Efemérides brasileiras: síntese das questões platinas

Autor: 1º Sgt Julio Cezar Rodrigues Eloi

Sexta, 26 Julho 2024
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A República Federativa do Brasil é a entidade política responsável pela gestão da 5ª maior extensão territorial sobre o globo, além de possuir a 7ª população mundial e deter o 11º Produto Interno Bruto – PIB, em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2022). Sua história é registrada na chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, em Porto Seguro, no sul da Bahia, em 22 de abril de 1500 (de Abreu, 1900). O Brasil, pelas suas características, é uma potência regional com forte projeção no Atlântico Sul.

Fruto da colonização portuguesa, herdou alguns conflitos com seus vizinhos da América do Sul que remontam tratados anteriores à proclamação da sua independência. Neste sentido, com base em literatura nacional, este artigo pretende ser uma síntese dos eventos militares em que o Brasil esteve envolvido no século XIX, mormente na bacia do Prata, período de afirmação do País como nação soberana. Este artigo se mostra especialmente relevante em discutir as ações das Forças Armadas brasileiras, como elemento de segurança para a nação em suas primeiras décadas de autonomia política.

A vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 resultou da invasão francesa por Junot (Calógeras, 2009; Rio Branco, 2012; Barroso, 2019). Sabedor do vácuo de poder no Império espanhol, D. João VI determinou a incursão no Vice-Reino do Rio da Prata em 1811, na atual República Oriental do Uruguai (Donato, 1986; Rio Branco, 2012; Barroso, 2019). Tal área sempre foi motivo de discórdia entre as duas potências ibéricas, cujo 1º assentamento europeu permanente é português, a Colônia do Sacramento, fundada por Manuel Lobo em 22 de janeiro de 1680 (Donato, 1986; Rio Branco, 2012).

Em socorro ao então vice-rei do Rio da Prata, Francisco Javier de Elío, foi criado um Exército de Observação em 1811, comandado pelo governador-geral do Rio Grande do Sul, D. Diogo de Souza, que pacifica o Uruguai, cessando as hostilidades de José Gervasio Artigas e José Rondeau (Barroso, 2019). Diogo de Souza retorna ao Rio Grande do Sul em 1812, com o batismo de fogo de muitos que combateriam futuramente nas lutas da independência, Cisplatina e Farroupilha.

 

Figura 1 – Intervenção luso-brasileira de 1811

 

Fonte: Barroso (2019).

 

Todavia, aquela área é novamente atacada por luso-brasileiros em 1816, inclusive a mesopotâmia argentina, cujo resultado foi a anexação de toda a Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (Donato, 1986). Tendo à frente Carlos Frederico Lecor, futuro barão de Laguna, Montevidéu foi ocupada em 20 de fevereiro de 1817 (Donato, 1986). Em 31 de julho de 1821, a área foi oficialmente incorporada como província Cisplatina, sendo conservada até 1828 (Donato, 1986).

Após essa campanha, Artigas exilaria-se definitivamente no Paraguai, sendo acolhido por Gaspar de Francia (Rio Branco, 2012; Barros, 2019). Nas lutas pela independência do Brasil, combates encarniçados ocorreram na província Cisplatina, com divisões a favor do Brasil e Portugal. Dignas de nota são as operações navais no estuário do Prata, com a expulsão dos lusos no combate de Montevidéu, uma das primeiras vitórias da nascente Armada Imperial brasileira (Donato, 1986; Barroso, 2019). O investimento na formação de uma poderosa frota seria fundamental para a projeção de poder, cuja extensão chegou à Divisão Naval da Costa do Leste, no porto africano de Cabinda (de Oliveira, 2022).

A Armada Imperial brasileira, considerada uma das maiores forças navais do mundo à época, mostrou seu poder de fogo, especialmente no bloqueio de Buenos Aires, contexto em que foi destruída a esquadra de Guillermo Brown em Monte Santiago, de 6 a 7 de abril de 1827 (Donato, 1986; Rio Branco, 2012; Barroso, 2019). Destaca-se que o panorama nacional no 1º decênio de independência foi marcado por alguns eventos dramáticos, como a Confederação do Equador, em 1824, a Guerra da Cisplatina, de 1825 a 1828, e a Revolta dos Mercenários, de 1828 (Barroso, 2019; Donato, 1986).

Com efeito, ressalta-se que a união do Uruguai com o Brasil, não surtiu o resultado desejado, seja pela falta de integração daquele território às demais províncias brasileiras, combinada ainda à distinta cultura e fortes vínculos com as regiões que anteriormente formaram o Vice-Reino do Rio da Prata (Donato, 1986). O episódio do desembarque dos trinta e três orientais foi a tentativa frutífera de libertação daquele território frente ao Império, inflamando a maior parte dos ex-soldados artiguistas, que levou o Brasil recém independente para o seu primeiro conflito internacional.

Mediante o impasse militar terrestre, em que pese a vitória naval absoluta naquele estuário, a mediação britânica na Convenção Preliminar de Paz em 27 de agosto de 1828 trouxe liberdade à nação charrúa, o “algodão entre dois cristais”, para amenizar as tensões entre as duas potências regionais. A autonomia a partir daquele momento transformou o Estado Oriental do Uruguai em um verdadeiro barril de pólvora, pois o grupo do Partido Colorado, liderado por Rivera e criado no Club del Barón, transformou-se em inimigo figadal do Partido Nacional (blanco), de Lavalleja e Oribe.

Essa luta fratricida tornou o Uruguai foco de tensões que se relacionavam com os farrapos na província do Rio Grande do Sul. Bento Manuel Ribeiro, Bento Gonçalves e Davi Canabarro eram veteranos das lutas fronteiriças, que receberam ofertas de ajuda por parte de Rivera e até mesmo do ditador argentino Juan Manuel de Rosas. Tais propostas de interferência estrangeira nos assuntos internos do Império não foram tolerados e após o Tratado de Ponche Verde, o exército rio-grandense foi reincorporado às forças imperiais em 28 de fevereiro de 1845 (Donato, 1986).

Uma aliança do Império do Brasil com as províncias argentinas de Corrientes e Entre Ríos, por Justo José de Urquiza, bem como o partido colorado liderado por Eugenio Garzón, derrubou o governo de Manuel Oribe no Uruguai e venceu a ditadura de Rosas na batalha de Monte Caseros (Santos Lugares), próximo a Buenos Aires, em 3 de fevereiro de 1852 (Donato, 1986; Barroso, 2019). Dessa maneira, o Exército Imperial, comandado pelo então conde de Caxias, lançava as bases do início da hegemonia brasileira na Bacia do Prata.

No entanto, tal perspectiva de liberdade não tardou a trazer antigas controvérsias que redundaram na Guerra do Uruguai em 1864, causus belli da invasão paraguaia à província do Mato Grosso em 14 de dezembro de 1864 (Donato, 1986; Barroso, 2019). A agressão de Solano López ao território nacional foi seguida da invasão à Argentina, para atingir o Rio Grande do Sul, fato que uniu o Império do Brasil, por D. Pedro II, com a Argentina, de Bartolomé Mitre, e o Uruguai, com Venancio Flores (Donato, 1986; Barroso, 2019). Dessa forma, foi assinado em Buenos Aires, em 1º de maio de 1865, o Tratado da Tríplice Aliança (Doratioto, 2014).

A guerra da Tríplice Aliança ou Guerra do Paraguai foi o maior conflito ocorrido na América do Sul, em cujo desenvolvimento contou com a participação de diversos personagens da história militar do Brasil, com destaque para o Duque de Caxias, o Marquês do Herval, o Conde Porto Alegre, o Barão de Itapevi, além de outros vultos como Antônio de Sampaio, Vilagran Cabrita e Bittencourt. Ressalta-se ainda a participação de gerações com tradição militar, como os “Mena Barreto”, do Rio Grande do Sul, assim como a família “Fonseca”, da província de Alagoas.

O conflito passa da ofensiva paraguaia para uma guerra defensiva para os guaranis em 11 de junho de 1865, na épica batalha naval do Riachuelo, oportunidade em que a Armada Imperial, liderada pelo Amirante Barroso, destrói a esquadra comandada pelo Comodoro Meza (Donato, 1986; Calógeras, 2009; Rio Branco, 2012; Barroso, 2019). Em 18 de setembro de 1865, depois da rendição em Uruguaiana(RS), finalmente se encerram as pretensões paraguaias de tomar as iniciativas sobre os territórios dos seus vizinhos platinos.

Figura 2 – Batalha naval do Riachuelo


 

Fonte: Itaú Cultural, representação de Fialdini, com base em Meirelles (1870).

 

Figura 3 – Rendição em Uruguaiana

Fonte: Diretoria do Patrimônio Histórico de Cultural do Exército – DPHCEx (2017)

 

Os embates nesse conflito trouxeram a 1ª batalha de Tuiuti, em 24 de maio de 1866, como a maior ocorrida no continente sul-americano (Donato, 1986). Outras destacadas pela história militar são as da “dezembrada” (Donato, 1986): Itororó, em 6 de dezembro de 1868; Avaí, em 11 de dezembro de 1868; Lomas Valentinas, de 21 a 27 de dezembro de 1868; e a rendição de Angostura, em 30 de dezembro de 1868. A complexidade dessa disputa decorreu de cinco campanhas: Mato Grosso, Corrientes, Humaitá, Piquisiri e Cordilheira (Donato, 1986; Rio Branco, 2012; Barroso, 2019). Com a morte de Solano Lopez em Cerro Corá, em 1º de março de 1970, findou a luta que estabeleceu as fronteiras definitivas do Paraguai com o Brasil e a Argentina (Donato, 1986; Calógeras, 2009).

Figura 4 - 1ª batalha de Tuiuti

Fonte: Estigarríbia (1998).

 

Figura 5 – Batalha do Avaí

Fonte: Silva (2009), adaptado de Pedro Américo (Museu Imperial).

 

Desse modo, com base na literatura nacional selecionada, foi possível atingir o objetivo desta comunicação da história militar, que sintetizou o esforço militar na Bacia do Prata no século XIX. É bem verdade que tais conflitos foram influenciados por fronteiras mal delimitadas, cujos diplomas anteriores, como os Tratados de Madri (1750) e de São Ildefonso (1777), não lograram êxito em formalizar os limites definitivos dos estados nação abrangidos pela bacia hidrográfica em tela (Doratioto, 2014). Por outro lado, rivalidades históricas entre o Brasil, Argentina e Uruguai, temporariamente foram silenciadas na defesa contra um adversário mais bem preparado, o Paraguai, que lutou bravamente de 1864 a 1870, até o colapso de seu aguerrido exército.

Figura 6 – Operações militares da Guerra da Tríplice Aliança

Fonte: Théry e Velut (2016).

 

 

Referências

Barroso, G. (2019). História militar do Brasil. Brasília: Senado Federal. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/574648 . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Calógeras, J. P. (2009). Formação histórica do Brasil. Brasília: Senado Federal. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/575109 . Acesso em: 28 Abr. 2024.

de Abreu. C. (1900). O descobrimento do Brasil pelos portugueses. Rio de Janeiro: Laemmert. Disponível em: https://fundar.org.br/wp-content/uploads/2021/06/o-descobrimento-do-brasil.pdf . Acesso em: 28 Abr. 2024.

de Oliveira, M. R (2022). Divisão Naval da Costa do Leste. A expansão da Guerra Cisplatina para o litoral africano (1825-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. Disponível em: https://www.gov.br/arquivonacional/pt-br/servicos/publicacoes/divisao-naval-da-costa-do-leste.pdf . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército [DPHCEx]. (2017). Rendição paraguaia em Uruguaiana – RS. Guerra da Tríplice Aliança (1865). Disponível em: https://www.dphcex.eb.mil.br/noticias/305-18-de-setembro-rendicao-paraguaia-em-uruguaiana-rs-guerra-da-triplice-alianca-1865 . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Donato, H. (1986). Dicionário das batalhas brasileiras: dos conflitos com indígenas às guerrilhas políticas urbanas e rurais. São Paulo: IBRASA.

Doratioto, F. (2014). O Brasil no Rio da Prata (1822-1994). Brasília: FUNAG. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca/download/1089-O_Brasil_no_Rio_da_Prata.pdf . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Estigarríbia, P. P. C. (1998). Em Tuiuti. EBAcervo. Disponível em: https://ebacervo.eb.mil.br/items/show/8 . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE]. (2022). Dados dos Países. Disponível em: https://paises.ibge.gov.br/#/ . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Itaú Cultural (2024). Estudo para a Batalha do Riachuelo. Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1247/estudo-para-a-batalha-do-riachuelo . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Rio Branco, B. (2012). Obras do Barão do Rio Branco VI A. Efemérides Brasileiras. Ministério das Relações Exteriores. Brasília: FUNAG. Disponível em: https://funag.gov.br/loja/download/975-Obras_do_Barao_do_Rio_Branco_VI_Efemerides_Brasileiras.pdf . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Silva, L. G. (2009). Iconografia da Guerra do Paraguai. In: História do Brasil II. Departamento de História. Universidade Federal do Paraná (UFPR). Disponível em: https://docs.ufpr.br/~lgeraldo/brasil2imagensD.html . Acesso em: 28 Abr. 2024.

Théry, H., & Velut, S. (2015). Élisée Reclus e a Guerra do Paraguai. Confins. Revue franco-brésilienne de géographie/ Revista franco-brasilera de geografia, (24). Disponível em: https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.1908

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História

Comentarios

Comentarios

que artigo sensacional,não sabia dessa sorte da história parabéns 

Parabéns companheiro! Muito interessante a abordagem que você trouxe diferente do que aprendemos na época de escola!

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