou-se como precursor dos estudos sobre o tema o Coronel ÁLVARO DE BITTENCOURT CARVALHO.

No dia 9 de novembro de 1922, durante o 1º Congresso Nacional de Química, promovido no contexto da MMF, o Cel Álvaro apresentou sua inovadora tese “A Chimica: Nova Arma de Guerra”, contendo os fundamentos necessários para a organização, a produção doutrinária e o preparo da Força naquela área temática, além da fabricação dos primeiros equipamentos nacionais de proteção química.

Em 1924, o Cel ÁLVARO teve influência decisiva em evitar o emprego de agentes químicos sufocantes sobre a população civil durante a Revolta Paulista, movimento contra o então presidente Arthur Bernardes.

As propostas formuladas na tese do Cel Álvaro contribuíram para a consecução de diversos objetivos estabelecidos pelo Exército para a Guerra Química, a partir da década de 1920:

  1. Formação de quadros de oficiais para assessoramento aos Grandes Comandos e de quadros de graduados para a instrução no Corpo de Tropa.
  2. Sistematização das instruções de Guerra Química nos Corpos de Tropa.
  3. Estudos para a criação de uma “Tropa de Serviços Químicos”.
  4. Criação do Curso Provisório de Química no então Laboratório Químico-Farmacêutico Militar[3] (1926).
  5. Produção de máscaras contra gases pelo Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro (AGR), a partir de 1927.
  6. Criação da Fábrica de Material Contra Gases, destinada à produção de máscaras contra gases, filtros e agentes químicos lacrimogêneos e vomitivos (1933).
  7. Transformação da Escola de Engenharia Militar (EEM) em Escola Técnica do Exército (ETE)[4], em 1933, destinada à formação de oficiais engenheiros de armamento, eletricistas, químicos e de construção.
  8. Introdução da doutrina de Guerra Química na Escola de Estado-Maior[5] (1934).
  9. Estabelecimento da Missão de Instrução de Artilharia de Costa (MIAC), com a criação do Centro de Instrução de Artilharia de Costa (CIAC)[6], em 1934. Naquela época, o CIAC concentrava todos os assuntos relativos à Guerra Química no Exército, tendo conduzido, junto à ETE, os primeiros cursos de especialização em Guerra Química, ministrando-os até 1939.
  10. Publicação do “Regulamento sobre Gás de Combate”, em 1935.
  11. Expedição do “Manual de Guerra Química”, em 1937, pelo CIAC.
  12. Publicação do novo “Regulamento para Instrução dos Quadros e da Tropa”, que normatizou os “gases de combate” e a “proteção individual” como objetivos de instrução da formação básica do militar, em 1938.
  13. Expedição da Diretiva “Gases de Combate: Meios de Proteção e Tratamento”, em 1939, a partir de trabalho elaborado pelo Capitão Médico ERNESTINO GOMES DE OLIVEIRA.

A partir do final da MMF, em 1940, já no cenário da II GM, iniciou-se uma nova fase no processo de desenvolvimento da Guerra Química no Exército. Mesmo após a morte do Cel Álvaro, com a eternização de seu legado, houve continuidade das ações por ele iniciadas, que prosseguiram da seguinte forma:

  1. Fevereiro de 1942: designação do Major TEÓFILO DE ARRUDA, do Capitão MANOEL CAMPOS ASSUMPÇÃO e do Capitão IVO AUGUSTO MACEDO, todos do CIAC, para frequentarem o Curso de Guerra Química do Chemical Warfare Corps, no Fort Edgewood, Exército Norte-Americano.
  2. Outubro de 1942: criação do Departamento de Guerra Química (DGQ), com a finalidade de centralizar a doutrina e os materiais de Guerra Química do CIAC, tendo como chefe o Capitão MANOEL CAMPOS ASSUMPÇÃO.
  3. Junho de 1943: criação do Centro de Instrução Especializada (CIE)[7].
  4. Agosto de 1943: criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
  5. Janeiro de 1944: criação da Seção do Serviço de Guerra Química da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (SGQ/1ª DIE) e nomeação do Major MANOEL CAMPOS ASSUMPÇÃO[8] como chefe, conforme a Diretiva nº 1, de 10 de janeiro do mesmo ano, do Cmt FEB.
  6. Abril de 1944: transferência dos materiais de Guerra Química do DGQ/CIAC para o CIE, conforme Aviso nº 1.025 do Ministério da Guerra, publicado no Boletim do Exército nº 18, de 29 de abril do mesmo ano.
  7. Julho de 1944: nomeação do 1º Tenente DAVID DA SILVA ALMEIDA como auxiliar de instrução do Curso de Especialistas em Guerra Química do CIE, de acordo com o Boletim do Exército nº 27, de 1º de julho do mesmo ano. Esta foi a primeira menção oficial referente ao funcionamento do Curso de Guerra Química no CIE.
  8. 1953: criação da Cia Es G Q, subordinada ao GUEs, a partir da estrutura da Seção do Serviço de Guerra Química da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (SGQ/1ª DIE), conforme publicação na Portaria Ministerial nº 143-Res, de 30 de novembro do mesmo ano. Estabelecia-se, assim, a primeira organização militar de DQBRN (Guerra Química) do Exército Brasileiro.

Os registros históricos apresentados sobre a Guerra Química, da MMF até o pós-Segunda Guerra Mundial, permitem compreender como ocorreu a gênese e a evolução da Capacidade Operativa “DQBRN” no Exército Brasileiro, até a criação da Cia Es Q G.

As ações empreendidas pelo Cel Álvaro durante a MMF criaram as condições necessárias para o início da especialização, a organização do Serviço de Guerra Química na FEB e a criação da Cia Es G Q.

Em síntese, suas iniciativas inseriram oficialmente aquele novo conceito da Arte da Guerra na Expressão Militar do Poder Nacional, batizando-o como “Guerra Química” no Exército Brasileiro, e contribuindo para o desenvolvimento daquela capacidade, que ficaria conhecida, anos mais tarde, como DQBRN.

O Cel Álvaro foi a primeira personalidade militar de relevância para o desenvolvimento da DQBRN na Força Terrestre. Por essa razão, foi proposto como o “Pioneiro da DQBRN”, e o dia 9 de novembro como o “Dia da DQBRN”.

Conclui-se, portanto, que o ano de 2023 concentra efemérides significativas para a DQBRN no Exército Brasileiro, com a comemoração do aniversário de 70 anos de seu mais elevado escalão, dos 80 anos[9] da sistematização desta especialização e do Centenário[10] desta capacidade operativa diferenciada da Força Terrestre.

Ao celebrarmos estes importantes eventos, contemplemos o pioneirismo, a visão de futuro e o legado de nossos antecessores, que semearam as condições para o progresso de nossa Capacidade; e cultivemos a longevidade da Defesa QBRN na Força Terrestre com a dedicação, o profissionalismo e a credibilidade dos soldados da máscara contra gases.

“DQBRN, seu nome é história”!

(Canção da DQBRN)

 

[1] A exemplo do que já ocorre nos demais Sistemas Especializados da Força Terrestre, pretende-se estabelecer: data comemorativa, pioneiro, caracterização da tropa, qualificação militar (QM), valorização do mérito, canção, denominação histórica, dentre outros. Tendo como objetivos principais: robustecer a imagem da DQBRN internamente; ampliar a difusão do Exército como Força Armada precursora nesta área; além de atrair, motivar e reter recursos humanos no Sistema de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear do Exército (SisDQBRNEx).

[2] Atual Escola de Instrução Especializada (EsIE).

[3] Atual Laboratório Químico-Farmacêutico do Exército (LQFEx).

[4] Atual Instituto Militar de Engenharia (IME).

[5] Atual Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

[6] Atual Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea (EsACosAAe).

[7] O CIE funcionou de setembro de 1943 até 1949 nas dependências da antiga Escola das Armas – onde, atualmente, está localizado o 15º Regimento de Cavalaria Mecanizada (15º R C Mec) – antes de ocupar as atuais instalações da EsIE, destinadas ao Núcleo de Recompletamento do Grupamento de Unidades Escola (GUEs).

[8] Especializado em Guerra Química pelo CIAC e no Exército Norte-Americano, chefiou a primeira estrutura operativa de Guerra Química do Exército Brasileiro, durante a II GM: a SGQ/1ª DIE. Como a Cia Es G Q foi concebida a partir da organização prevista para a SGQ/1ª DIE, em sua homenagem, o 1º Btl DQBRN recebeu a seguinte Denominação Histórica: “Batalhão Major ASSUMPÇÃO”.

[9] Embora o Curso de Guerra Química tenha sido transferido para o CIE apenas em 1944, considera-se o ano de criação daquele Centro para fins de sistematização de tal capacitação.

[10] A presente pesquisa histórica somente foi concluída no mês de novembro de 2022, e os devidos reconhecimentos e aprovações das informações apresentadas neste artigo só ocorreram ao longo do ano de 2023, impossibilitando qualquer comemoração em data oportuna. Por essas razões, apesar da DQBRN completar 101 anos em 2023, a celebração de tal efeméride está sendo tratada de forma ampla, como “Centenário”.

Comentarios

Comentarios
Excelente trabalho. Pesquisa histórica de elevada profundidade e excelência. Apresenta fatos e momentos importantes que estavam no esquecimento.Texto de leitura cativante. Um texto de referência. Obrigatório para o entendimento da Defesa QBRN. Parabéns ao autor pelo brilhantismo com que expôs o tema.
Parabéns, Coronel, pelo excelente texto!

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