Educação a Distância nas organizações militares: ferramenta estratégica do comandante, chefe ou diretor

Autor: Cap R1 Francisco Leonardo dos Santos Cavalcante

Sexta, 07 Outubro 2022
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“O que há de novo para ser dito em relação ao emprego da modalidade de Educação a Distância (EAD) nas organizações militares (OM)?”, perguntaria um comandante, chefe ou diretor. Qual fato inaudito poderia ser trazido à luz, quando a priori se sabe que o Exército Brasileiro há muito se vale desse modelo para o desenvolvimento de competências e habilidades para o desempenho da função?

É natural que prática tão antiga adotada na Força1 pareça esgotar o assunto, porém não é esse o viés que concebemos quando nos referimos ao emprego do EAD como ferramenta estratégica. Em verdade, a adoção cada vez mais ampliada da EAD vem contribuindo para alterar paradigmas instrucionais e modus operandi tradicionalíssimos de transmissão do saber historicamente elaborado aos civis e militares que compõem o ecossistema castrense.

No âmbito do Exército Brasileiro, o conceito de Educação a Distância é entendido como sendo:

Art.3º A EAD é uma modalidade de educação mediada por tecnologias da informação e comunicação e, até mesmo, com o emprego de aprendizagem imersiva, em que discentes e docentes estão separados espacial e/ou temporalmente, ou seja, não estão fisicamente presentes em um ambiente presencial de ensino-aprendizagem (BRASIL, 2016, p.2)2.

Embora o objetivo principal deste ensaio não seja a sistematização da trajetória evolutiva da EAD no Exército, cabe-nos pontuar, entretanto, a pesquisa seminal realizada por ALBUQUERQUE (2011)3, evidenciando a linha temporal estruturante dessa modalidade no âmbito institucional:

- 1994 – Diretriz para o Ensino a Distância no Exército Brasileiro;

- 1999 – Diretrizes Gerais para o Ensino a Distância no Exército Brasileiro;

- 2010 – Diretrizes Gerais para a Educação a Distância no Exército Brasileiro.

A rigor, em razão da expertise lastreada na construção epistemológica nesse campo da educação e das incontestáveis mudanças organizacionais provocadas pelo emprego das Novas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (NTDIC), notadamente a partir da década de sessenta do século passado, acertadamente em 2015, o Comandante do Exército criou o Centro de Educação a Distância do Exército (CEADEx)4, OM destinada a atender o macro objetivo de “implantar um novo e efetivo Sistema de Educação e Cultura”5 na Instituição. Nesse sentido, a opção por utilizar a EAD como promotora do processo de ensino-aprendizagem impactou a um só tempo as três dimensões clássicas desse processo: o locus de aprendizagem, os atores envolvidos e as metodologias utilizadas, tríade que impulsiona as tomadas de decisão do comandante, chefe ou diretor no que tange à capacitação de seus recursos humanos (RH).

O primeiro aspecto relevante do ponto de vista militar é quanto à diversificação dos locais de aprendizagem (locus) suportados pelas NTDICs, visto que, em geral, há bem pouco tempo, a configuração desses espaços estava restrita ao ambiente físico (Escolas, OM etc). Desse modo, a introdução dos Massive Open Online Course (MOOCS) – Cursos Online Abertos e Massivos (tradução livre) – alterou o tempo e o espaço da práxis educativa, uma vez que a aprendizagem passou a ser realizada a qualquer hora e em qualquer lugar.

O segundo ponto importante está centrado na relação pedagógica inaugurada pela disposição dessa nova estrutura, em que a figura do instrutor vem cedendo espaço para a do facilitador/mediador, tendendo até mesmo para a sua não existência, no caso de capacitações autoinstrucionais, e em que a figura do aluno/instruendo tem passado a ser central no processo. Nesse contexto, o aprendente militar não está à espera da transmissão do conhecimento pelo instrutor, mas com esse constrói um canal dialógico que o conduz a outras fontes de saber.

Por último, mas não menos importante, evocam-se os aportes teóricos que dão sustentação às “novas” metodologias ativas que reforçam a autonomia intelectual e reflexiva desses aprendizes. Dessa maneira, aos poucos, os modelos Herbatianos e Skinnearianos (importantes a seu tempo) de aprendizagem, amplamente utilizados, vão dando lugar aos pressupostos educacionais de Knowles, Papert, Vygotsky e Freire, dentre outros educadores, estimulando a emancipação do aprendente, enquanto sujeito ativo na construção do próprio conhecimento, e proporcionando a superação do momento andragógico para o heutagógico.

Preliminarmente, o constructo desse modelo tem favorecido a troca de experiência entre ocupantes de graus hierárquicos díspares em uma mesma sala virtual de aprendizagem – do soldado ao general –, corroborando para a manutenção dos círculos de confiança tão caros ao espírito de corpo existente na Força.

Do ponto de vista estratégico, uma miríade de contrapartidas positivas pode ser elencada em razão da adoção da EAD pelo comando, dentre elas:

- Otimização e racionalização do aporte de recursos orçamentários, diminuindo sobremaneira os custos com diárias e passagens para a realização de cursos e estágios fora da sede;

- Acesso síncrono e assíncrono a conteúdos atualizados relacionados à área de interesse profissional, evitando um “gap” de conhecimento;

- Estímulo ao desenvolvimento de competências e habilidades socioemocionais (soft skils) resultante da interação estabelecida entre os diversos cursistas (network); e

- Disponibilidade dos recursos humanos – força de trabalho – na OM, minimizando o fluxo de deslocamento para a realização de capacitações.

Tal cenário favorável parece contribuir para o aumento progressivo de organizações militares que vêm optando por uma forma perene e fluida de capacitação dos seus quadros. Assim, somente no interior do Forte Caxias existem, pelo menos, três organizações cuja educação corporativa se dá por intermédio da EAD: o Instituto de Economia e Finanças do Exército (IEFEx), a Diretoria de Serviço Militar (DSM) e a Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente (DPIMA), diretamente subordinados à Secretaria de Economia e Finanças (SEF), ao Departamento-Geral do Pessoal (DGP) e ao Departamento de Engenharia e Construção (DEC), respectivamente.

Posto que o custo-benefício tem sido positivo, a expectativa é de que essa modalidade de capacitação seja ampliada de forma exponencial. À guisa de exemplo, citamos a DSM, que ao criar o Instituto de Capacitação Olavo Bilac (ICOB), ampliou significativamente sua capacidade de nivelar conhecimento de forma célere e oportuna, alcançando os usuários do Sistema Serviço Militar nos mais distantes rincões do país e racionalizando o emprego de ativos tangíveis e intangíveis nessa empreitada.

A rigor, a base operacional para a implantação da EAD é relativamente fácil, podendo as OM solicitar uma sala de aula virtual para o CEADEx ou criar seu próprio Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) por meio de um servidor dedicado e suportado pelo Centro Telemático Área (CTA) enquadrante. Contudo, embora a tendência seja de crescimento quanto ao seu uso, a EAD não substituirá inteiramente o contato presencial entre os diferentes atores envolvidos no processo de aprendizagem, devendo coexistir hibridamente (blended).

Portanto, acreditamos fielmente que a projeção da EAD, em ampla escala, ensejará mudanças no paradigma instrucional praticado na Força, possibilitando que todos os aprendizes, do topo da cadeia hierárquica até a base, possam se posicionar em uma organização cujo trabalho corporativo demanda competência, visão crítica, comportamento disruptivo, disponibilidade para solucionar problemas, gestão de diversidades e, sobretudo, ação assertiva.

 

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1 Tem-se conhecimento por meio de pesquisa realizada por Cardoso (2007) de que no século XVII, entre 1641 e 1656, foi escrito um livro de autoria desconhecida sobre ensinamentos de aritmética, geometria, fortificação e artilharia para estudos domiciliar sem mestre, com objetivo de instruir o exército do Brasil Colônia na arte militar (ALBUQUERQUE, 2011, p.77). Disponível em <https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/14902>. Acessado em 26 mar 2022.

2 Vide Portaria Nº 481-EME, de 23 de novembro de 2016.

3 “Atenção, Sentido!, a Educação a distância está presente na caserna. Disponível em <https://www.bdtd.uerj.br:8443/bitstream/1/14902/1/Dissert_Andrea%20Albuquerque.pdf> Acessado em 26 mar 2022.

4 Portaria Nº 900, de 20 de julho de 2015. Disponível em <www.sgex.eb.mil.br/sistemas/boletim_do_exercito/copiar.php?codarquivo=1372&act=bre> Acessado em: 27 mar 2022.

5 Contido no OEE 12 – do Plano Estratégico do Exército (PEEx-2016-2019/3ª Edição-2017), para os anos de 2016 a 2019.

 

Comentarios

Comentarios
Parabéns ???
Gostei do texto e me chamou atenção esse extrato : "a figura do instrutor vem cedendo espaço para a do facilitador/mediador, tendendo até mesmo para a sua não existência, no caso de capacitações autoinstrucionais, e em que a figura do aluno/instruendo tem passado a ser central no processo", parabéns!
Excelente trabalho, abordando claramente e de forma objetiva algumas indagações que realmente nós como Cmt, temos no processo de motivação e esclarecimento aos nossos Subrd. Parabéns pela iniciativa.

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