Desafios da estratégia militar para o Brasil

Autor: Cel Oscar Medeiros Filho

Quinta, 01 Novembro 2018
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Um traço do emprego militar em países em desenvolvimento, como é o caso na América do Sul, é o envolvimento das Forças Armadas em atividades “multimissão”. Diferentemente do padrão OTAN, as missões dos exércitos dessa região envolvem, além do preparo para a guerra, o apoio ao desenvolvimento nacional, bem como o suporte às diversas políticas públicas. De fato, para esses países, a ideia de guerra e não guerra é uma realidade muito anterior ao surgimento do neologismo “guerra de amplo espectro”.

Atualmente, vários países buscam realizar processos de transformações de suas Forças Armadas. Para além de uma simples modernização de seus instrumentos de defesa, tal processo sugere mudanças radicais, na estrutura e no emprego da força, limitadas ao orçamento disponível. A transformação visa a adequar o uso da força ao atual ambiente de segurança internacional que congrega ameaças de amplo espectro, desde aspectos ligados a ilícitos transnacionais até o retorno dos tradicionais contenciosos geopolíticos no tabuleiro internacional. Muitos países têm se utilizado do acrônimo da moda para justificar a necessidade de repensar os elementos de segurança e caracterizar o ambiente: VUCA - volatility, uncertainty, complexity e ambiguity (em português, VICA: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade).

Constata-se que é da maior relevância para países que almejam um lugar de global player no tabuleiro mundial (presumivelmente o Brasil), estar dotado de uma força capaz de dissuadir interesses exógenos aos seus objetivos nacionais, de “poder dizer não” e, assim, oferecer respaldo à sua política externa. Nesse sentido, o notório retorno do Realismo e da Geopolítica nas relações entre os Estados e o uso da força como instrumento de política internacional sugere urgência para a discussão de uma estrutura de defesa nacional compatível à envergadura geopolítica do País.

Os modelos usualmente aceitos de um processo de transformação sugerem novas tecnologias, novos ambientes operacionais, novas doutrinas, novas estruturas organizacionais e nova mentalidade diante de um quadro com baixo grau de certeza. Em tese, esses processos passariam, primeiramente, por identificar novas doutrinas com foco nos conflitos atuais e futuros para, posteriormente, reorganizar sua estrutura, estabelecendo novos processos de aquisição e desenvolvimento de equipamento militar.

 Na discussão sobre tal transformação, é comum se comparar estruturas de defesa, tendo como modelo países desenvolvidos (EUA, Reino Unido, França etc.), acreditando-se ser possível emular tais estruturas visando a ampliar o grau de dissuasão de nossas forças. É nesse momento de comparação de nossa estrutura de força com países desenvolvidos que surge um nó difícil de desatar: como País em desenvolvimento, o significado da força aqui não diz respeito apenas à Defesa (coerção), mas constitui também elemento fundamental no processo de construção nacional.  Historicamente, observa-se que o suporte ao desenvolvimento nacional tem consumido muita energia das Forças Armadas no Brasil. Isso se dá por meio de apoio de infraestrutura – construção de rodovias e provimento de serviços públicos em áreas remotas –, como instituição formadora e fiadora dos valores republicanos, e de emprego diverso em atividades constabulares – monitoramento de fronteiras e garantia da lei e da ordem.

 Há uma considerável literatura que busca abordar de forma diferenciada a trajetória do uso do instrumento militar em países em desenvolvimento (Ayoob, 1995; Krause, 1996). Partindo-se de um modelo clássico de Estado Nacional (Westphaliano), para os quais a montagem de uma poderosa máquina de guerra foi fundamental em processo de desenvolvimento, os referidos autores observam que, em países em desenvolvimento, há uma série de desafios ao desenvolvimento institucional do Estado Nacional. Estes desafios incluem a consolidação e manutenção da ordem territorial sob o domínio da autoridade política e a “paz social”. Se observarmos o nosso entorno, constatamos que, na América do Sul, os exércitos se auto identificam como forças “colonizadoras”. Para além da preparação para a guerra, esses exércitos, a partir de um sentimento de “incompletude” do processo de construção nacional, sentem-se na obrigação patriótica de servir como esteio ao desenvolvimento nacional.

 Podemos dividir a natureza desses desafios em dois diferentes campos: a consolidação institucional do Estado e o desenvolvimento econômico da Nação. Percebe-se nesses dois campos o envolvimento da Defesa. No primeiro, pelo serviço militar obrigatório, por exemplo, entendido como “escola de civismo” e nivelador republicano. No aspecto econômico, observa-se uma estreita ligação entre “segurança e desenvolvimento”, no qual as Forças Armadas são entendidas como suporte do Estado.

 Nesse sentido, um aspecto deve ser ressaltado: ao tratarmos da transformação militar e de projeto de força em países em desenvolvimento, corre-se o risco de apresentar o papel da tecnologia e do desenvolvimento de programas militares como vetores de desenvolvimento nacional e de mudança militar, mas sem, anteriormente, pensar nos desafios doutrinários que demandaram novas tecnologias. Desse modo, não seria a guerra futura e a mudança geopolítica que motivaria a transformação militar, mas sim as novas tecnologias adquiridas como vetor de desenvolvimento tecnológico e econômico. Inverte-se a equação ideal da transformação militar.

No caso do Exército Brasileiro, materializa-se na busca de se atender a contento a duas estratégias prioritárias: a dissuasão e a presença. Tal dilema passa por um debate sobre de que forma entendemos essas duas estratégias e quais são as implicações em termos de operações militares e de operações subsidiárias.

Daí a grande questão presente e futura da transformação do Exército Brasileiro parece ser: como compatibilizar um desenho de força voltado para ameaças do tabuleiro geopolítico internacional com outro voltado para apoio ao desenvolvimento, garantia da lei e da ordem e atuação cívico-social? Esta parece ser uma excelente questão de debate sobre o futuro do Exército e das Forças Armadas brasileiras nas próximas décadas. A prontidão operacional e o elevado espírito de corpo são mandatórios tanto para o atendimento das demandas do poder civil no apoio ao desenvolvimento, quanto para o atendimento das demandas oriundas da própria razão de ser de uma Força Armada: vencer as guerras nas quais o País esteja envolvido.

Coautor: Prof. Msc Raphael Camargo Lima

Comentarios

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Parabéns pelo artigo bastante oportuno e esclarecedor!
A estratégia é nos prepararmos para uma guerra de resistência, pois infelizmente não tempos poder bélico suficiente para enfrentar grandes potências militares... Parabéns pelo artigo!

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