Exercitando-se para operações de paz do presente e do futuro: a importância de se participar do Exercício VIKING 2022

Autor: Dr. Vinicius Mariano de Carvalho

Quarta, 30 Março 2022
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Quando, em dezembro de 2020, a Marinha do Brasil concluiu a sua participação na Força-Tarefa Marítima da UNIFIL (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), no Líbano, era como se tivesse se encerrado um ciclo de participações brasileiras em Operações de Paz (OP) sob a égide das Nações Unidas. Este ciclo teve início em 2004, com a criação da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), na qual o Brasil foi, por mais de 13 anos, o país que mais contribuiu com tropas e também manteve por todo este período a liderança militar da missão. Nestes quase 20 anos desde a criação da MINUSTAH até a retirada da Fragata brasileira da UNIFIL, as Forças Armadas Brasileiras, e o Exército Brasileiro em particular, desenvolveram grande experiência em diversos aspectos de uma OP. Dois Centros de Preparação (o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil - CCOPAB e o Centro de Operações de Paz de Caráter Naval - COpPazNav) foram criados e pode-se dizer que o Brasil se inscreveu no campo das OP como referência tática, operacional e doutrinária.

Ao fim desse período, muitos analistas apontaram para o risco de que o Brasil tivesse sua influência e importância reduzidas no ambiente das OP em virtude da menor participação com tropas. Meu posicionamento então era de que o País deveria promover um reajuste da quantidade para a qualidade; que deveria compensar a redução do número de tropas com um engajamento qualitativo, colaborando globalmente com formação, experimentando o desenvolvimento doutrinário das experiências anteriores e articulando um maior envolvimento acadêmico e um desenvolvimento conceitual, bem como favorecer a participação em missões com grupos menores, em caráter formativo. Tudo isso ao lado das missões individuais. Deveria, também, concentrar-se em proposições consistentes em áreas como proteção de civis, mulheres em OP e maior participação de civis nas missões.

E, o mais importante, manter-se com a capacidade de emprego para futuros desdobramentos de tropas. Para esse último fim, obviamente que o preparo ‘em casa’ é fundamental, mantendo unidades treinadas e atualizadas sobre os desenvolvimentos doutrinários no ambiente de operações de paz, sendo exercícios, simulações e cenários instrumentos fundamentais.

Neste contexto, a participação do Brasil no Exercício VIKING – promovido pelas Forças Armadas da Suécia – é de fundamental importância.

Estive na VIKING 2018 como Site Advisor Assistant para o Brasil, acompanhando todo o exercício, observando a dinâmica do treinamento para o gerenciamento de crise e a manutenção da paz em terra, mar e ar, atentando para a função crucial de proteção de civis. Neste tipo de jogo de guerra de múltiplas dimensões, as complexidades contemporâneas de uma OP se tornam muito evidentes. Para além de aspectos táticos e operacionais, um exercício como este tem o potencial de apontar os desafios desse tipo de operação em lidar com domínios como o cyber, o das comunicações estratégicas eo das operações psicológicas, envolvendo não apenas atores militares, mas também civis, através de ONGs, agências de cooperação ou governos. Enfim, trata-se de um exercício que é também potencialmente político-estratégico.

Em minha perspectiva, participar de um exercício como o VIKING neste ano de 2022 trará muitos desafios e novas dinâmicas. Será um exercício que terá de incorporar a realidade da pandemia e explorar o quanto eventos como esse impactam na preparação e no emprego de forças em OP, especialmente no que tange à compreensão do que significa proteção de civis e proteção da tropa neste contexto.

Será também um exercício que acontece em um momento de extrema tensão global com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ainda que o exercício tenha sido todo preparado anos antes desse evento (desde 2019), os seus impactos não deverão ser ignorados. Deve-se especialmente olhar para o futuro, para um pós-conflito, e perguntar-se qual seriam os desafios para uma OP em um contexto semelhante a este em que estamos experimentando neste momento mesmo em que escrevo este texto.

Um outro aspecto que é, em minha perspectiva, fundamental diz respeito à maneira como CONSIDERAMOS a participação em um exercício como este VIKING – ou todo e qualquer jogo de guerra, ou outros tipos de ‘stress tests’ ou atividades de simulação e cenário. Exercícios como este não têm como objetivo confirmar que o que fazemos é bom. Ao contrário, estes exercícios servem para nos preparar para o fracasso, mais que para o sucesso. Estes exercícios não são para validação de práticas, mas para imaginarmos futuros que testarão nossas capacidades de respostas e ajudarão a construir capacidades.

Em outras palavras, não é um jogo para se ‘ganhar’; ao contrário. Quanto mais as nossas respostas aos cenários forem testadas (e em muitas vezes fracassarem), mais poderemos nos preparar para operações de paz complexas, multidimensionais e contextualizadas em um ambiente geopolítico instável.

Qualquer que seja e onde quer que seja a próxima missão de paz para a qual o Brasil envie grandes contingentes, ou mesmo grupos pequenos e especializados, devemos estar conscientes e preparados para uma realidade tática, operacional e político-estratégica muito diversa do que foram os anos MINUSTAH.

Neste sentido, exercícios como o VIKING são de fundamental importância para que continuemos aptos para as operações de paz do presente e do futuro, e não do passado.

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