Evitando a falência do Estado brasileiro na segurança pública

Autor: Ten Cel Maurício Aparecido França

Quinta, 22 Março 2018
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O conceito de "estado falido" é útil para designar os países que vivem sob tensão permanente, em virtude da incapacidade estatal em conter a violência interna proveniente das questões políticas, étnicas, religiosas ou do resultado do crime organizado. É um termo baseado em doze parâmetros que, integrados, fornecem visão clara da capacidade do poder público para lidar com a violência.

A organização americana "Founds for Peace" divulga, anualmente, um ranking dos países agrupados pelo nível de alerta, que varia de "Very High Alert", para países como Somália e a República Democrática do Congo, a "Very ustainable" que compreende países modelos em segurança como a Suécia e a Finlândia. Nessa escala de onze grupos, o Brasil está numa posição intermediaria, sob a rubrica "Warning", atrás da Argentina e do Chile, estes reconhecidos como "More Stable", e do Uruguai, "Very Stable" segundo o estudo.

Num primeiro momento, observam-se os indicadores socioeconômicos que englobam a pressão demográfica, a existência de refugiados/deslocados, os níveis de desigualdade econômica, as tensões sociais, a emigração e a redução da pobreza. Na sequência, indicadores político-militares são analisados, tais como a legitimidade do poder do Estado, os níveis dos serviços públicos, o respeito aos direitos humanos, o aparato de segurança pública, a atuação do poder político somente em prol de minorias e a influência estrangeira.

No contexto de intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, é interessante observar os parâmetros considerados para o setor, com vistas a concluir sobre os desafios com os quais a sociedade brasileira se depara nesse momento.

"O parâmetro - aparato de segurança - considera as ameaças a um determinado estado, tais como a ocorrência de bombardeios, de ataques e de mortes relacionadas a batalhas, a movimentos rebeldes, a motins, a golpes de estado ou ao terrorismo. Neste quesito, também se levam em consideração graves atos criminosos, como crime organizado e homicídios, e a percepção da confiança dos cidadãos na segurança interna".

Não seria necessário estudar profundamente a problemática para verificar a ocorrência de alguns dos aspectos destacados na citação, notoriamente os relacionados ao Crime Organizado (CO). A situação atual compromete a ordem pública tal como é compreendida pelas Forças Armadas no Manual de Campanha "Glossário de Termos e Expressões para uso no Exército":

"Conjunto de regras formais que emanam do ordenamento jurídico da nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum". (C20-1. 4ª ed., EME, 2009)

Nesse contexto, o decreto presidencial determinou a intervenção federal devido "ao grave comprometimento da ordem pública". Isto significa dizer que o poder federal reconhece que o Estado do Rio de Janeiro não possui condições para evitar, neste momento, o aumento da violência e, assim sendo, nomeou um militar para resolver o problema.

O Comandante Militar do Leste, General Braga Neto, estabeleceu dois grandes objetivos que representam o entendimento militar para a questão: "recuperar a capacidade operativa e baixar os índices de criminalidade". Numa terminologia militar, busca-se atingir um Estado Final Desejável (EFD) que seja compatível com a convivência harmoniosa e pacífica do cidadão, maior interessado em que a missão seja cumprida.

Seria ingênuo acreditar que somente a abordagem militar poderia pôr fim aos problemas de segurança no Rio de Janeiro, no período de dez meses. Deve-se buscar uma solução ampla, de modo a acabar com o "triângulo do ato criminoso", conceito utilizado pelos franceses Bauer e Soullez, no livro "Comment Vivre au temps du Terrorisme: Vigilance, résilience, résitance" (FSI - Methodology 2017). Segundo os autores, o ato criminal acontece com base em três vértices: motivação, facilidade e impunidade.

Em uma simplificação, observemos o caso do Tráfico de Drogas:

  • os traficantes (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, Terceiro Comando Puro) são motivados a vender seus produtos a um mercado consumidor em franca expansão;
  • para comercializar os produtos, as facilidades são muitas, a começar pela aceitação social do consumo, passando pela ineficácia dos Órgãos de Segurança Pública (OSP) em reprimir a venda e o tráfico, e finalizando com as facções rivais se encarregando de dificultar as ações umas das outras;
  • todos esses fatores são potencializados pela sensação de impunidade que vigora atualmente. Com uma legislação processual lenta e permissiva, as consequências penais parecem não surtir o efeito desejado para o combate ao Crime Organizado (CO).

Seria razoável espelhar-se na estratégia adotada em Nova Iorque, na década de 1990, quando a cidade era conhecida como "Capital do Crime". Entre 1994 e 2002, o prefeito republicano Rudolph Giuliani implementou a "política da tolerância zero", rompendo duas décadas de medidas liberais que haviam sido implementadas pelo partido conservador.

Segundo o artigo de Patrick A. Langan, "The Remarkable Drop in Crime in New York City" (2004), o sucesso americano foi resultado das seguintes medidas:

  •  ampliação dos efetivos e reaparelhamento da polícia;
  •  redirecionamento das patrulhas para o combate da desordem publica. Conhecido como "broken-windows policing", o objetivo desse modelo era coibir desde as simples infrações de vandalismo, até a conduta antissocial, como forma de mudar o comportamento da população;
  •  desenvolvimento de uma relação próxima com a comunidade ("community policing");
  •  mudança na legislação penal com foco nos crimes com armas de fogo e nos crimes resultantes do trafico de drogas;
  •  "tolerância zero" pelas polícias e pelo poder judiciário, o que, finalmente, gerou a mudança de atitude na população, que também deixou de tolerar os pequenos delitos.

Sem dúvida, a solução exigirá sacrifícios de todos para que o Estado do Rio de Janeiro e mesmo o Brasil não percam a guerra contra as organizações criminosas, tornando-se um "estado falido" nesse setor.

É valido lembrar as palavras de Winston Churchil diante do parlamento inglês, em setembro de 1939:

"(...) pode parecer paradoxal que uma guerra em nome da liberdade e do direito exija, durante sua execução, a restrição de um grande número de liberdades e de direitos os quais são caros a nós".


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Comentarios

Comentarios
Parabéns pelo artigo. A utilização do conceito de Estados Falidos permite uma abordagem ampla sobre o problema não se limitando às instituições de segurança e defesa.
Muito lúcido o artigo do Maj França. É interessante que ele aborda com simplicidade um problema complexo, que vai muito além de intervenção federal na área da segurança pública. Ressalta-se que o engajamento de toda sociedade será fundamental para o sucesso de qualquer política nesse sentido, mesmo que a restrição de direitos e liberdades ocorram num primeiro momento, pois o interesse coletivo deve e tem que estar acima dos interesses individuais. Parabéns Maj França.
Parabéns Maj França, pela maneira clara e objetiva com a qual abordou um tema complexo e atual. É útil buscarmos, também, referências externas para as soluções dos nossos problemas internos, algo muito bem abordado quando se referencia a solução encontrada por Nova Iorque, na década de 1990. Ressalta-se que, na atualidade, a amplitude das ações do Crime Organizado, apoiado nas novas tecnologias, desafiam, cada vez mais, o Estado e as Forças de Segurança a encontrar soluções igualmente inovadoras.
Venho aqui como cidadã, mãe e avó ...Clamar,pedir até mesmo implorar que os senhores nos protegam! Ontem o STF, com desprezo e escárnio contra a nação,deixou livre um bandido condenado por 2 vezes!!Deixou claro que os planos do Foro de São Paulo estão sendo cumpridos à risca!Não suportamos mais ser governados por uma organização CRIMINOSA! Chega! Sinalizem pelo amor de Deus !!
Muito interessantes os conceitos teóricos e doutrinários apresentados pelo autor no artigo, mas infelizmente, por diversos motivos, notadamente a "corrosão" no tecido social, o Sistema Prisional ineficiente e "formador" da criminalidade e o deficiente controle de fronteiras, dentre outras razões, nos levam a concluir que a falência estatal no tocante à Segurança Pública já ocorreu. 60.000 (sessenta mil) mortes por ano no Brasil não podem ser apenas "apenas" Estatística.
Parabéns pelo artigo. Realista, atual e muito bem articulado.
Parabéns ao Maj França pelo artigo centrado na realidade e com sugestões embasadas em casos de sucesso! Como bem ressaltou, a solução só será efetiva se houver uma abordagem ampla, envolvendo todos os instrumentos de poder do Estado brasileiro. Vale a leitura!
Muito interessante e sensato. Parabéns pela forma de abordagem...
BOM DIA O GENERAL VILAS BOAS ESTÁ ENFERMO E DEIXARÁ O CARGO AI EU PERGUNTO ELE VAI QUEBRAR A HIERARQUIA PASSANDO SEU POSTO PARA MAIS GENERAIS MAIS JOVENS ATRAVESSANDO O LUGAR DOS MAIS VELHOS ???
Excelente artigo. A solução é óbvia. Resta saber se a população vai se unir e está disposta a sacrifícios. Temos a tendência em jogar a culpa por nossos problemas sempre nos governantes, quando na verdade somos parte do problema.
William Megale, obrigado pelo retorno positivo.
Obrigado Anselmo pelo retorno. Concordo que uma abordagem global deve ser feita a propósito da segurança pública.
Olá Maj Maurício Aparecido França e possível que haja uma intervenção militar no brasil depois do que acompanhamos e vimos a palhaçada do stf? pois pelo que vemos o brasil esta se tornando um baril de pólvora caso acontecesse teria como o exercito conter esse caos? pergunto porque ouvi dizerem que podem fazer reconvocação isso e verdade maj???
Falam, falam e nada fazem, Se escondem por trás do orçamento bilionário e dos super-salários e o povo que se foda com o STF blindando ladrões comunistas e de todos os tipos.
Estou lendo pela segunda vez o artigo, o texto está bastante esclarecedor, parabéns pelo trabalho Major. Grande abraço
Perfeito, lúcido e no ponto nevrálgico. O "Estado" Brasileiro está realmente necessitando de uma politica de tolerância zero em relação aos criminosos, quaisquer que sejam. Até quando assistiremos a morte de tantos inocentes, esperando sermos as próximas vítimas, e os governantes fazendo "cara de paisagem"? Não podemos mais suportar o mal sendo tão triunfante como vemos nos dias atuais. Major, intervenção geral já! Estamos próximos do fim em relação as "aproximações sucessivas"?
Parabéns pelo texto Major! A aceitação social das drogas concedida pelo Estado ao povo Brasileiro já causou muitos danos irreverssíveis e irremediavel aqueles que sucumbiram aos malditos encantos das drogas. Já é de longa data que as drogas tornaram-se acessíveis aos adolescentes de outrora e nos dias de hoje até de crianças. Me criei aqui na capital de São Paulo ( bairro Vila Vera/vila das Merês) onde nasci e por volta dos anos 1984/1985 em minha adolescência maconha era "mato" e poucas vezes me atrevi a usá-la, pois haviam as Rondas policiais da Rota que estavam sempre nos abordando nas ruas após as 23:00hs. Quando aparecia o caminhão cheio de polícia colocando Luz na cara e dando ordens "mão na cabeça" Está vindo de onde e indo pra onde? A gente gelava e logo a consciência nos dizia pra andar na linha. Carteira de Trabalho no bolso de trás da US TOP era logo consultada pelos policiais pra saber se eramos trabalhadores ou "vagabundos" desculpe a expressão, hoje em dia quem não trabalha não é mais vagabundo é somente um sossegado, desocupado ou desempregado. É nunca rejeitei trabalho sempre achei oquê fazer mesmo quando não assinavam minha carteira, mas tem muitos que procuram emprego e acabam desocupados por muito tempo. Em 1986 a Cocaína tomou o lugar da maconha apesar de ser muito mais cara na época, mas graças à Deus e meu irmão mais velho que eu não tive contato, pois por sorte numa noite antes de ir para o Club juventus(Mooca) estavamos tomando uns drinks e como por mágica apareceu um prato com diversas carreiras brancas e todos em extrema alegria passavam o prato de mão em mão até que chegou as minhas mãos e num momento de incerteza e demora em mostrar ao grupo que eu tinha "coragem" logo fui empurrado e o prato saiu de minhas mãos retirado pelo meu irmão dizendo, isso não presta não entra nessa não. (que hoje por desgraça não vive sem ela, na verdade agora é o famigerado Crak). Espero que Deus ajude as Forças Armadas e aos Homens de bem deste País para que possam agir como nossos irmãos mais velhos que mesmo praticando oquê não convém saibam dizer não aos que são mais jovens, preservando assim os valores das famílias desta Nação!

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