Ensinamentos da liderança militar

Autores: General de Exército Alberto Mendes Cardoso
Quinta, 09 Agosto 2018
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O processo de entrada de militares da reserva na política partidária – sem a criação de um partido militar – não contamina o profissionalismo do dia a dia dos quartéis, tampouco deteriora a disciplina e a hierarquia, pilares das Forças Armadas e Policiais. Pretensiosamente, organizei algumas opiniões para tentar colaborar com os camaradas que, agora, voltam seus ideais e sua energia para outra atividade de Estado, como o fizeram nos anos de caserna.

Desde logo, duas sugestões: não se conformem em ser submissos a lideranças antigas, possivelmente já mal desenvolvidas; e criem uma liderança construtiva e propositiva, que não esteja baseada, apenas, em situações ou pessoas, pois essa gênese traz o gérmen da autodestruição.

 

Liderança política

Há diferenças entre chefia com liderança nas Forças Armadas (FA) e liderança na política. Vejamos algumas situações.

A origem do cargo de chefia em uma organização hierarquizada, como as FA, é autocrática. Seu exercício tem de ser persuasivo, mas nunca autoritário. Já a origem do cargo conquistado honestamente pelo voto é, em tese, democrática, pois o líder é escolhido pelos eleitores.

Nas Forças Armadas, os chefiados reúnem-se diariamente. Já os pretendidos seguidores do político vivem esparsos no bairro, distrito, município, estado ou no País todo. Caso esse candidato ou governante consiga mobilizá-los e liderá-los, eles nunca estarão todos presentes fisicamente, em conjunto. Rádio, televisão e, cada vez mais, as redes sociais são os ambientes alternativos que alcançam as multidões virtuais esparsas.

Nas FA, a motivação primária dos chefiados é a realização profissional e pessoal (a remuneração embutida nesta última). Por sua vez, os eleitores almejados pelo político serão incentivados por ideias, ideais, ideologias, necessidades ou outros interesses pessoais, ou de grupos.

O chefe militar recebe, normalmente já pronto, o grupo que deve liderar. O político tem que criar sua coletividade de adeptos. Quando candidato a cargo eletivo, ele precisa motivar e mobilizar a maior quantidade possível de eleitores. Estes se encontram latentes, na forma de indivíduos dispersos, à espera ou em busca do líder a quem possam confiar a conquista de suas esperanças e necessidades.

Malgrado o universo dos possíveis liderados, surgirão características de massa. Na verdade, o destino político do candidato será determinado nas urnas pelo somatório das vontades individuais. Para vencer, ele deverá transformar indivíduos em massa abstrata, decidida a se manifestar por meio de votos de eleitores compartilhantes de um imaginário. Dirigir-se-á a essa nuvem de pessoas – presencialmente, na TV e no rádio, ou virtualmente, pela internet – como se ela fosse um indivíduo destinado a se multiplicar, a quem tenta convencer, por meio da sua proposta, para tornar anelos em realidade.

Cada voto recebido será uma delegação de autoridade e, no pleito para o Executivo, também de soberania e poder populares. Se eleito, será delegado da totalidade da população municipal, estadual ou nacional – eleitora ou não. Massa que volta a ser abstrata, tendo, agora, como aglutinadora dos cidadãos, a esperança no desempenho dos escolhidos. 

Idealmente, com a eleição, termina a fase da campanha para a ascensão ao cargo e, contando com o aval do grupo majoritário e o aguardo de todos, o eleito inicia a etapa do desempenho para o cumprimento absoluto do projeto prometido. Deverá utilizar aquelas ferramentas delegadas (autoridade, poder e soberania populares) plena e exclusivamente para isso.

Considerando as diferenças entre a liderança militar e a política, o leitor poderia dizer que, à exceção do ponto comum da vocação para servir, o exercício da liderança política é totalmente diverso do exercício da chefia militar com liderança. Nessa, o líder influencia as vontades dos chefiados para, levando-se em conta o comportamento individual e coletivo deles, obter do grupo a execução que leve aos resultados desejados, ao passo que, na política, o líder influencia as vontades dos eleitores para que o escolham seu delegado, a fim de que ele execute o que lhes prometeu. Correto, mas aí está apenas parte da tese.

Na verdade, as relações com a massa representada devem ter continuidade após a eleição. Porque o líder político realmente vocacionado para a democracia tem, por segunda natureza, a definição de Lincoln no Discurso de Gettysburg: “Governo do povo, pelo povo, para o povo”. E interpreta pelo povo como exercido com o povo; sem demagogia ou populismo. Presta contas à população permanentemente, com trabalho e comunicação social veraz; ausculta sua opinião por meio de pesquisas isentas; conversa com o povo por intermédio da mídia e das redes sociais. Mesmo quando há risco de apupos, expõe-se ao contato pessoal – não no estilo de campanha pelo voto, mas no de batalha conjunta cotidiana pelas metas com as quais se comprometeu. Desse modo, transforma-se num verdadeiro líder político. Há certa semelhança com o exercício da liderança militar.

O empenho legítimo para continuar no cargo não lhe exigirá ações específicas para fidelizar o eleitorado. Não pode ser um projeto apartado da atividade governamental ou legislativa, mas um subproduto do cumprimento das promessas de campanha. Moralmente, o empenho para manter-se no cargo deve ser o desempenho do mandato. A permanência no posto deverá ser resultante natural do testemunho e da aprovação popular da execução das atribuições e dos encargos. A reeleição deverá, provavelmente, ocorrer, se o cumprimento do mandato popular tiver sido como a Constituição exige, no artigo 37 – com legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (palavras que, curiosamente, formam o acrônimo “LIMPE”) – e se assim for percebido pelos eleitores, mas não devido a uma nova saraivada de promessas; de “eu-não-sabia”; de mentiras e transferências de responsabilidade pelo não cumprimento do pactuado anteriormente com os eleitores.

A estrutura do sistema brasileiro de formação da representatividade não facilita uma aproximação física significativa dos eleitores e de seus representantes no legislativo, porque esses dois grupos não são referenciados a distritos. Com exclusão dos municípios menores, elegem-se legisladores sem que os votantes os conheçam suficientemente e sem a possibilidade posterior de estes cobrar-lhes os compromissos pessoalmente.

Por outro lado, o espírito de sobrevivência induz os políticos a atitudes e comportamentos pragmáticos – nem sempre éticos – para garantir os votos em áreas geográficas muito amplas. Um pragmatismo que leva à acumulação de recursos financeiros para a próxima campanha e contamina o exercício dos encargos com a predominância dos interesses eleitorais pessoais. As circunstâncias negativas pioram quando, além das motivações individuais, também existe um projeto partidário de manutenção do poder a qualquer custo, “fazendo o diabo”, inclusive em detrimento da ética e das práticas moralmente boas. E, com esse quadro, lá vêm os vergonhosos mensalões e petrolões.

Desse modo, enquanto não se fizer plenamente a tão propalada reforma política, que mude a estrutura, crie condições para a mudança da cultura política e implante uma forma eficaz de controle popular do desempenho dos eleitos, caberá ao político honesto e genuinamente democrata sobrepairar aos costumes aéticos e às práticas amorais, impondo-se um perfil de líder e de caráter, que o imunize contra os desvios.

 

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