14 de maio de 2012: não sabendo que era impossível, foram lá e fizeram.
Logo que amanheceu, a patrulha do 7º Batalhão de Infantaria de Selva partiu do 4º Pelotão Especial de Fronteira (PEF), em Surucucu, para o Garimpo do Fernando, local conhecido pela exploração ilegal de ouro no interior da Reserva Ianomâmi. A missão era aproximar-se do objetivo, render os garimpeiros, destruir a pista clandestina com a ajuda do 6º Batalhão de Engenharia de Construção e exfiltrar-se por helicóptero com os capturados. Outras nove missões iguais operavam na Reserva em missões comuns para o Batalhão.
Os soldados desembarcaram em uma clareira e seguiram em direção ao objetivo. Parte da missão, a marcha na selva, consumiria uns 3 a 4 dias, a depender dos obstáculos encontrados pelo caminho. No quarto dia, ao final da tarde, os homens foram surpreendidos com um pedido de socorro de um ianomâmi que escorava outro em seus ombros. O ferido fora picado por uma cobra, provavelmente uma surucucu-pico-de-jaca, endêmica da região. Foi o que os soldados entenderam pelo dialeto local.
Todas as equipes dispunham de um socorrista com treinamento, material mínimo e necessário para emergências. Nesse dia, o escalado era o Cabo Gasparini. O jovem não sabia, mas, junto com seus colegas, teria um dia de herói pela frente.
Nada de soro antiofídico, pois o medicamento, sem refrigeração, se deteriora rapidamente no calor da floresta. A melhor alternativa para acidentes com animal peçonhento é a remoção aeromédica para uma base militar ou para a capital, Boa Vista. A solução imediata do atendente foi realizar os procedimentos emergenciais protocolares para manter o indígena vivo até o resgate. Difícil, mas não impossível.
Antes de anoitecer, sem garimpeiros por perto, a patrulha da Engenharia chegou em outra aeronave com os explosivos para detonação do aeródromo clandestino. Os soldados das duas Unidades estacionaram e fizeram seus abrigos para o pernoite, se revezando com o que sabiam e podiam para manter vivo o paciente que sofria muito.
Anoiteceu, a inquietude cresceu e o risco de morte aumentou. Naquele momento, a ordem foi abortar a missão e salvar o ferido. De madrugada, tiros vieram da selva na direção do acampamento, uns seis a oito estampidos. Eram os garimpeiros tentando afugentar os homens do Exército para proteger seus equipamentos. Essa é uma reação rara, mas não é desconhecida nesse tipo de operação. A tropa alinhou-se, atirou de volta, sem mirar nos outros brasileiros; pelas normas de engajamento, os primeiros tiros são de advertência e na copa das árvores; normalmente, o adversário se rende com isso. Como esperado, a agressão dos garimpeiros cessou.
Noite adentro, o Cabo Gasparini monitorou os sinais do ferido e conservou sua vitalidade. Seus colegas se revezaram na vigilância e em alguns cuidados não especializados, como virar o ferido na maca improvisada de troncos e poncho.
Amanheceu e o helicóptero da Secretaria de Saúde de Roraima chegou, trazendo a bordo um Aspirante a Oficial Médico em seu Serviço Militar Obrigatório. A partir daí, as chances de sobrevivência do indígena melhoraram muito. A aeronave retornou para o PEF, abasteceu, enquanto o índio recebia novos cuidados, e partiu para Boa Vista.
Na pista clandestina, os homens a destruíram com explosivos, explodiram equipamentos de mineração e, depois, retraíram para o pelotão com os garimpeiros rendidos. Estes medicados, alimentados e encaminhados à Delegacia Volante da Polícia Federal criada temporariamente na pequena unidade militar que os autuou. Os soldados descansaram, reabasteceram seus suprimentos e, no dia seguinte, partiram em um HM-2 (Black Hawk) para outra missão.
Dias depois, ao retornar para Boa Vista, o Cabo dirigiu-se a um funcionário da SESAI e foi informado que o índio que socorreu sobreviveu e passava bem. Essa história é incrível e digna de mais estudos, porque uma picada de surucucu normalmente é fatal.
Esse registro ocorre somente agora porque, em meio à coordenação de tantas outras atividades e missões na selva, durante três anos, eventos desse tipo foram relativamente comuns, igualmente importantes, contudo, esse emergiu entre as memórias pelo seu final feliz. Dentro da selva amazônica, episódios como esse são revestidos de audácia, coragem e desprendimento de gente comum, que não tem sobre si a visibilidade da internet, afinal, não há equipamentos e pessoas de mídia que suportam tantos dias de esforço sem se desgastar com os desafios que a floresta tropical oferece.
Destaca-se especialmente o Serviço de Saúde do Exército, neste caso a atuação do seu 1º escalão ou aquilo que é conhecido por saúde operacional, no mais elementar de todos os atendimentos, pela simplicidade dos procedimentos que revelam o excepcional trabalho do Pessoal de Branco da Força, sempre silente, resiliente e eficaz.
Por fim, naquela época havia celulares que, impermeabilizados, eram capazes de capturar algumas cenas inusitadas. A imagem abaixo é a prova deste relato que materializou um pequeno ato de heroísmo dos Soldados da Fronteira e comprova que nem todo herói usa capa.
Na primeira foto, o momento do resgate aéreo: ao centro com o soro, o Cb Octávio GASPARINI; ao fundo à esquerda, Sd Nedson ALEIXO; ao fundo e à direita, um Asp Of MFDV; e, na padiola improvisada, Sd BURGOS Feliphe. Na segunda foto, o embarque do ferido no helicóptero da SESAI.
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