A consciência situacional (CS) tornou-se um dos pilares fundamentais da liderança militar moderna. Em ambientes informacionais cada vez mais precipitados, superficiais, imediatos e conturbados (PSIC), conforme descrito pelo General Richard1, a capacidade de perceber, compreender e antecipar eventos é o que diferencia líderes eficazes de comandantes vulneráveis a surpresas e fracassos. Percebe-se, atualmente, que os comandantes de diversos níveis possuem dificuldade em ordenar dados para tomar decisões, levantando informações que não influenciarão em suas ordens e, com isso, desperdiçando energia e recursos.
Antes da era digital, a consciência situacional era construída de forma manual e fragmentada, pois os próprios combates possuíam uma dinâmica mais lenta e gradual. Pode-se dizer que as decisões em combate se assemelhavam às decisões tomadas durante um jogo de xadrez, onde as variáveis são limitadas por movimentos preestabelecidos, regras bem definidas e áreas demarcadas.
Quando observamos conflitos anteriores à década de 1990, alguns aspectos caracterizavam a consciência situacional que os líderes possuíam à época. Os principais deles eram a observação direta e reconhecimento, que dependiam, exclusivamente, de patrulhas, batedores, observadores e tropas de reconhecimento para coletar informações. Essas informações eram transmitidas por meio físico ou radiotransmissores, que se caracterizavam por limitações de tempo e precisão.
Nesse contexto, observa-se que a consciência situacional era pouco dinâmica, com solução de continuidade e pouco integrada. A incerteza, nesse período, era criada pela falta de informação. Diferentemente, hoje em dia a incerteza caracteriza-se pela abundância de informações e atores envolvidos num mesmo ambiente.
A partir da Guerra do Golfo, ocorrida entre 1990 e 1993, a utilização de aparatos tecnológicos proporcionou um novo patamar para a consciência situacional. O sistema de posicionamento global (GPS) utilizado pelas Forças Armadas dos Estados Unidos da América (EUA), pela primeira vez empregado em combate, foi determinante para que os líderes norte-americanos pudessem tomar decisões que surpreendessem o inimigo, proporcionando uma vantagem expressiva.
Outro aspecto importante que marcou a Guerra do Golfo foi a atuação da imprensa com transmissão televisiva e ao vivo. A cobertura mostrou a realidade da guerra e determinou narrativas que, nesse caso, foram favoráveis à ofensiva norte-americana.
Foi nesse mesmo período que a teoria de consciência situacional surgiu, por meio dos estudos desenvolvidos por Mica R. Endsley2. Tais estudos foram referência mundial para compreender como indivíduos e equipes percebem, processam e utilizam informações em ambientes de alta demanda cognitiva. Endsley desenvolveu a base de sua teoria realizando um estudo para melhorar a tomada de decisão de pilotos de caça da Força Aérea dos EUA, abrangendo o estudo para diversas áreas ao longo do tempo.
Segundo Endsley, a CS é composta por três níveis interdependentes: percepção dos elementos, compreensão situacional e projeção de estados futuros. O primeiro se caracteriza pela identificação de elementos relevantes do ambiente. O segundo é a interpretação dos elementos identificados e suas possíveis relações entre si e entre eles e o ambiente. Já a projeção de estados futuros é a capacidade de antever possíveis cenários para que, a partir daí, as decisões possam ser tomadas de forma mais assertiva.
Endsley levantou, ainda, que a CS é influenciada por fatores individuais (atenção, memória, experiência), fatores da tarefa (complexidade, carga de trabalho) e fatores ambientais (estressores, automação, qualidade da informação). Isso leva a inferir que algumas características da pessoa do líder devem ser mais evidenciadas, pois são essenciais para uma tomada de decisão correta e oportuna. Dentre elas, as mais importantes são: a coragem; o aprimoramento técnico profissional; a iniciativa; a adaptabilidade; a resistência; e a sobriedade. Esta última possui maior relevância, uma vez que é indispensável para um líder saber agir com equilíbrio e autocontrole num ambiente informacional PSIC.
Na implementação dessa teoria, a manutenção da CS enfrenta diversos obstáculos no ambiente multidomínio atual. Os dados podem ser encontrados nos ambientes informacional, físico, humano, e nos domínios cibernético e eletromagnético. Nos combates modernos, isso causa uma sobrecarga e fragmentação das informações, dificultando a cognição do líder militar e a análise dos dados disponíveis.
A utilização de inteligência artificial (IA) também se mostra como um grande desafio para a consciência situacional. Assim como podem ser utilizadas como filtro e análise de dados de forma instantânea, também podem limitar a memória e a experiência individual dos líderes, diminuindo suas capacidades de processar informações, utilizando o raciocínio lógico sob estresse ou fadiga diante da complexidade e dinamismo do ambiente operacional.
Existem, ainda, dois óbices que são difíceis de superar, que são a integração de sistemas e a interoperabilidade. Esses obstáculos geram redundâncias informacionais, comprometendo a visão holística na concepção das operações, notadamente nos níveis táticos mais elevados e acima. Por vezes, os líderes militares se tornam dependentes de sistemas que, ao fim e ao cabo, não mostram a direção para o decisor, fazendo com que o líder perca o momento ideal de tomar decisões vantajosas.
Pode-se levantar, ainda, diversas particularidades da consciência situacional, tais como: falhas de comunicação e segurança cibernética; diferenças de adestramento entre as tropas empregadas; abundância de protocolos específicos, ou até mesmo a ausência deles; dentre outros.
As estratégias para superar esses óbices são variadas. Um bom exemplo pode ser observado no conflito entre Rússia e Ucrânia atualmente, como os sistemas DELTA e KROPYVA. Tais sistemas integram informações de fogos, movimento e manobra e inteligência, utilizando ferramentas simplificadas, personalizadas, com filtros para situações críticas e uma avaliação contínua. Além disso, são capazes de operar entre Forças singulares e meios civis, utilizando sistemas autônomos para coletar dados na internet e analisar conforme a demanda programada. Por óbvio, nada disso é útil sem uma liderança firme, capaz de tomar as decisões em tempo hábil e de forma corajosa.
Por fim, é possível afirmar que a consciência situacional é o alicerce da liderança militar eficaz na contemporaneidade. Seu desenvolvimento e manutenção exigem integração tecnológica, treinamento humano, processos colaborativos e resiliência organizacional. A adoção de sistemas de informação avançados, o treinamento contínuo e a cultura de colaboração são elementos-chave para garantir que comandantes e suas equipes tenham acesso rápido, claro e objetivo às informações essenciais.
Em síntese, investir em consciência situacional é investir na segurança, eficiência e êxito das operações militares — uma lição que se aplica tanto ao campo de batalha quanto a qualquer contexto onde decisões rápidas e precisas podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso.
Referências
- Endsley, M. R. (1995). Toward a theory of situation awareness in dynamic systems. Human Factors, 37(1), 32-64.
- O Mundo PSIC e a Ética Militar, disponível em https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-psic-e-a-etica-militar.html
- A aquisição da consciência situacional das operações militares terrestres no ambiente amazônico, disponível em https://eblog.eb.mil.br/w/a-aquisição-da-consciência-situacional-das-operações-militares-terrestres-no-ambiente- amazônico?p_l_back_url=%2Fsearch%3Fp_l_back_url%3D%252Fsearch%253Fq%253DPSIC%26p_l_back_url_title%3DSearch%26q%3DCONSCI%25C3%258ANCIA%2BSITUACIONAL&p_l_back_url_title=Search
- Relatórios e estudos sobre a guerra Rússia-Ucrânia (2014–2024).
- COEB 2040
1 Atual Chefe do Estado-Maior do Exército Brasileiro.
2 Mica R. Endsley é uma cientista que atuou por muitos anos na Força Aérea dos EUA. Seu principal campo de estudo é o da consciência situacional e o da tomada de decisão, recebendo diversos prêmios por suas pesquisas nessa área.
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