Ensino a Distância sem Tutoria: uma visão de futuro

Autor: Coronel Maurício Gröhs

Quarta, 29 Julho 2020
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Este artigo traz reflexões sobre a adoção do Ensino a Distância sem Tutoria no Exército Brasileiro. Inicialmente, uma ambientação.

Eric Hobsbawm constatou que a notícia da queda da Bastilha (símbolo do Absolutismo Francês) teria chegado mais rápido em Madri (13 dias) do que em Péronne (133 quilômetros de Paris – mais de 2 semanas). Naqueles tempos, estar perto de um porto significava estar perto do mundo. A queda das Torres Gêmeas do World Trade Center (símbolo do Capitalismo Norte-Americano), por sua vez, percorreu o mundo de forma instantânea e o ataque do segundo avião pôde ser assistido ao vivo em todo o planeta.

O segundo episódio, em contraponto ao primeiro, bem ilustra a aceleração da história ocorrida a partir do fim do Século XX (expressão cunhada por Milton Santos), período em que vivenciamos a Terceira Onda Evolutiva de transformação da sociedade e seria caracterizado pela Revolução Tecnológica, nos termos de Alvin Toffler.

Nesses tempos, ter acesso à internet é ter acesso ao mundo. Com um celular nas mãos, pode-se navegar por ilimitadas fontes de informações. Concebem-se novas percepções de tempo e espaço e encurta-se a distância por meio de interações no espaço virtual. Tornam-se possíveis novas formas de socialização, de trabalho e de ensino e, nesse contexto, se desenvolve uma nova modalidade de transmissão de conhecimento, o Ensino a Distância (EaD).

Essa realidade de interações sociais virtuais torna-se ainda mais evidente em tempos de pandemia, quando vivemos o chamado isolamento social. O EaD ganha força e surge como ferramenta essencial para superação das limitações impostas às atividades presenciais. A título de exemplo, o Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército tem realizado disciplinas inteiras na modalidade de ensino a distância por meio do uso de ferramentas como o Moodle e o Zoom.

São tempos de quebra de paradigmas! São tempos em que se sobressaem os atributos militares da adaptabilidade e da flexibilidade e se faz premente a busca pelo autoaperfeiçoamento. Em tempos de pandemia, o EaD ajuda a romper barreiras geográficas!

Nessa linha de raciocínio, trago para reflexão o tema “capacitação sem tutoria”, formato de ensino 100% on-line, na qual o aluno escolhe tanto o momento adequado para realização de um curso quanto o ritmo de execução.

Instituições reconhecidas internacionalmente têm lançado mão dessa ferramenta, como se observa na plataforma on-line EdX, fundada em 2012 pela Universidade de Harvard e pelo MITI. A EdX conta atualmente com mais de 120 parceiros globaisII, em sua maioria universidades ranqueadas entre as melhores do mundo (17 das 20 primeiras do QS World University Rankings® de 2020III). A EdX disponibiliza atividades de diversas áreas temáticas e já capacitou mais de 25 milhões de estudantes em cerca de 3000 cursos, muitos sem tutoria.

Nessa mesma linha, o Governo Brasileiro lançou, em 2018, uma plataforma on-line com a finalidade de concentrar diversas iniciativas de educação antes fragmentadas e ofertar um catálogo unificado de cursos das principais escolas de governo e centros de capacitação da Administração Pública. A Escola Virtual de Governo conta atualmente com 55 instituições parceiras e 169 cursos, muitos sem tutoria. Nos dois primeiros anos de funcionamento emitiu quase 560 mil certificadosIV.

Outro exemplo digno de nota é a Fundação Getúlio Vargas (FGV), que reconheceu o atual período de quarentena como uma oportunidade para aprimoramento técnico-profissional e disponibilizou 55 cursos on-line, todos gratuitos e sem tutoriav. Ressalta-se que a FGV é considerada um dos dez maiores think tanks do mundo, sendo instituição de referência na produção e difusão do conhecimento.

Ao identificar esses casos de sucesso de EaD sem Tutoria, pergunta-se: por que não o Exército Brasileiro? No âmbito do EB, esse formato tem sido adotado desde 2018, quando a Seção de Apoio Técnico e Treinamento da 3ª Inspetoria de Contabilidade e Finanças do Exército (3ª ICFEx) criou capacitações autoinstrucionais para Agentes da Administração Militar.

A iniciativa surgiu devido ao baixo alcance das atividades com tutoria realizadas em 2017, que tinha como principal causa a realização dos treinamentos em datas impostas, muitas vezes incompatíveis com as atividades operacionais das OM.

O projeto-piloto de 2018 abrangeu 5 cursos sem tutoria e capacitou 578 militares – 4,5 vezes mais em comparação aos mesmos cursos ofertados com tutoria em 2017 (126 capacitados). Destaca-se aqui o princípio constitucional da eficiência, na medida em que houve maior efetividade com os mesmos recursos humanos e financeiros empregados.

Após constatada a aceitação do formato pelo público interno, a Chefia da 3ª ICFEx apresentou a ideia às demais ICFEx e à SEF em 3 ocasiõesVI. Ao mesmo tempo, realizou-se o Treinamento do Módulo de Patrimônio do SIGA, ocasião em que a experiência sem tutoria foi estendida às demais Inspetorias e em que foram capacitados em torno de 500 militares vinculados a todas as ICFEx.

Em novembro de 2018, uma comitiva do Instituto de Economia e Finanças do Exército (IEFEx) foi recebida em Porto Alegre para a realização da 1ª Reunião de Coordenação de Ensino a Distância sem Tutoria IEFEx - 3ª ICFEx, importante marco nesse processo.

Na ocasião, apresentou-se a seguinte visão de futuro: disponibilização de cursos voltados para a Gestão das OM, no formato EaD sem Tutoria, de forma centralizada e para Agentes da Administração de toda a Força Terrestre.

A proposta contemplava: (a) migração de cursos das ICFEx para o Portal de Ensino do Exército; (b) gestão a cargo do Centro de Educação a Distância do Exército (CEADEx); coordenação a cargo do IEFEx; (c) cada ICFEx como conteudista e responsável pelo suporte técnico de 01 (um) curso; (d) enquadramento dos cursos como estágios, mediante solicitação ao DGP, possibilitando cadastro no Sistema de Cadastramento de Pessoal do Exército (SiCaPEx).

O breve histórico aqui apresentado fornece subsídios para inúmeras reflexões.

Inicialmente, cita-se o atendimento ao princípio constitucional da economicidade. Quase 800 agentes dos capacitados em 2018 não estavam lotados em Porto Alegre. Se os treinamentos fossem realizados na capital gaúcha, haveria um custo aproximado de R$ 1.000.000,00 apenas com diárias. Segundo o Subchefe da 3ª ICFExVII, o EaD sem Tutoria encontra-se em implantação, com previsão de custo aproximado de R$ 350.000,00 para a criação de 12 cursos no Portal de Ensino do Exército por empresa referência no mercado, incluindo transferência de conhecimento para 15 militares e ficando o conteúdo a cargo do EB. A previsão é que os estágios estejam disponíveis em 2021, com alcance a milhares de militares.

Outras vantagens identificadas são: (a) maior qualidade e padronização de conteúdo; (b) maior eficiência na gestão de pessoal do Sistema SEF, já que as ICFEx, muitas vezes, ministravam cursos com mesmo conteúdo; (c) maior efetividade no apoio aos agentes da administração, uma vez que a flexibilidade de horário facilita a realização dos estágios; e (d) maior segurança e controle de acesso, pois a plataforma de ensino do EB é vinculada ao DGP.

Além dessas, ressalta-se a melhoria do processo decisório pelo Comandante, que pode: (a) identificar os pontos fracos e determinar a capacitação em áreas específicas a qualquer tempo; (b) capacitar um subordinado antes de nomeá-lo para uma função administrativa; e (c) visualizar quem são os militares capacitados de sua OM, em virtude do cadastro no SiCaPEx.

Como visto, a incorporação de uma ferramenta moderna de apoio ao ensino ressalta as capacidades de adaptabilidade e flexibilidade da Força Terrestre, que acompanha tendências atuais por meio da adesão a práticas de sucesso já consagradas em instituições que são referências mundiais na área do ensino. Capacitar os militares do EB com técnicas e ferramentas de ensino modernas é uma das diretrizes do atual Comandante do Exército.

Por fim, o EaD sem Tutoria contribui para a consolidação do valor militar do aprimoramento técnico-profissional, por meio da disponibilização de um programa institucional que estimula a busca continuada pelo autoaperfeiçoamento. Esse formato ganha ainda mais força em tempos de pandemia, quando o afastamento social restringe atividades presenciais e afasta pessoas, mas não pode de maneira alguma limitar o Agente da Administração Militar em sua busca pelo conhecimento.

 

NOTAS

Massachusetts Institute of Technology.

II Disponível em: <https://www.edx.org/schools-partners. Acesso em 03 Jun. 2020.

IV Disponível em: <https://www.escolavirtual.gov.br//>. Acesso em 03 Jun. 2020.

VI Videoconferência da SEF (3 Jul 18), Visita de Inspeção da SEF à 3ª ICFEx (21 Ago 18) e Reunião dos Chefes de ICFEx (27 a 31 Ago 18).

VII Contato realizado via whatsapp em 03 Jun 20.

Comentarios

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Parabéns pelo artigo Grohs.
Excelente artigo TC Grohs. Parabéns pela inciativa.

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