Força: um atributo da mulher para o Exército

Autor: Coronel R1 José Arnon dos Santos Guerra

Segunda, 27 Maio 2024
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Memórias são ótimas para alimentar argumentos que sustentam decisões importantes. Já as perspectivas desafiam a inteligência por se estabelecerem sobre cenários inexistentes, prováveis no futuro, às vezes surreais para os que vivem no presente, no entanto, são mais reflexivas e racionais. Nesse contexto, insere-se o verdadeiro papel da mulher no Exército Brasileiro.
Desde sempre, o mito da fragilidade é erroneamente atribuído às mulheres, raramente são notadas como o esteio de uma sociedade que parte para o campo de batalha. Na Guerra de Tróia, Aquiles, a lenda da mitologia grega, surgiu em meio à disputa por Helena. Sun Tzu, ao ensinar em suas primeiras páginas de “A Arte da Guerra” como um soberano deve dar ordens, o faz por meio de um grupamento de mulheres.
Na guerra e na história, tudo é por elas e para elas.
Ao longo da nossa história, as mulheres ocuparam novos espaços em todos os ambientes, sempre superando reações de velhos costumes; sempre com luta contra tudo que limita seu papel na sociedade. 
No Exército não foi e não é diferente.
O papel formal e definitivo da mulher nos quartéis da Força Terrestre iniciou-se em 1992, com a Turma Maria Quitéria, na Escola de Administração do Exército, muito depois da História Militar Brasileira ter registrado episódios fabulosos de suas atuações em quase todas as campanhas militares, notoriamente na da Tríplice Aliança. Lembra de Anna Nery acompanhando os filhos e o irmão?
Logo que incorporaram, em fevereiro de 1995, por meio de processos seletivos para militares temporários, dirigiram-se para o Serviço de Saúde do Exército, como um espelhamento do que existia no mercado de trabalho do setor à época. Hoje, elas são a maioria nesse Serviço.
Aquele momento foi um desafio para filhas, esposas e mães que, invariavelmente, cumpriam ao menos três expedientes e, ainda assim, apresentaram-se voluntariamente, altivas, bem uniformizadas, disciplinadas e, acima de tudo, vibrando, tais como os melhores soldados.
Contudo, sair do espaço da Saúde ao qual foram formalmente circunscritas para abrir trilhas para as próximas gerações que as sucederiam era uma responsabilidade que pesava sobre os ombros das pioneiras, sem que soubessem disso, afinal, a farda camuflada era uma exclusividade dos homens. Talvez essa condição continuasse a predominar se essas primeiras falhassem.
Não falharam!
Quase três décadas mais tarde, vê-se que aquela passagem evoluiu para uma estrada pavimentada. Em 2017, jovens, acompanhadas de suas famílias orgulhosas, ingressaram na Escola Preparatória de Cadetes do Exército, consolidando o acerto daquela decisão, de abrir as portas dos quartéis para que ocupassem, não mais os cargos que podiam, mas os que queriam.
E isso foi muito bom!
Em nenhum país do mundo a guerra é feita exclusivamente pelas mãos masculinas. No conflito armado, toda a população é chamada para contribuir. Atualmente, a Ucrânia vive essa realidade, há mais de dois anos, e Israel abriu o Teatro de Operações (TO) da Faixa de Gaza fazendo sua máquina de guerra operar com suas melhores moças.
Em todos os TO, as mulheres sempre lutam com bravura.
Assim foi, assim será, pois a necessidade as convocou e a modernidade as exigirá. Abrir mão das capacidades femininas é deixar de empregar mais da metade do poder de combate nacional. A proteção excessiva desse segmento da população é algo a ser repensado e, talvez, deixado de lado. Esse tipo de atitude cavalheiresca não ocorre somente no Brasil.
Na Europa, berço das lutas feministas, onde as duas maiores catástrofes bélicas varreram o continente no século XX, ainda há resquícios dessa excessiva proteção, em oposição ao voluntarismo para o serviço militar em todos os postos, graduações e armas na maioria dos países da OTAN. Lá, a história ensinou mais cedo que a luta pela igualdade implica na ruptura de idiossincrasias arraigadas, o que é um combate difícil e prolongado.
No Brasil não foi diferente.
O homem não será menos homem por se subordinar a uma mulher. É curioso como radares inteligentes não capturam essa suscetibilidade escondida nos corações masculinos, premissa que cria pequenos obstáculos, os quais se tornam intransponíveis pela quantidade com que são depositados na maratona da vida e que desanimam os corações mais arrojados a alcançar o objetivo principal: alcançam os cargos que elas queiram.
Não os culpem. É impossível cessar esse sentimento de proteção intangível e tão entranhado em uma dinâmica social secular, da noite para o dia. Mudanças assim ficam ainda mais lentas em meio às turbulências ideológicas que alimentam discussões infrutíferas para as mais legítimas aspirações. Na verdade, o pensamento masculino de suporte a essas aspirações deve mover-se pela igualdade dos direitos e dos deveres, sobretudo fortalecido pelo respeito geral entre os indivíduos.
Para uma mudança mais profunda, duradoura e sustentável, nós, homens, temos que nos engajar decisivamente em combate.
E, para romper essa linha de partida imaginária, pergunte-se:
- Vamos enviá-las despreparadas para o front em um eventual conflito?
- Quando elas poderão servir ao Exército por meio da Conscrição?
As respostas são suas, prezado leitor.
A meu ver, pensar diferente é promover maiores chances para o futuro do Brasil e, lembre-se, não se pode errar na guerra e nem se enganar com o sofisma do sexo frágil feminino, porque, sob o manto da delicadeza, esconde-se uma força que subestimamos.
Para finalizar e lhe ajudar com sua resposta, deixo a lembrança da Heroína dos Dois Mundos, Anita Garibaldi, e um pensamento da protagonista do clássico E O Vento Levou, de Margaret Mitchell, ambientado na Guerra de Secessão (1861-1865), nos Estados Unidos: 
- Os fardos são feitos para ombros fortes.


 

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Comentarios

Comentarios

Ótimo tema e abordagem muito atual.

Excelente tema e atual, parabéns!!

As mulheres estão conquistando lugares na sociedade, que realmente lhe são merecidos. Que bom que o exercito brasileiro está enxergando essa realidade 

Excelente texto, valendo muito por trazer Anna Nery e Anita Garibaldi que, com escolhas diferenciadas foram mulheres no ideal de conquista. O Exército enriqueceu com o corpo  feminino em suas fileiras quer na área de saúde, administrativo e operacional. Bom lembrar também das Enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira no Teatro de Operações da SGM.

Avante mulheres brasileiras!  Sem dúvidas, nós últimos 30 anos  a presença  das mulheres  brasileiras  no Exército Brasileiro  tem sido cada vez maior e cada vez mais irrestrito. Fruto da capacidade,  dedicação e competência de cada uma delas! 

Obs: respondendo a questão do autor, sou amplamente favorável a entrada de mulheres na Força, por meio da Conscrição do Serviço Militar. 

Excelente texto, muito bem escrito e traz ótimas reflexões. É crucial pensar a questão da representatividade feminina no Exército não apenas como uma questão de justiça social, mas também como uma medida estratégica. A diversidade de perspectivas e habilidades que as mulheres trazem para o campo militar pode enriquecer as operações e fortalecer a capacidade de defesa nacional. Adorei a forma como o texto nos convida a refletir sobre o papel das mulheres não apenas como soldados, mas como agentes de mudança em uma instituição historicamente dominada por homens, reconhecendo e valorizando o potencial humano em todas as suas formas.

Após as veteranas da FEB, as primeiras mulheres a incorporarem as fileiras do Exército foram da turma do Quadro Complementar de Oficiais, turma de 1992, Não eram temporárias. Entraram por concurso, chegando, muitas, ao posto de Coronel. Inclusive, eu sou uma delas.

Belo artigo, entretanto com uma falha historica enorme!

Cel Guerra, o senhor esqueceu das oficiais pioneiras do QCO da Turma Maria Quitéria, formadas pela EsAEx em 1992. E olha que o senhor conhece algumas integrantes dessa turma, a começar por mim 

Cel R/1 Claudia Azevedo - QCO Magistério Inglês 

A primeira turma com mulheres mo Exército entrou em 1992, mó Quadro Complementar de Oficiais.  Sou Médica Veterinária desta turma. 

Agradeço imensamente a correção feita pelas minhas colegas da Força, que apontaram a falha em minha referência história: a turma pioneira a entrar para o Exército Brasileiro foi a do Quadro Complementar de Oficiais, Turma Maria Quitéria, formadas pela Escola de Administração do Exército, em 1992. 🙏

Carla Beatriz, Cláudia Azevedo (minha professora de Inglês na ECEME), Joana Mara e as outras que vierem a observar este erro, muito obrigado pelo ensinamento e minhas mais sinceras desculpas.

Se for possível, farei a errata neste, do contrário, prometo me redimir em um novo artigo e peço que me ensinem mais sobre esse pioneirismo, admirável sob todos os pontos de vista. E parabéns por servirem de exemplo para tantas outras mulheres do nosso País.

Não entendi "o papel formal e definito" começa em 1994. A primeira mulher a integrar o Exército como praça, foi Maria Quiteria, que não é citada. Depois vieram as enfermeira da FEB que foram para a 2º guerra mundial. E depois, "formal e definitivo", as mulheres ingressaram no Exército Brasileiro em 1992, como Oficiais do Quadro Complementar de Oficiais. Essas mulheres hoje são Coronéis da reserva e abriram o caminho para que novas portas se abrissem para o ingresso da mulher Assim, em 1995 as mulheres incorporaram no Servico de Saúde como Temporárias, depois vieram as Oficiais Tecnico Temporárias e as Sargentos de saúde temporárias. Logo após o IME abriu suas portas para as mulheres. Na sequência foram admitidas Sargentos técnicas Temporárias para só depois a Escola de Saúde abrir concurso para Oficias de Saúde de Carreira. Somente depois da consolidação do papel dessas mulheres na Força, o Exército Brasileiro abriu suas portas para Oficiais e Sargentos de carreira na área combatente.  Todas essas mulheres estão de parabéns, pois enfrentaram barreiras e preconceitos e firmaram sua posição na Força!

Muito plausível sua matéria em exaltar  nós mulheres, em especial  as Mulheres militares ,que muitas das vezes somos vistas como sexo frágil e até somos, mas jamais desistimos d conquistar nossos espaço.

Muito bom👏🏻!

Muito bom artigo Cel. Como integrante do Exército Argentino, tenho a honra de compartilhar a primeira turma com as mulheres que ingressaram no Colégio Militar da Nação (Academia Militar de Formação de Oficiais) em 1997 e que se formaram quatro anos depois como Segundo-Tenentes (Aspirantes) para as armas de Artilharia, Engenheiria e Comunicações, bem como para as Especialidades de Intendente e Arsenal (Material de Guerra). Também em 1995, as primeiras mulheres ingressaram no Serviço Militar Voluntário. Eles realmente são muito profissionais em seu desempenho.

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