Contribuições militares à gestão de projetos

Autor: 1º Sgt Julio Cezar Rodrigues Eloi

Sexta, 30 Agosto 2024
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Nos mais diversos ramos de atividades, cujo resultado decorre da entrega de resultado único, com prazo assegurado, é comum termos a figura do gerente de projetos, sendo que, em organizações mais complexas, existem os escritórios de projetos. Neste cotidiano de inúmeros empreendimentos que são criados na economia, torna-se fundamental a disciplina de gestão de projetos, para assegurar o atendimento ao escopo e o cumprimento do prazo e custo previstos.

De acordo com o Project Management Institute (PMI), organização fundada em 1969, nos Estados Unidos, o projeto é um “esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado exclusivo” (PMI, 2021). Para a mesma entidade, a gestão de projetos é o processo pelo qual se aplicam conhecimentos, capacidades, instrumentos e técnicas às ati­vidades do projeto de forma a satisfazer às necessidades e expectativas dos diversos stakeholders (partes interessadas) envolvidos neste.

O gerenciamento de projetos existe há muito tempo na sociedade, assim, diversos autores costumam citar como exemplo as pirâmides egípcias, a grande muralha da China, as estradas e aquedutos romanos, dentre outros casos na antiguidade. Isso equivale a dizer que, apesar de existir desde a antiguidade, o gerenciamento de projetos era desenvolvido de forma empírica ou sem a especificidade ou metodologia necessárias.

Para melhor gerenciamento dos projetos, o engenheiro mecânico Henry Gantt desenvolveu em 1917 uma ferramenta, a qual foi popularizada como diagrama de Gantt (Conde, 2018). Esse engenheiro especialista em técnicas de planejamento e controle utilizou o gráfico de barras como uma ferramenta de gerência de projetos associada às teorias de Frederick Winslow Taylor da administração científica (Kreutz & Vieira, 2018).

Figura 1 – Exemplo do diagrama ou gráfico de Gantt


 

Fonte: Conde (2018).

 

Kreutz e Vieira (2018) explicam que o trabalho de Gantt foi o precursor de muitas ferramentas gerenciais modernas na seara dos projetos, como a WBS (Work Breakdown Structure), também conhecida como EAP (Estrutura Analítica do Projeto). A EAP em algumas organizações ainda pode ser denominada de estrutura de decomposição de trabalho, cuja finalidade é dividir o trabalho em componentes menores para facilitar a organização do projeto de forma mais detalhada (Silva, 2017).

Em termos de sistematização, a organização da disciplina de gestão de projetos está fortemente ligada aos empreendimentos militares estadunidenses (Ferreira Junior, 2015). Enquanto na III Revolução Industrial, com a criação dos computadores, e nas décadas seguintes, na II Guerra Mundial (II GM), com os complexos diagramas de rede, PERT (Program Evaluation and Review Technique) e o método de Caminho Crítico (Critical Path Method – CPM), novos elementos foram introduzidos pelos militares dos EUA, oferecendo aos gerentes, maior controle sobre os projetos (de Brito Sanchez, Puglia, Chia & Sanchez, 2021).

As técnicas PERT/ CPM até hoje são adotadas nos softwares de apoio ao gerenciamento de projetos (Stampacchio, 2011). Para a autora em tela, a criação da técnica PERT ocorreu por solicitação da Marinha norte-americana no Projeto Polaris, ao observarem as limitações do cronograma para gerenciar as atividades com riscos de impactar o sucesso do referido empreendimento. Por outro lado, o CPM foi desenvolvido pela empresa DuPont, a fim de auxiliar a programação de interrupções da atividade para manutenção de fábricas de processamento químico, de forma que, através dessa técnica, é possível determinar o tempo que o projeto demora a ser executado (Conde, 2018).

No período da II GM, houve intensa cooperação no setor de projetos, de modo que a necessidade de aumentar a produtividade em tempo cada vez menor foi ganhando importância nas operações (de Brito Sanchez, Puglia, Chia & Sanchez, 2021). Tais pesquisadores explicam que nesse ambiente de cooperação, ocorreu a bomba atômica como desfecho do Projeto Manhattan, que envolveu cerca de cem mil pessoas comprometidas no projeto de pesquisa e desenvolvimento.

Profissionais como cientistas, engenheiros, militares e diversos outros se mobilizaram em torno do Projeto Manhattan e suas ações foram reunidas em um só objetivo, por meio de organização, planejamento e produtividade (de Brito Sanchez, Puglia, Chia & Sanchez, 2021). Outro projeto digno de nota, trata-se do Apollo, que de 1961 a 1972, teve o seu desenvolvimento considerado como uma das maiores realizações da humanidade, especialmente pela chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1969 (Rossetti, 2014).

Dessa forma, a gestão de projetos tomou vulto no século passado com megaprojetos inovadores no campo militar, que marcaram o mundo, a II GM, a Guerra Fria e a Corrida Espacial (de Paula Filho, 2020). No caso do Exército Brasileiro (EB), para de Souza Filho (2018), a gestão de projetos é fruto de um processo de amadurecimento amparada pela aprovação das normas para o gerenciamento de projetos, aprovadas pela Portaria nº 111, de 22 de outubro de 2001.

Essas normas tinham por finalidade regular os procedimentos adotados para a elaboração, gerenciamento e acompanhamento dos projetos no âmbito da Instituição (de Souza Filho, 2018). O referido autor complementa ainda que a cultura voltada ao gerenciamento de projetos não surgiu repentinamente no Exército, sendo resultado do desenvolvimento de uma série de práticas administrativas e de governo que a conduziram ao seu estágio atual, culminando na implantação e no funcionamento do Escritório de Projetos do Exército (EPEx).

Nos últimos anos, a organização do EPEx foi redefinida pela Portaria nº 134, de 10 de setembro de 2012, que revogou a Portaria nº 224, de 23 de dezembro de 2006 (de Souza Filho, 2018). Explica ainda que, em seguida, na Portaria nº 176, de 29 de agosto de 2013, a instituição castrense atualizou a sua metodologia pelas Normas para Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento de Projetos no Exército Brasileiro (NEGAPEB), com a introdução das alterações constantes na versão do Project Management Body of Knowledge (PMBoK®) daquela época, assim como o gerenciamento de riscos, em observação aos princípios e diretrizes constantes nas Normas Técnicas (NBR ISSO 31000:2009).

De outro modo, para de Souza Filho (2018), a experiência de quatro anos de gestão das NEGAPEB mostrou a necessidade de mudanças e aperfeiçoamento da metodologia de gerenciamento dos Projetos Estratégicos do Exército (PEE). Pelo diagnóstico dos referidos PEE, constatou-se que, no nível estratégico, a instituição conduz um portfólio integrado por subportfólios e programas (de Souza Filho, 2018).

Figura 2 – Portfólio Estratégico do Exército Brasileiro

Fonte: de Souza Filho (2018), apud EPEx (2018).

 

No mundo globalizado de hoje, é possível perceber que o ge­renciamento de projetos vem se fortalecendo cada vez mais, pois as organizações estão percebendo que precisam gerenciar projetos para auxiliar no atingimento de seus objetivos e proporcionar melhores re­sultados, especialmente aqueles relacionados com custo e qualidade (Kreutz & Vieira, 2018). Gerencialmente, esses pesquisadores citam Badewi (2015), que argumenta que a adoção da gestão de projetos, pelas instituições, pode trazer um aumento de eficiência do esforço huma­no na organização.

Este breve artigo trouxe um panorama do gerenciamento de projetos, obras das civilizações egípcia, romana e chinesa, sínteses de ferramentas, casos do complexo militar dos EUA na II GM, bem como a corrida espacial na Guerra Fria. Interessante ressaltar que, ao lado da construção civil, foi na Indústria de Defesa que a gestão de projetos nasceu e se desenvolveu, de acordo com Leão, Santos & da Silva (2018) apud Hayes et al. (2008) e Maylor (2001). Por fim, destaca-se a evolução da disciplina nos últimos anos, sobretudo pela profusão de certificações, cursos in company e pós-graduações, além do esforço do próprio Exército Brasileiro em aprimorar a sua gestão de projetos, em razão do seu portfólio estratégico.

 

 

Referências

Conde, A. S. M. M. (2018). Gestão de projetos de obras de engenharia, na fase de concurso do processo de contratação pública. (Dissertação) Mestrado em Engenharia e Gestão Industrial. Universidade da Beira Interior (UBI). Covilhã. Disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/handle/10400.6/9724 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

de Brito Sanchez, R., de Melo Puglia, V., Chia, E. C. A., & Sanchez, R. (2021). Aplicação de métodos ágeis na gestão de projetos em serviços de engenharia industrial para empresas ME e EPP. REMIPE - Revista de Micro e Pequenas Empresas e Empreendedorismo da FATEC Osasco7 (1), 63-81. Disponível em: https://doi.org/10.21574/remipe.v7i1.298 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

de Souza Filho, M. V. (2018). O gerenciamento de projetos e a formação do futuro chefe militar. MBA em Gerenciamento de Projetos. Fundação Getúlio Vargas (FGV). Rio de Janeiro. Disponível em: https://www15.fgv.br/network/tcchandler.axd?tccid=8236 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Ferreira Junior, P. L. B. (2015). A utilização do gerenciamento de projetos no planejamento estratégico das empresas. IV Simpósio Internacional de Gestão de Projetos, Inovação e Sustentabilidade (IV SINGEP). São Paulo. Disponível em: https://www.singep.org.br/4singep/resultado/97.pdf . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Kreutz, R. R., & Vieira, K. M. (2018). A Gestão de Projetos no Setor Público: os desafios de suas especificidades. Gestão Pública: Práticas e Desafios9 (1). Disponível em: https://doi.org/10.51359/2177-1243.2018.234989 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Leão, W., Santos, J. B., & da Silva, C. S. (2018). A indústria de defesa no Brasil: investigando a competência essencial. Revista Brasileira de Estudos de Defesa5 (2). Disponível em: https://doi.org/10.26792/rbed.v5n2.2018.75025 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Paula Filho, V. D. (2020). As competências em gestão dos megaprojetos de defesa do portfólio estratégico do Exército Brasileiro. Especialização em Gestão de Projetos. Universidade de Brasília (UnB). Brasília. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/26779 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Rossetti, P. H. Q. (2014). Variáveis críticas de sucesso na gestão de projetos: uma análise contemporânea. Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Faculdade de Tecnologia (FATEC). Americana. Disponível em: https://ric.cps.sp.gov.br/handle/123456789/586 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Silva, I. N. (2017). Gestão de Projetos na Implementação da Tecnologia de Laser Cladding - Caso de Estudo TEandM. (Dissertação) Mestrado em Engenharia e Gestão Industrial. Universidade de Coimbra (UC). Coimbra. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/83102?locale=pt . Acesso em: 31 de maio de 2024.

Stampacchio, M. H. (2011). Líder facilitador: competências e habilidades do gerente de projetos. Especialização em Gestão de Projetos. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. Disponível em: https://dspace.mackenzie.br/items/0fe77cdd-51ab-4000-9643-e69963797458 . Acesso em: 31 de maio de 2024.

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Belo resumo histórico. Atualmente, estamos na 3ª edição das Normas para Elaboração, Gerenciamento e Acompanhamento de Projetos do Exército Brasileiro (2023) e, como Supervisor de um dos nossos projetos, posso afirmar que essas normas estão muito claras, simples e são muito úteis para a equipe do projeto, proporcionando segurança aos decisores,  ferramentas adequadas aos planejadores e garantia das entregas dentro dos prazos estimados.

Ótimo artigo sobre gestão  parabéns 👏👏

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